Lucas Figueiredo/CBFEsse é um momento, também, para reforçar publicamente o que é certo e o que é errado

Um homem bom é difícil de encontrar

A condenação de Daniel Alves serve, também, para reforçar publicamente o que é certo e o que é errado, mas sem inflacionar o mercado do ultraje
01.03.24

Daniel Alves deixou de ser o jogador com mais títulos da história do futebol para se juntar ao rol dos ex-jogadores que caíram em desgraça. Condenado a quatro anos e meio de prisão por estuprar uma moça em um banheiro da Espanha, o lateral-direito não é mais considerado uma lenda pelo Barcelona e teve uma estátua vandalizada em Juazeiro (BA), onde nasceu.

“Pelo que me lembro, nunca fui um menino mau”, diz o Desajustado à senhora que está prestes a matar em “Um bom homem é difícil de encontrar”, de Flannery O’Connor. “Mas em algum momento fiz algo errado e fui enviado para a penitenciária. Fui enterrado vivo”, completa o criminoso.

Algumas pessoas se animaram a defender Daniel Alves. Há uma questão política envolvida no caso, sempre há. O crime de abuso sexual é de difícil comprovação. Já houve casos ilustres em que a acusação não foi minimamente comprovada — o que não quer dizer que o crime não ocorreu —, e cada denúncia sem embasamento aumenta a desconfiança em relação às denunciantes.

Por conta da dificuldade de comprovar o crime, surgiram recentemente campanhas em defesa de que a alegação da vítima tenha mais peso legalmente. Movimentos como o Me Too popularizaram a causa, mas também geraram reações e mais desconfiança. Quem duvida de um caso como o de Daniel Alves provavelmente está reagindo a isso, uma ideia.

A identidade da vítima cuja denúncia condenou o ex-jogador brasileiro não foi conhecida até hoje, e provavelmente nunca será. Ela não fez acordo em dinheiro — quer dizer, não estava chantageando um jogador famoso — e recebeu uma quantia apenas como forma de indenização, que, na lei espanhola, atenua a pena do condenado.

A moça tinha os joelhos machucados e as câmeras da boate onde o crime ocorreu flagraram sua reação perturbada após sair do banheiro. Além disso, Daniel mudou a versão várias vezes, sob pretextos diferentes — alegou, por exemplo, que não queria que a esposa soubesse da traição ao negar, num primeiro momento, que teria ocorrido um ato sexual.

“Eu descobri que o crime não importa. Você pode fazer uma coisa ou outra, matar um homem ou tirar um pneu do carro dele, porque mais cedo ou mais tarde você vai esquecer o que fez e será punido por isso”, reflete o Desajustado de O’Connor.

É natural que a condenação de uma figura de destaque como Daniel Alves ou Robinho, para citar outro caso recente, gere debates. Esse é um momento, também, para reforçar publicamente o que é certo e o que é errado. É por isso que outras figuras com notoriedade são questionadas sobre o assunto e espera-se — ou cobra-se — que comentem a questão espontaneamente. Mas só deve falar quem quer, e caso se sinta confortável, sob o risco de criar um mercado de indignação barata.

Tite, hoje treinador do Flamengo, foi questionado sobre o caso. Ele desenvolveu uma relação forte com Daniel durante sua passagem pela seleção brasileira. É compreensível que tenha se sentido desconfortável na hora de comentar o assunto.

“Eu entendo a tua pergunta. Eu não posso fazer julgamento sem ter todos os fatos e as informações verdadeiras a respeito. Posso falar conceitualmente. Conceitualmente, todo erro deve ser punido. Mas não sou julgador e não tenho todos os fatos. Fora que há uma etapa de um profissional que trabalhou comigo e existem outras etapas profissionais e pessoais que ele também exerce. Essas eu não conheço e não posso julgar, tenho que ter muito cuidado”, disse Tite.

A resposta não agradou a quem esperava do treinador uma condenação forte, e as condenações fortes passaram a ser dirigidas a Tite. Mas de fato não cabe a ele julgar. Tanto faz a opinião dele sobre o caso Daniel Alves, assim como todas as opiniões para além da sentença das autoridades espanholas que o condenaram. Estender a condenação do lateral-direito para o técnico do Flamengo não faz sentido.

“’Não, dona, não sou bom não’, o Desajustado disse um segundo depois, como se houvesse refletido sobre o que ela tinha dito, ‘mas também não sou o pior do mundo. Meu pai dizia que eu era de outra raça, diferente dos meus irmãos e irmãs. Dizia que há pessoas capazes de passar a vida toda sem perguntar por quê, mas que outras têm de saber o porquê das coisas, e que eu era desse tipo e ia me meter em tudo’.”

Enfim, um homem bom é difícil de encontrar.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Eu imagino que a única coisa a ser dita numa entrevista dessas seria que “enquanto ele trabalhou comigo foi um profissional exemplar dedicado e excelente jogador. Ponto Final”. Ou então manter a boca fechada ou no estilo usual dizer “nada a declarar”.

Mais notícias
Assine agora
TOPO