No rastro de Vermelho
Na terça-feira, 30, os quatro presos na Operação Spoofing, investigados por terem invadido e roubado informações dos celulares de centenas de autoridades brasileiras, entre elas ministros do Supremo Tribunal Federal, e procuradores e juízes da Lava Jato, sentaram-se pela primeira vez à frente do juiz Vallisney de Souza Oliveira, que expediu as ordens que os levaram para a prisão. Apontado como líder do grupo, Walter Delgatti Neto, o Vermelho, foi o último dos quatro a falar. De terno, sem gravata, ele confirmou ter confessado à polícia que foi o responsável pelas invasões e deu mostras de sua hiperatividade no pouco tempo em que ficou por ali. Ao juiz, confirmou ter sido preso outras vezes por porte de estelionatos, falsificações e outros pequenos golpes em busca de dinheiro fácil. Enquanto Vermelho, Danilo Marques, Gustavo Santos e sua esposa Suelen Oliveira falavam à Justiça, a cerca de 13 quilômetros de distância, na Superintendência da Polícia Federal, os investigadores continuavam com as diligências para descobrir o que há por trás do ataque hacker conduzido pelo grupo de amigos de Araraquara, cidade do interior de São Paulo. Após descobrir a identidade dos invasores, o objetivo dos delegados, peritos e agentes federais encarregados do caso é seguir o caminho do dinheiro movimentado pelos presos. Querem saber se a ação foi patrocinada por alguém e se as informações roubadas foram passadas à frente mediante algum tipo de pagamento.
A audiência foi um dos últimos atos de Vallisney no caso. Desde esta quinta-feira, 1º, ele não é mais o responsável por decidir sobre os pedidos apresentados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público na investigação sobre os hackers. De volta das férias, Ricardo Leite, o juiz substituto da vara, assumiu a responsabilidade pela investigação, uma mais complexas conduzidas pela PF nos últimos anos. O primeiro motivo da complexidade, já superado, tem a ver com os obstáculos para chegar aos hackers – apurações dessa espécie são consideradas sempre difíceis. O que no início era visto como algo quase impossível, porém, foi alcançado graças a uma falha primária de Vermelho. Ao invadir os celulares, ele não usou nenhuma tecnologia para esconder o IP, identidade dos computadores na rede, das máquinas com as quais fazia as ligações para os celulares das autoridades, um dos passos preparatórios para a invasão. A partir dessa brecha, os policiais mapearam a rota percorrida e bateram à porta do apartamento onde ele estava escondido, em Ribeirão Preto, para prendê-lo.
A Polícia Federal vem tentando identificar uma lógica na ação do hacker – inclusive na escolha dos alvos. Além dos nomes já sabidos, incluindo o presidente da República e ministros, parlamentares e magistrados de várias instâncias, há outros, que vieram à luz nos últimos dias por meio do site ACidadeOn, do mesmo grupo da afiliada da Globo em Araraquara. Nessa lista estão, por exemplo, o empresário Abílio Diniz e até o jogador Neymar Júnior. Para entender o foco de interesse de Vermelho e o que ele fez com o que conseguia capturar nas tentativas de invasão, os investigadores estão debruçados sobre o conteúdo encontrado nesse computador, em um HD externo e na nuvem de arquivos onde eram armazenados o resultado do “garimpo” no Telegram. Se de um lado os peritos especializados em crimes cibernéticos trabalham na análise de gigabytes de dados armazenados nos aparelhos eletrônicos apreendidos com os presos, de outro os delegados seguem o caminho do dinheiro. Além de mapear as contas dos envolvidos, eles miram as transações com criptomoedas realizadas pelo grupo. Logo no início da investigação, foram solicitadas informações às corretoras Foxbit, Braziliex e Marcado Bitcoin. Os investigadores acreditam que, enquanto Vermelho se concentrava nas invasões em si, seus amigos tocavam a parte financeira. Em seu depoimento, um dos presos, Gustavo Elias Santos, confirmou que parte dos cerca de 100 mil reais encontrados em sua residência têm relação com transações de bitcoin. Ao pedir a conversão da prisão temporária dos quatro investigados em prisão preventiva, quando não há prazo para soltura, o delegado Luiz Flávio Zampronha, o mesmo do mensalão, foi claro ao afirmar que que Vermelho parece fazer parte de algo grande. À diferença daquilo que o hacker declarou ao prestar depoimento, diz a PF, existe a “forte suspeita” de que ele “não atuou sozinho” e estaria “ocultando a participação de outras pessoas”. A aposta dos investigadores é que, por trás da ação do grupo, há um esquema maior – e dele fariam parte pessoas envolvidas na operação destinada a comprar as mensagens obtidas por Vermelho. A ex-deputada Manuela D’Ávila é tida como personagem importante pela PF.
O rol de incógnitas em torno do caso vai ainda mais além. Nos últimos dias, surgiram alguns advogados interessados em patrocinar a defesa dos presos. Vermelho, o mais destacado dos quatro presos, tem sido defendido por dois jovens advogados da periferia de Brasília. Familiares e amigos dele em Araraquara não sabem dizer ao certo de onde surgiu a dupla de defensores e quem os contratou. Um terceiro advogado vindo de Araras, a 120 quilômetros da cidade natal do hacker, apareceu em Brasília dizendo ter autorização para defendê-lo. Teria sido enviado por “amigos” de Vermelho. Não deu certo. Ele até chegou a apresentar uma procuração assinada, mas logo depois acabou tirado do caso, por decisão do próprio hacker. Um detalhe tem chamado a atenção de quem acompanha o vaivém dos defensores. A dupla de advogados de Brasília encarregada da defesa do principal investigado, dona de um escritório modesto localizado na periferia da capital, conta até com assessoria de imprensa para intermediar a relação com os jornalistas. Crusoé apurou que pessoas próximas de Vermelho têm defendido que ele conte tudo o que sabe, e que, se for preciso, faça até mesmo um acordo de delação que possa livrá-lo o quanto antes da prisão. Essas mesmas pessoas acreditam que o hacker está protegendo outros envolvidos na ação.
O grupo de Araraquara segue sem dar explicações convincentes sobre suas movimentações financeiras. Estelionatários conhecidos na região, eles ainda não falaram de onde vem o dinheiro que dizem ter investido. No caso de Gustavo Santos, ele afirmou que seus investimentos em criptomoedas são fruto do dinheiro que ganhou como DJ e com jogos online. Santos se nega a entregar as senhas de seu celular, assim como os registros de suas operações com bitcoin. O advogado dele, Ariovaldo Moreira, diz que há “coisas particulares” no aparelho e que é um direito não fornecer a senha do celular ou das contas de criptomoedas. Vermelho, por sua vez, disse apenas que é um “investidor”. Ele negou possuir bitcoins, mas há indícios de que teria feito operações recentes de câmbio – uma delas, ainda em fase de checagem pelos investigadores, teria ocorrido em Brasília. A falta de clareza nas explicações tem ampliado as desconfianças dos investigadores. A PF ainda vê com ressalvas até mesmo as confissões de Delgatti Neto. Apesar da certeza de terem chegado nas pessoas envolvidas no ataque hacker graças a uma minuciosa perícia, os policiais querem compreender o período entre o primeiro ataque e os primeiros vazamentos de mensagens. Eles acreditam que, nesse meio tempo, Delgatti pode ter vendido as mensagens e até mesmo ter recebido ordens sobre quem deveria ser incluído entre os alvos. A investigação está longe do fim.
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