Alexandre de Moraes, em sessão Plenária do TSE: passo atrás - Foto: Alberto Ruy/Secom/TSE

O recuo tático de Moraes

Movimentos nos bastidores de Brasília reduzem tensão entre Congresso e Judiciário
23.05.24

A absolvição do senador Sergio Moro (União-PR) das acusações de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido de meios de comunicação na terça-feira, 21, foi obtida tanto dentro quanto fora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ela se deveu à falta de qualquer prova que desse consistência às acusações – fato reconhecido unanimemente pelos sete ministros da Corte –, mas também a movimentações políticas, especialmente a busca de um armistício do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, com o Congresso.

Essa busca pelo distensionamento entre os poderes não deve se resumir ao caso de Moro. Aliás, preservação do seu mandato nem chega a ser o lance principal dessa história, tendo em vista o ódio e a desconfiança que muitos políticos, de todos os matizes ideológicos, ainda nutrem pelo ex-juiz da Lava Jato.

Mais significativa pode ser a absolvição do senador Jorge Seif (PL-SC), muito alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e, também ele, acusado de abuso de poder econômico nas eleições de 2022.

O julgamento de Jorge Seif estava marcado inicialmente para 30 de abril no TSE. Antecipava-se um voto duríssimo do relator do caso, o ministro Floriano de Azevedo Marques, que chegou ao tribunal apadrinhado por Alexandre de Moraes.

Na véspera, começou a correr o boato de que Marques havia mudado completamente o teor de seu voto, no sentido de livrar Seif da punição. Iniciada a sessão no plenário, o que se viu foi algo diferente e bastante incomum: o ministro pediu a realização de novas diligências para a coleta de provas.

Esse adiamento não apenas deixou em aberto o desfecho de um caso que parecia definido “em desfavor do réu”, como ainda propiciou que a composição da Corte seja diferente, na retomada do julgamento. Alexandre de Moraes deixará o TSE no início de junho e, em seu lugar, entrará André Mendonça – o “terrivelmente evangélico” indicado por Jair Bolsonaro para trabalhar no topo do Judiciário.

As movimentações que apontam para um armistício entre Judiciário e Congresso começaram em meados de março. Elas envolveram desde os presidentes da Câmara e do Senado – Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente – até parlamentares influentes como o senador Davi Alcolumbre (União-AP) e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

Em encontros com o atual presidente do STF, Luís Roberto Barroso, com o articulador-político-em-chefe da Corte, Gilmar Mendes, e com o próprio Alexandre de Moraes, tanto Pacheco quanto Lira bateram na tecla de que o  estresse entre os Poderes estava chegando ao limite, devido a dois fatores: ações em que o STF ameaçava ocupar o lugar do Congresso como legislador (em temas como aborto ou porte de drogas, por exemplo) e seguidas decisões que restringiam prerrogativas dos parlamentares (como mandados de busca e apreensão em gabinetes, por exemplo).

De olho em uma candidatura ao governo de seu estado, Minas Gerais, Pacheco em particular vem dando recados ao Poder Judiciário desde o ano passado. Ele aprovou no Senado uma PEC para limitar o alcance de decisões individuais dos ministros e deu aval para a tramitação de outra, que estabelece mandatos para ministros do Supremo (hoje, só é preciso deixar o cargo com a aposentadoria compulsória, aos 75 anos).

Além disso, cabe ao presidente do Senado iniciar processos de impeachment de ministros do STF. Há um punhado deles protocolado, inclusive contra o recém-empossado ministro Flávio Dino. Pacheco, bem ao seu estilo, assegurou que não tinha intenção de tirar nenhum deles da gaveta, mas “reclamou” da pressão constante de parlamentares que se sentem afrontados pelo STF. Um olhar carinhoso para os processos de Moro e especialmente de Seif daria um sinal importante para aos seus colegas.

Os pedidos de impeachment adormecidos no Senado também foram lembrados por Davi Alcolumbre, possível sucessor de Pacheco no comando da Casa, num recado que ele fez chegar à Corte, antes de repeti-lo a outros interlocutores. Segundo Alcolumbre, se o número de senadores de direita crescer bastante nas eleições de 2026, poderá ser inevitável dar andamento a um processo contra um ministro do STF, caso o clima em Brasília continue convulsionado.

Arthur Lira, por sua vez, deixou claro a ministros do STF que não pretende encampar projetos que possam causar terremotos na magistratura, mas – igualmente fiel ao seu estilo – deixou claro que não atuaria sozinho como uma espécie de “BGR”, ou bombeiro-geral da República.

Gestão inesperada em favor da trégua veio de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo ligado a Jair Bolsonaro. Em conversas com o ministro Alexandre de Moraes, Tarcísio afirmou que a “direita radical” estaria mais afeita aos jogos políticos em Brasília. Isso incluiria o ex-presidente Jair Bolsonaro.

De modo mais pragmático, ele fez um aceno a Alexandre de Moraes: em 14 de abril, nomeou o procurador Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, de 63 anos, para comandar o Ministério Público do estado. Oliveira e Costa foi o terceiro colocado na eleição interna para procurador-geral, mas era o preferido de Moraes, que tem raízes no MP paulista. A contrapartida seria olhar com carinho o caso de Jorge Seif no TSE  – se possível, como um primeiro passo no sentido de encerrar a temporada de caça contra bolsonaristas. Com a intermediação de Freitas, Moraes e Seif acabaram se encontrando para um cafezinho.

Seif é acusado de ter se beneficiado, nas eleições de 2022, da cessão de um helicóptero pelo empresário Osni Cipriani, da construção civil, e pelo uso da estrutura da Havan, de Luciano Hang – aviões, sala de gravação de lives e canais oficiais de comunicação da empresa.

O caso do catarinense tem semelhança com uma ação julgada em maio de 2023 pelo próprio TSE. Naquela ocasião, a Corte cassou e tornou inelegíveis por oito anos o prefeito e o vice-prefeito de Brusque (SC), José Ari Vequi e Gilmar Doerner. A Corte decidiu que eles foram beneficiados com a divulgação em massa de vídeos produzidos, mais uma vez, pelo empresário Luciano Hang, sem que os custos fossem declarados à Justiça Eleitoral.

As mídias foram gravadas no interior dos estabelecimentos de Hang, contando com entrevistas de funcionários e fornecedores e exibindo a logomarca da Havan. Por causa disso, o próprio empresário foi condenado a oito anos de inelegibilidade.

Assim como Moro foi inocentado no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), em abril deste ano, Seif foi inocentado por unanimidade pelo TRE de Santa Catarina (TRE-SC). Ao livrá-lo de responsabilidade, os desembargadores  entenderam que o uso da estrutura da Havan ficou provado, mas não teria sido suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral. No TSE, contudo, há diversos acórdãos dizendo que não é preciso demonstrar que houve impacto significativo no resultado das eleições em casos de abuso do poder econômico. O próprio julgamento que tornou Jair Bolsonaro inelegível é um exemplo disso. Portanto, caso livrem Seif, os ministros da Corte eleitoral deverão insistir na ausência de provas nos autos.

Além, é claro, de se mostrarem muito sensíveis à conjuntura, nos bastidores.

No período que antecedeu seu julgamento nesta semana, Sergio Moro agiu com tato. Encontrou-se com o ministro Gilmar Mendes e ouviu em silêncio duras críticas ao seu trabalho na Lava Jato. Nenhuma declaração sua que pudesse ser interpretada como questionamento do trabalho das cortes superiores ou pressão sobre o TSE vazou na imprensa.

Na sessão que decidiu o seu destino político também houve alfinetadas  direcionadas aos seus supostos erros na Lava Jato. Mais uma vez, na entrevista que concedeu no dia seguinte, o senador se absteve de passar recibo e foi só elogios à Corte. Disse ainda que o Brasil precisa deixar para trás o revanchismo.

Seif vem tomando cuidados semelhantes, desde que conversou com Moraes. Antes, ele era um senador que proclamava aos quatro ventos que os ministros do STF têm de ser defenestrados; hoje, ele mantém a sua militância, mas de forma mais circunspecta, sem ataques direcionados a um ministro ou outro em particular.

Esse, aliás, é um ponto importante. Em resposta aos muitos alertas de que o Judiciário avança o sinal em relação às competências do Congresso, ministros do STF têm respondido que os ataques personalizados vindos de parlamentares deixaram de ser toleráveis. Críticas ao Poder Judiciário, tudo ok. Dizer que o STF ou TSE erram faz parte da democracia. Os problemas começam quando  um ministro em particular, seja ele quem for, é tratado como o responsável por todas as mazelas.

Na noite de quarta-feira, como mostrou O Antagonista, Jorge Seif prestigiou um jantar em homenagem à ex-ministra TSE Maria Claudia Bucchianeri, que depois de deixar a Corte tornou-se sua advogada. O convescote ocorreu no restaurante Lakes, no Lago Norte – região nobre de Brasília – e reuniu figurões do próprio tribunal eleitoral e do STF, como o ministro Dias Toffoli.

Esse é o tipo de acontecimento que, em outras paragens, seria visto como impróprio. Um senador prestes a ser julgado, e talvez perder seu mandato, não deveria ser visto em ambiente festivo, fazendo lobby em seu próprio favor. Segundo os estranhos hábitos de Brasília, contudo, a aproximação, se não surtiu grande efeito, tampouco deve ter prejudicado a causa de Seif.

Eis, portanto, a situação. Recados foram transmitidos, favores foram feitos. A visão da sociedade sobre o STF e o TSE não é nada boa. Um senador outrora raivoso como Jorge Seif, agora procura mostrar que sabe usar talheres, como um bom menino. Não seria o momento adequado para a cúpula do Poder Judiciário também dar um passo atrás? Xandão e companhia entenderam, até segunda ordem.

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  1. O STF, que os ministros são tão rápidos a argumentar que deve ser sempre protegido, deveria ser blindado da ação política. A melhor maneira de o conseguir é com o alheamento dos ministros ao jogo político, como acontece em qualquer república séria. Nesse circo não só eles fazem política, sem nunca terem sido eleitos, como influenciam decisivamente quem foi eleito.

  2. Tantos panos quentes, tanta leniência com os ministros do STF, como se sua atuação fosse quotidiana e comezinha... Crusoé (o jornalista) falha, em minha opinião, ao não confrontar os atos específicos do que "não tem culpa sozinho" com o que fez...

  3. Apenas o sistema se adequando à tendência de enfraquecimento da esquerda em 2026, já evidenciada pela queda de popularidade do molusco desde o início de seu desgoverno.

  4. O aparelhamento do STF é evidente ao se analisar as decisões sobre a Lava Jato, que blindam corruptos e usam elementos diversos como reforço argumentativo para suas narrativas fantasiosas a favor dos corruptos confessos. Vergonha de corte politica

  5. Por mais que Moro tenha cometido erros, e cometeu erros grosseiros, pricipalmente a adesão ao governo Bolsonaro e a traição contra Álvaro Dias. Por mais que tenha escapado por ter jogado o jogo. AInda me parece uma pessoa com potencial para voltar a crescer ajudar a tirar o pais da lama.

  6. Parabéns por mais uma excelente matéria! Uma observação: entre os "favores" do Pacheco oferecidos ao Judiciário faltou citarem a PEC do Quinquênio!

    1. A Vergonhosa PEC do Quinquenio

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