Agência SenadoO senador Marcos do Val, relator da LDO: dinheiro é nosso é ninguém tasca

Rumo às “emendas do achacador”

Se as emendas do relator se tornarem obrigatórias, como deseja o Congresso, logo surgirá um outro mecanismo para azeitar as relações entre os parlamentares e o governo
28.06.22 18:29

Nesta semana, o Congresso deu mais um passo em sua marcha triunfal rumo ao controle do orçamento. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), incluiu no seu relatório um dispositivo que torna obrigatória a execução das emendas do relator. O governo já não poderá mais, como aconteceu neste ano, contingenciar a sua execução, caso haja dificuldades com as contas públicas, ou outras prioridades que não a de satisfazer a gula dos parlamentares.

Há várias razões para negar essa prerrogativa ao Congresso.

A primeira é que isso engessa ainda mais um orçamento que já deixa margem ínfima para o Executivo fazer investimentos e implemente políticas públicas de alcance nacional.

E em nome do que será feito esse engessamento? Em nome do atendimento de necessidades pontuais dos municípios que compõem a base dos parlamentares mais chegados às chefias de suas respectivas casas. Nada contra entregar ambulâncias e tratores para as cidades que precisam, mas não é assim que o Brasil vai lidar com sua miséria estrutural. O país é grande demais e tem desafios demais para ser gerido com essa mentalidade provinciana. Eis a segunda razão.

A terceira é que os maganos do Parlamento terão uma vantagem cada vez maior contra seus adversários nas eleições. Enquanto o político novato contará única e exclusivamente com suas ideias e sua garganta para concorrer, o deputado e o senador de mil mandatos trarão consigo a lista de cacarecos que obtiveram para suas bases e manipularão o medo de que os recursos deixem de fluir.

Para concluir (pode me chamar de cínico se quiser; eu direi que é apenas realismo), há o fato de que a dinâmica entre Congresso e governo não vai mudar, ou seja, os parlamentares vão continuar exigindo algo para aprovar grandes projetos. O governo Bolsonaro demonstrou isso de forma cabal: o tolo chegou a Brasília de peito estufado, dizendo que acabaria com o “toma lá dá cá”, e no fim capitulou de maneira miserável —cedeu ao Congresso muito mais do que outras gestões jamais fizeram.

Lembremos um pouco de história. Em 2015, o Congresso Nacional tornou impositivo o pagamento das emendas individuais —o dinheiro do orçamento que os parlamentares podiam direcionar às suas bases eleitorais. A justificativa, na época, foi sanear o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo: com as emendas tornadas obrigatórias, deputados e senadores não ficariam mais sujeitos à pressão do Planalto, que segurava os recursos para conseguir apoio em votações importantes.

Bastaram quatro anos para que a dinâmica de compra e venda de apoio se visse docemente restaurada, agora por meio das emendas de relator. Mas, nesse meio tempo, os congressistas haviam se tornado muito mais audaciosos. A negociação com o Executivo agora se dava em torno do volume de recursos destinados às emendas —se eles seriam imensos ou exorbitantes. Já a partilha do dinheiro passou a ser assunto interna corporis. A decisão sobre quem receberia o quê se transferiu da Presidência da República para as presidências da Câmara e do Senado, que assim passaram a ser donas do poder de formar maiorias. A distribuição das verbas era feita sem nenhuma transparência, e só depois de muita pressão as excelências, ofendidíssimas, decidiram tornar pública essa informação.

Se as emendas individuais já são obrigatórias e as do relator seguem pelo mesmo caminho, uma nova forma de “convencimento” terá de ser criada, na relação entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Não vão bastar alguns carguinhos. Com sorte, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, Marcos do Val e companhia deixarão a hipocrisia de lado e criarão de uma vez as “emendas do achacador”.

Essa ampliação do controle do Congresso sobre a execução orçamentária precisa ser detida. Não em nome do próximo governo, seja ele qual for, mas do equilíbrio de nosso sistema político. Lembremos o óbvio, embutido na linguagem: cabe ao Executivo executar —e não ao Legislativo.

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