Benjamin Abrahão BottoLampião, em foto de data desconhecida: se o Estado serve à vingança pessoal, a violência não para nunca de se propagar

O cangaço e o perigo da parcialidade da Justiça

Há quem veja o cangaço e o bando de Lampião como simples banditismo. Na realidade estava mais para uma guerra de guerrilha
12.04.24

Há quem veja o cangaço e o bando de Lampião como simples banditismo, como uma gangue que roubava. Na realidade, pela proporção, o cangaço está mais para uma guerra de guerrilha.

O bando de Lampião chegava a dispor de mais de setenta homens, e o outro lado, as forças volantes, dispunha de centenas de homens. As mortes chegaram à casa dos milhares. É a proporção de uma guerra, a luta pelo domínio de áreas inteiras do território.

Não é à toa que Lampião foi chamado de Rei do Cangaço: no sertão ele manteve a si mesmo e seu bando por quase vinte anos, sendo morto em 1938.

O cangaço é resultado direto do coronelismo, em que os coronéis eram a lei no sertão, onde o Estado não chegava. Eles mandavam e desmandavam. “Eram senhores da vida e da morte das pessoas”, como diz Antonio Risério. Ele lembra que os coronéis ameaçaram invadir Salvador, e o governo federal interviu cedendo aos coronéis o que eles queriam (por exemplo, manter suas armas e milícias), tal era o poder que detinham. Para completar, existe um fator climático: a seca de 1915, que levou a uma piora significativa na condição de vida do sertanejo e exacerbou os conflitos sociais.

Foi nesse contexto que Lampião entrou para o cangaço: durante a seca de 1915, sua família foi acusada injustamente pelo coronel Zé Saturnino de roubo. Eles fugiram do local para evitar conflitos mas aonde iam a perseguição continuava. Não conseguiram mais integrar-se à sociedade. O pai e irmãos foram mortos, a mãe morreu de desgosto. Nesse contexto, Lampião tornou-se cangaceiro. E o mais brilhante de todos os cangaceiros – não é à toa que o nome a ele dado foi Lampião: pois os disparos da sua arma iluminavam o ambiente. O padre Frederico Bezerra Maciel, que escreveu uma biografia em sete volumes sobre o Rei do Cangaço, o descreveu da seguinte forma: “O ‘bandido’ em Virgulino era apenas um ‘acidente’. Sua indiscutível genialidade superaria tudo o mais!”.

Genialidade que se manifestou na escrita de poesia complexa, na criação das vestimentas (cujo refinamento se comparam aos dos samurais segundo Frederico Pernambucano de Mello) dele e do seu bando, na escrita de música (ele compôs a música “Mulher Rendeira”, tocada até hoje). Além disso, sua história inspirou a produção de cultura como poucos, inclusive durante a sua vida – quando foi visitar o padre Cícero em Juazeiro foi ovacionado pela população nas ruas.

O padre Cícero, assim como o padre alemão José Kehrle, tentaram convencer Lampião a deixar o cangaço e reintegrar-se na sociedade. Mas isso não era possível. E o motivo é o seguinte: a Justiça naquele contexto se confundia com vingança pessoal. Lampião sabia que se os macacos o pegassem (era assim que chamava os oficias das forças volantes) ele seria morto, decapitado, e teria seu corpo deixado para os urubus comerem – que foi o que terminou acontecendo, com o adicional de ter sua cabeça e do seu bando expostas por um bom tempo no Instituto Nina Rodrigues, em Salvador.

As forças volantes roubavam e matavam tanto quanto os cangaceiros – mas serviam ao Estado. Ora, se o Estado serve à vingança pessoal, a violência não para nunca de se propagar. Todo o aparato da Justiça existe para tornar o julgamento impessoal e interromper a propagação da violência.

No Brasil de hoje, vemos uma politização sem precedentes do Judiciário, especialmente a Suprema Corte, que, pelas declarações dos próprios ministros (Barroso, por exemplo, declarou “derrotamos o bolsonarismo” a uma plateia), tem promovido uma série de ações contra o que chamam de extrema-direita (que na verdade é a nova direita), o que inclui prisões ilegais (Filipe Martins, por exemplo, foi acusado de ter saído do país, o que foi demonstrado que não aconteceu, mas ele permanece preso), inquéritos secretos em que quem juga é ao mesmo tempo o acusador.

A recente inclusão de Elon Musk – que criticou a censura do STF nas redes sociais – no Inquérito de Fake News ilustra bem como o Judiciário brasileiro age em função de uma agenda política bem clara. Quando a Justiça perde a impessoalidade e serve a vinganças pessoais o que pode acontecer é ela simplesmente perder a legitimidade – e aí é cada grupo por si, como no cangaço.

 

Josias Teófilo é jornalista, escritor e cineasta.

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  1. O ÚNICO PODER CAPAZ DE DETER A DITADURA DA TOGA É O LEGISLATIVO PORÉM O MESMO É REFÉM (PELOS CRIMES COMETIDOS) DO STF.

  2. O artigo pode ter pontos discutíveis, mas mostra que quando o judiciário não cumpre seu papel o caos se instala. O STF não cumpre corretamente seu papel de dar a última palavra, exemplos são muitos.

  3. Texto enviesado, com pitacos contrários à história factual e com uma analogia forçada entre lampião e um tema atual. Muito pobre

    1. Tive a mesma sensação, Bruno. Eu até tinha engolido o "interviu" porque algumas revelações sobre Lampião estavam me interessando. Mas o final é desastroso. Como você diz, uma analogia forçada. Bota forçada nisso.

  4. Lampião e seu bando, assim como os cangaceiros em geral, praticavam sequestro, roubo, tortura, extorsão, mutilação, assassinato e estrupo (até com meninas de 12 anos). Atacava tanto homens como mulheres, ricos ou pobres. Semelhante em selvageria a Pablo Escobar que até hoje tem a admiração de muitos colombianos.

  5. A discussão sobre Lampião ser bandido ou herói é datada. O que o autor do texto traz à discussão são os métodos também absurdos de combate ao Cangaço .

    1. Se fosse hoje, no governo Lula ele seria o chefe MST

    2. Infelizmente a discussão não está datada. Lembrar que a esquerda sempre tem dificuldade em combater o crime por dividir a sociedade em opressores e oprimidos.

  6. Lamentável um artigo que aborda um tema tão sensível usar a mesma "parcialmente" e divulgar inverdades sobre o cangaço brasileiro. Lampião não entrou para o cangaço por vindita. Ele desde adolescente já era arruaceiro na localidade onde vivia e sempre acompanhava o Sr. Pereira quando este passava por Arcoverde comandando seu bando, logo se destacando por sua liderança e assumindo o controle daquele grupo. O pai de lampião morreu muitos anos depois já velho, assinado por engano pela volante no Estado de Sergipe após uma denúncia de que era lampião que encontrava- se no local. Vale ressaltar que a família de lampião estava tentando se distanciar do filho fora da lei. Os articulistas do Antagonista deveriam primar mais em pesquisas históricas imparciais para não desinformar seu público leitor e subliminarmente glamorizar pessoas e fatos.

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