Agência Brasil

O que pensa o deputado que lidera a discussão sobre o projeto das fake news na Câmara

12.07.20 18:22

Antes mesmo da chegada do projeto de combate às fake news na Câmara, deputados já indicavam trechos do texto aprovado pelo Senado que precisavam ser alterados para que não haja violação dos direitos de privacidade e liberdade de expressão de usuários em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Ciente das ponderações e da extensa lista de mudanças que estão por vir, o presidente da casa, Rodrigo Maia, entusiasta da ideia de punir quem financia e propaga notícias falsas, colocou Orlando Silva (foto), deputado de quem é amigo, à frente do processo de construção de um novo texto.

A escolha tem base técnica. O parlamentar do PCdoB é o relator da proposta de emenda à Constituição que insere a proteção de dados pessoais, incluindo os digitalizados, na lista de garantias individuais. “Ele vai ser peça chave para o texto que vai ser apresentado na Câmara”, previu nesta semana.

Orlando já iniciou as costuras políticas. Em nome da convergência, buscou contato com representantes de frentes parlamentares que se debruçam sobre temas conexos e desenhou um cronograma de audiências públicas remotas para discutir pontos sensíveis do projeto.

A ideia é aparar ao máximo as arestas a fim de apresentar uma redação que gere pouca resistência em plenário. Assim, seriam evitados problemas que ocorreram no Senado, onde a votação foi adiada quatro vezes.

O deputado já tem em mente algumas alterações que considera necessárias ao texto. A Crusoé, destacou o receio provocado pelo trecho que permite aos provedores a exclusão, sem aviso prévio, de conteúdos. “Se nós aumentarmos o poder das plataformas para fazer moderação, daqui a pouco haverá um sistema privado de censura”, observou.

Este, contudo, é apenas o ponto de partida de um debate que deve ganhar os corredores da Câmara nas próximas semanas. O parlamentar do PCdoB não trabalha sozinho na articulação. Empenham-se na costura de uma nova versão da matéria os deputados Felipe Rigoni, do PSDB, Tabata Amaral, do PDT, Margarete Coelho, do PP, Natalia Bonavides, do PT, e Israel Batista, do PV.

Orlando Silva falou sobre o tema nesta conversa com Crusoé:

No Senado, parlamentares reclamaram da falta de debate sobre o projeto de combate às fake news. Como o sr. pretende conduzir o processo na Câmara?
Eu tenho procurado interlocução com frentes parlamentares que são dedicadas aos temas de comunicação e economia digital. Há duas: a em defesa da economia e cidadania digital e a em defesa dos direitos humanos, que lida também com a democratização do acesso à informação. Nós agrupamos essas duas frentes e vamos promover um ciclo de debates públicos, focalizando a discussão em torno dos aspectos mais polêmicos que podem envolver a regulação de fake news. Queremos ouvir a sociedade civil, a indústria e especialistas, de modo que tenhamos uma solução para itens como identificação de usuários nas redes sociais, rastreabilidade dos serviços de mensagem, transparência das plataformas, moderação de conteúdos.

As modificações serão alinhadas com o Senado?
Fiz referência a duas frentes parlamentares, mas, seguramente, vamos constituir um grupo e ouvir líderes. Com o texto elaborado, incorporando o diálogo com a sociedade brasileira e lideranças de deputados especializados nessa matéria, abriremos a negociação com o Senado porque, se houver modificação no texto da Câmara, ele voltará para os senadores. Seguramente, o texto que vai ser submetido à Câmara passará por todos eles a fim de priorizar a convergência entre as duas casas.

O sr. acredita que a Câmara levará quanto tempo para analisar a proposta?
O projeto de lei sobre fake news na Câmara dos Deputados deve ser aprovado no prazo mais rápido possível. Nós temos de nos preocupar com o conteúdo do texto, em adensar o texto, precisar o texto. Eu não arriscaria um palpite de data porque não fechamos o calendário de debates públicos. Seria precipitado.

Maia defende a punição de quem divulga e financia fake news. A discussão sobre o tema chegou a ocorrer no Senado, com a sinalização de mudança do Código Penal, mas houve resistência e esse trecho da proposta não vingou. Pretende retomar o debate?
Eu acredito que o que dá força para o projeto de combate às fake news é ter um tipo penal que criminalize a conduta de quem produz e distribui desinformação e, sobretudo, mirar quem financia. Acho que é muito importante que a lei trate disso. Vamos construir no debate. Deve haver um tratamento duro. A dureza deve ser proporcional ao ato praticado e ao dano causado. Aposto que a Câmara vai introduzir esse ponto no projeto.

Outro ponto polêmico foi o elevado poder de moderação das redes sociais. O relator da proposta listou hipóteses em que publicações poderão ser apagadas nas redes sociais sem aviso prévio. Acredita que a Câmara manterá esse trecho?
A gente tem uma preocupação em não ampliar o poder das plataformas. O Congresso Nacional pode atirar no que vê e acertar no que não vê. Se nós aumentarmos o poder das plataformas para fazer moderação, daqui a pouco haverá um sistema privado de censura. Isso é muito perigoso. Acredito que o tema moderação deve ser tratado com a delicadeza que merece, porque aqui que está a chance de haver violação da liberdade de expressão. Estamos num debate, construindo. Acredito que não devemos dar margem para  análises subjetivas, não devemos criar uma dinâmica que vai fazer com que as plataformas, na dúvida, retirem o conteúdo.

O texto, como veio do Senado, abre margem para isso?
Considero que aquelas hipóteses em que a moderação pode ser feita sem notificação precisam ser avaliadas com muito cuidado.

O artigo que prevê o armazenamento de mensagens enviadas em disparos em massa por três meses pelos provedores gerou uma onda de protestos entre entidades de defesa dos direitos de usuários da internet. Qual sua opinião?
Eu tenho muita dúvida quanto à necessidade e a oportunidade de fazer coleta de dados em grande escala, reunir informações em grande escala. Tenho muita dúvida sobre as medidas de identificação de titulares de contas. Tenho muita dúvida sobre as manutenção desses registros por serviços de mensagens. Porque, nos termos colocados, pode-se exigir a reunião de informações de milhões e milhões de brasileiros. É preciso que haja uma estratégia de investigação com inteligência, um mecanismo de colaboração das plataformas. Mas, em princípio, não me agrada a coleta em massa de dados nem o registro de praticamente todas as conversas dos serviços de mensagens.

O que mais desperta polêmica?
O tema, em si, é muito polêmico. Tanto é que, no mundo, você não tem regras consolidadas. É um universo novo. Acredito que a gente tenha que ter uma lei mais conceitual, principiológica e aposto na corregulação. É preciso encontrar um caminho que reúna estado, indústria e sociedade civil para editar normas infralegais que sejam capazes de sintonizar o espírito da lei com a operação no dia a dia.

Esse grupo seria o tal Conselho previsto no projeto?
Pode ser o Conselho, mas precisaria reavaliar a sua competência, suas atribuições e sua composição.

Há uma certa dúvida sobre como atuará o Centrão neste debate. Diversos deputados já foram vítimas de fake news, mas por outro lado o grupo se aproxima do governo, que é contrário à proposta. Na sua avaliação, qual será a postura final?
Conheço muitos líderes dos partidos de centro. Minha expectativa é a de que sejam ativos, colaborem na apreciação desse projeto de lei.

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