Flickr/Timothy NeesamColunas da Suprema Corte dos EUA: Primeira Emenda da Constituição em jogo

O cavalo de Troia da liberdade de expressão

Suprema Corte dos EUA iniciou o julgamento de duas leis estaduais que tentam controlar a moderação das redes sociais em nome da liberdade de expressão
01.03.24

O plenário da Suprema Corte dos Estados Unidos abriu, nesta semana, um julgamento sobre liberdade de expressão que pode desencadear uma série de restrições às redes sociais em pleno ano eleitoral no país. O juízo unifica duas ações distintas movidas pelas Big Techs americanas contra uma lei da Flórida e outra do Texas que responsabilizam judicialmente as plataformas por suas ferramentas de moderação. As duas leis entendem que é preciso controlar os recursos de moderação de conteúdo das empresas de tecnologia, para não afetar a liberdade de expressão. A decisão final poderá alterar o poder que os governos têm em intervir no dia a dia das plataformas digitais.

A primeira lei, da Flórida, proíbe a suspensão ou banimento de contas de candidatos políticos no estado. A segunda, do Texas, veta qualquer moderação que impeça “igualdade de acesso ou visibilidade, ou, de outra forma, discrimine a expressão”. Pelo momento, as duas leis estão suspensas por liminar. De sua parte, tanto o governador da Flórida quanto o do Texas, ambos republicanos, alegam que as ferramentas de moderação das redes sociais infringem a liberdade de expressão por supostamente discriminarem conservadores.

Toda a discussão legal deste caso na Suprema Corte se resumirá ao direito à liberdade de expressão, garantido pela Primeira Emenda da Constituição americana.

A questão se resume a saber se as mídias sociais são mais parecidas com uma companhia telefônica ou uma empresa jornalística”, diz Kevin Saunders, professor emérito de direito constitucional da Universidade do Estado do Michigan. A primeira é obrigada a liberar a transmissão de qualquer tipo de conteúdo, enquanto a segunda tem liberdade editorial para curar o material que é publicado. Há precedente que favorece as Big Techs neste caso. Na década de 1990, a Corte ampliou a garantia de liberdade de curadoria dos jornais a outros tipos de entidades privadas. Por ironia do destino, o julgamento na época foi a favor da organização de um desfile de St. Patrick’s Day que barrou a participação de um grupo LGBT.

Se a Suprema Corte decidir a favor dos governos da Flórida e do Texas, as plataformas deverão alterar as suas políticas de moderação. A princípio, a decisão impactaria o uso das redes sociais apenas nesses dois estados, mas ela também legitimaria iniciativas semelhantes pelo restante dos Estados Unidos. Propostas que limitam mecanismos de moderação tramitam em legislaturas de outros 20 estados, em sua maioria governados por republicanos.

Restringidas, as plataformas podem atender ao que visam esses governantes e liberar conteúdos antes classificados por elas como desinformação ou discurso de ódio. Entretanto, não se deve descartar a possibilidade de elas explorarem brechas na legislação para se protegerem de litígios. Quando o Canadá aprovou uma lei que obriga as plataformas a pagarem por conteúdo jornalístico nas redes, a Meta bloqueou o acesso ao feed de notícias no Facebook e no Instagram para os usuários canadenses. Assim, se entrar em vigor a lei do Texas, as plataformas poderiam optar por derrubar qualquer publicação de cunho político em nome da “igualdade de acesso ou visibilidade”, como consta na lei texana. No final, quem paga a conta é sempre o usuário.

Uma decisão da Corte americana a favor dos governos da Flórida e do Texas já poderia afetar as eleições gerais deste ano, marcadas para 5 de novembro. Não é por acaso que ambos os favoritos para disputar a Casa Branca, o presidente Joe Biden e o ex-mandatário Donald Trump, se envolveram nesse caso. Os dois enviaram arguições à Suprema Corte, mesmo que nenhum deles seja parte no processo. Biden defendeu que as redes sociais tenham direito à curadoria, como jornais, enquanto Trump ficou do lado da Flórida e do Texas e associou as plataformas às companhias telefônicas.

Para além dos efeitos práticos, a decisão da Suprema Corte também tem um aspecto simbólico sobre a liberdade de expressão nos Estados Unidos. Se decidirem a favor dos dois governos estaduais, os ministros romperão com o entendimento de que a Primeira Emenda é uma proteção ao indivíduo contra a censura do governo. Trata-se, assim, de um “direito negativo“, assegurado quando o governo não interfere numa liberdade. ]

Um dos principais objetivos da Primeira Emenda é minimizar a interferência ou o controle do governo no processo de comunicação. Ela impõe limites ao governo, mas não a plataformas operadas pela iniciativa privada”, diz Joseph Russomanno, professor de comunicação da Universidade do Estado do Arizona. “É possível argumentar os governos da Flórida e do Texas estão se imiscuindo nessa atividade por meio das leis que promulgaram, ferindo a Primeira Emenda.

Segundo esse entendimento, as leis permitiram ao governo interferir nos meios de comunicação. Apesar de instituídas por governadores republicanos, elas não se distinguiriam de iniciativas mais associadas à esquerda, como regulamentações genéricas para o suposto combate à desinformação e ao discurso de ódio.

A composição da Suprema Corte dificulta qualquer previsão sobre o resultado do julgamento, esperado para até o final de junho. O tribunal conta com uma maioria de ministros apontados por ex-presidentes republicanos, o que favoreceria a causa da Flórida e do Texas. Dos nove ministros, seis são “conservadores”. Dentre eles, três foram indicados por Trump. Apesar disso, Russomanno considera improvável uma decisão da corte a favor dos governadores republicanos, dada a força que a Primeira Emenda tem na mentalidade americana. A expectativa é de resistência à pressão republicana por parte de ministros mais moderados, em especial o presidente da Corte, John Roberts, apontado por George Bush.

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  1. No final fica permitida a censura feita pelas plataformas, na maioria das vezes com viés “progressista”. O mundo ficará simplesmente insuportável com an agenda politicamente correta dominante. Vai ser um bando de gente dando chilique em público obrigando os outros aceitarem suas bizarrices

  2. Acho que não vai adiantar nada. Os advogados sao rapidos para achar brechas na lei. Nao fosse isso teriamos uma quantidade de políticos processados e presos sem direito a fiança.

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