Arsenal via InstagramGabriel Magalhães, à direita: É preciso preservar a inocência o quanto for possível, e não se aproveitar dela, nem que seja como consequência de uma distração

Pelos olhos de Gabriel Magalhães

O árbitro acertou ao não marcar o pênalti ridículo do zagueiro brasileiro do Arsenal na Champions League. É preciso respeitar o espírito do jogo
12.04.24

A partida contava 21 minutos do segundo tempo. O Bayern de Munique ganhava por 2×1 do Arsenal, fora de casa, em Londres, pelas quartas de final da Champions League, quando o goleiro Raya, do time inglês, bateu um tiro de meta para Gabriel Magalhães após ouvir o apito do árbitro, que autorizou a cobrança. O zagueiro brasileiro recebeu a bola com as mãos dentro da área, a posicionou na pequena área de novo e bateu um novo tiro de meta, de volta para o arqueiro espanhol.

 

Os jogadores do time alemão reclamaram a marcação de um pênalti no momento em que a jogada ocorreu e depois do fim da partida, que terminou empatada em 2×2. “O árbitro cometeu um grande erro. Houve um pênalti por bola na mão. Foi uma situação maluca: eles colocaram a bola no chão, o árbitro apita e o zagueiro pega a bola na mão”, protestou o treinador Thomas Tuchel. Segundo ele, o árbitro Glenn Nyberg classificou o erro de Gabriel como “infantil”, o que não justificaria a marcação da penalidade.

“O que nos deixou realmente irritados foi a explicação em campo. Ele nos disse que foi um ‘erro infantil’ e que não daria um pênalti desses nas quartas de final da Champions League. É uma explicação horrível. Erro infantil, erro de adulto, tanto faz. Ficamos com raiva, porque foi uma grande decisão contra o nosso time”, completou Tuchel.

O meia Thomas Muller se uniu ao coro: “O árbitro viu claramente. O erro foi simplesmente muito estúpido e insignificante para ele marcar um pênalti. Mas ele não tem que decidir isso. O árbitro está lá para aplicar as regras. Mesmo que você possa não estar satisfeito com a regra”. E qual é a regra?

O livro Regras do Jogo, da International Football Association Board (Ifab), prevê que “um tiro livre direto será concedido se um jogador cometer”, entre outras, uma infração por toque de mão na bola. A Ifab tratou com mais detalhes recentemente sobre casos específicos de infração por mão na bola — algumas regras só aumentaram a confusão  —, mas não há previsão sobre o pênalti ridículo cometido pelo zagueiro brasileiro no Emirates Stadium. Talvez se houvesse um capítulo para o bizarro, o ridículo ou o insólito, mas não há.

O que há no livro de regras, na sessão “A filosofia e o espírito das Regras”, é isto: “As Regras não podem abranger todas as situações possíveis. Assim, quando não houver nelas uma disposição específica, a Ifab espera que o árbitro tome uma decisão em conformidade com o ‘espírito’ do jogo e das Regras. Isso costuma implicar a pergunta: ‘O que o futebol deseja ou espera’?”.

Quem já jogou uma pelada sabe que ninguém bem-intencionado pediria a marcação de um pênalti dessese quando o mal-intencionado pedisse, seria repreendido. O espírito do futebol previsto na regra não pode permitir que um time se aproveite da desatenção do adversário, principalmente em um lance inócuo e bobo como esse. No futebol profissional há outros valores, que se medem em dólares, e as reclamações dos jogadores e do treinador do Bayern são reflexo deles.

“A criança estava protegida, mas o novo arranjo era inevitavelmente confuso para uma jovem inteligência intensamente consciente de que tinha acontecido algo que devia ter muita importância e que olhava ansiosamente para os efeitos de uma causa tão grande”, diz o narrador de Henry James ao abrir Pelos Olhos de Maisie.

O livro trata da perspectiva de uma menina sobre a separação dos pais, um ambiente poluído por ressentimentos no qual ela vai aprendendo a moldar “uma inocência tão saturada de conhecimento e tão direcionada para a diplomacia”.

“O destino desta menina paciente seria ver muito mais do que ela inicialmente compreendeu, mas também, mesmo no início, compreender muito mais do que qualquer menina, por mais paciente que fosse, talvez já tivesse compreendido antes”, diz o narrador.

É preciso preservar a inocência o quanto for possível, e não se aproveitar dela, nem que seja como consequência de uma distração — sob a pena, no caso em questão, de perverter o espírito do próprio futebol.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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