XinhuaEmbarque de equipamentos na China: até 40 voos para o Brasil

Cada um por si

O temor do agravamento da pandemia leva a uma concorrência global predatória por respiradores, máscaras e outros produtos de primeira necessidade no combate ao vírus
10.04.20

No final de abril, chegará ao Brasil o primeiro voo da megaoperação coordenada pelo Ministério da Infraestrutura para trazer equipamentos médicos do aeroporto de Guangzhou, na China. O pedido total inclui 240 milhões de máscaras — mais de uma por brasileiro — e será enviado em até 40 voos ao longo de várias semanas. O trajeto dos aviões está sendo definido cuidadosamente pelo Itamaraty porque é preciso evitar aeroportos dos Estados Unidos e da Europa, onde os materiais correm o risco de serem confiscados. Assim, as aeronaves devem reabastecer nos Emirados Árabes, em Israel ou na Nova Zelândia.

Com a explosão da demanda por máscaras, luvas, reagentes e respiradores artificiais por causa da pandemia do coronavírus, as cargas de insumos usados no combate à doença passaram a ser frequentemente surrupiadas e desviadas para outros destinos. É a pirataria moderna que deixa sempre um comprador em um canto do mundo a ver navios – ou a esperar aviões. “Mesmo pagando adiantado, ninguém hoje tem segurança de que vai receber o produto combinado”, diz a advogada Mérces Nunes, especialista em direito médico.

A polícia de Berlim, na Alemanha, adquiriu 200 mil máscaras de uma empresa chinesa e pagou tudo antecipadamente. Ao fazer escala em um aeroporto de Bangcoc, na Tailândia, a carga foi desviada para os Estados Unidos. Os governos da Bahia e do Ceará adquiriram 600 respiradores de uma companhia chinesa. No aeroporto de Miami, eles foram retidos e tiveram outro destino. Governadores franceses reclamaram que americanos estavam tentando comprar suas cargas em aeroportos da China. As negociações, segundo eles, ocorriam nas pistas de decolagem, em cenas dignas de filmes. Uma remessa de máscaras que seguia para a Espanha foi apreendida na Turquia. O governo do país entendeu que era melhor usá-las para distribuí-las a seus infectados. Uma empresa francesa, a Valmy SAS, mandou equipamentos de proteção para o Reino Unido, mas o material foi bloqueado em uma alfândega na costa francesa.

XinhuaXinhuaLinha de produção de máscaras: fabricantes quebram contratos
Nessa caça ao tesouro planetária, o governo dos Estados Unidos foi atacado como o mais vil dos corsários. Mas uma ação tão ampla vai além da capacidade de Donald Trump. O que mais tem provocado frustração entre os compradores são decisões empresariais privadas. Ao receber propostas de compra por valores muito superiores, os fabricantes refazem os cálculos. “Muitos produtores podem achar financeiramente interessante quebrar um contrato para aceitar outro, mesmo que isso gere custos judiciais depois”, diz o advogado Mauro Berenholc, especialista em comércio internacional e direito aduaneiro. Os países ricos podem pagar valores mais altos e, com isso, conseguem mais facilmente o que querem. Governos de nações pobres, por sua vez, têm recorrido a organizações multilaterais, como a ONU.

Governos nacionais têm maior liberdade de ação quando as cargas atravessam seus territórios. Trump começou neste mês a fazer uso do Ato de Produção de Defesa (DPA, na sigla em inglês), uma medida que já tinha sido pedida pelos opositores democratas. Com ele, oficiais americanos podem confiscar qualquer material dentro de suas fronteiras. Além disso, o DPA permite obrigar empresas nacionais a adaptar linhas de montagem e cancelar a exportação de bens. A fabricante americana 3M recebeu uma ordem para que respiradores não fossem exportados para o Canadá e para a América Latina. Dias depois, a empresa fez um acordo com o governo para elevar a produção e, assim, seguir exportando.

Além dos Estados Unidos, vários países baixaram normas para tentar atender a própria população. Alemanha e França proibiram a exportação de máscaras. No Brasil, uma lei permite que o governo requisite bens e serviços de pessoas físicas e jurídicas. O texto só diz que o confiscado deve receber uma indenização justa depois. É praticamente uma desapropriação. Desde março, fabricantes nacionais de equipamentos usados na guerra contra o coronavírus são obrigados a solicitar uma licença especial para exportar.

A fabricação nacional, contudo, é limitada. A maior parte dos equipamentos de proteção individual é produzida no exterior. Estados Unidos, Alemanha e China eram os maiores exportadores até o início da pandemia. Desses três, os fabricantes chineses são os que melhor conseguiram escalar a produção para exportar. Como é impossível conseguir que os contratos de importação fiquem em sigilo, uma vez que há fiscalização rigorosa em portos e aeroportos, a opção tem sido buscar os materiais diretamente na fonte, tomando todos os cuidados necessários na volta.

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