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Em data limite para vacinas da OMS, Bolsonaro viajou para receber homenagem

28.07.21 07:31

Uma “homenagem do agronegócio a Jair Bolsonaro” oferecida em Sinop, Mato Grosso, tirou o presidente da República de Brasília no dia 18 de setembro do ano passado, data limite dada pelo consórcio Covax Facility para que o governo confirmasse sua adesão ao instrumento global de vacinas coordenado pela OMS.

Gravações de reuniões interministeriais obtidas por Crusoé com exclusividade mostram que, um dia antes, Bolsonaro não tinha se posicionado sobre o assunto e que não havia “previsão de agenda” para “se apropriar do tema” na data limite, quando teria “um dia muito cheio” no Mato Grosso.

Alan Santos/PRAlan Santos/PREm Sinop, Bolsonaro provocou aglomerações e cumprimentou eleitores sem máscara
“Ele conhece a iniciativa, mas evidentemente que toda a repercussão jurídica, política e financeira do tema aqui exige um tempo de maturação com o presidente. Eu perguntei ao Pedro [Marques, então chefe de gabinete de Bolsonaro] se tinha algum despacho marcado para tratar do tema e não está previsto”, afirmou Humberto Moura, subchefe adjunto executivo de Assuntos Jurídicos da Presidência. A informação apareceu já na noite do dia 17 de setembro, quando Moura comunicou aos técnicos de outros ministérios que Bolsonaro ainda não conhecia o assunto em profundidade e viajaria na manhã do dia seguinte.

Em razão da indecisão de Bolsonaro, o Itamaraty solicitou ao Covax Facility uma extensão do prazo para que o país se posicionasse com relação à iniciativa. Restou à Talita Saito, subchefe adjunta de Política Econômica da Casa Civil, ter “esperança” de que a Aliança Gavi, entidade que opera o consórcio de vacinas em parceria com a OMS, aceitasse a prorrogação.

A expectativa acabou frustrada quando, na manhã do dia seguinte, Nilo Dytz – ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Genebra – informou Brasília de que o prazo para que o país confirmasse sua participação no Covax continuava sendo o dia 18 e que, caso houvesse a confirmação, o governo poderia assinar o contrato até o dia 25 de setembro. Na prática, técnicos do governo tiveram que deixar tudo pronto para a assinatura no dia 18, situação descrita por Talita Saito como “corda no pescoço”.

Avançando noite adentro, ainda no dia 17 de setembro, técnicos do governo que trabalhavam na elaboração da medida provisória que liberaria a adesão ao Covax questionaram o Planalto, em vista da viagem de Bolsonaro ao Mato Grosso, “qual a chance que essa medida seja assinada amanhã?”. Assessores da Presidência, então, indicaram que a decisão só seria tomada no fim do dia, confiantes de que a Aliança Gavi não “abriria mão de um negócio de 2,5 bilhões de reais”.

Além de ser um dos últimos do mundo a confirmar sua participação no consórcio da OMS, o Brasil aderiu à iniciativa com o objetivo de adquirir doses para apenas 10% da população, quando poderia contratar doses suficientes para imunizar metade do país através da iniciativa global.

Após receber a “homenagem do agronegócio” no dia 18 de setembro, Bolsonaro participou de cerimônia de entrega de títulos de propriedade a produtores rurais, visitou uma usina de etanol, compareceu ao “lançamento simbólico do plantio da soja” e provocou aglomerações com seus apoiadores. Na ocasião, o presidente da República discursou contra medidas de distanciamento para controle da pandemia. “Nada de se acovardar”, pregou, quando o país chegou a 135.857 mortes pelo coronavírus. Naquele mesmo dia, o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, visitava Roraima com Mike Pompeo, secretário de Estado de Donald Trump. 

À época, o governo só tinha acordo com a AstraZeneca para produção da vacina de Oxford pela Fiocruz, ainda sem a garantia de que o imunizante funcionaria e seria aprovado. Através do Covax, a OMS buscou financiar pesquisas para 9 vacinas “candidatas”, em busca de uma premiada que seria, então, adquirida pelos países signatários do contrato.

Em uma das reuniões com o Planalto, em 12 de agosto, mais de um mês antes do prazo final do Covax, a embaixadora do Brasil em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, informou que a Aliança Gavi buscava ampliar o número de vacinas pesquisadas para 15, ao custo médio de 10,55 dólares por dose. A informação desmente declaração dada por Eduardo Pazuello à CPI da Covid de que o custo inicial da vacina nas negociações era de 40 dólares por dose.

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