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A libertária guatemalteca que quer ser presidente

07.05.19 11:17

Formada na Universidade Francisco Marroquín, um dos raros centros de ensino superior liberal na América Latina, a cientista política guatemalteca Gloria Álvarez, de 34 anos, ganhou fama em 2014 quando proferiu um discurso sobre populismo no Parlamento Iberoamericano da Juventude, na Espanha. Por não ter completado 40 anos, ela não tem a idade mínima exigida pela Constituição para postular a presidência da Guatemala, mas ainda assim anunciou em meados de março o lançamento de sua candidatura. “Eu sou a presidente daqueles que estão cansados de pagar suborno para fazer seus negócios funcionarem enquanto as oligarquias são protegidas pela lei. Eu sou a presidente daqueles que têm a coragem de se governar”, publicou em sua página do Facebook. “Estou brigando para que, pelo menos, me convidem para um debate presidencial. Não existe nenhuma lei que me impeça de participar de um deles”, diz ela, que prega um estado menor na economia e na política. Segue a entrevista que a guatemalteca concedeu a Crusoé, por telefone, a partir da Cidade da Guatemala.

Quando se fala de Guatemala no noticiário, geralmente é para mostrar as caravanas de migrantes que deixam seu país rumo aos Estados Unidos. Por que isso acontece? A grande imprensa só quer mostrar as coisas que para ela é importante. E, neste momento, bater no presidente americano Donald Trump com os imigrantes latinos é o que vende.

Por que os guatemaltecos estão cruzando fronteiras? Porque os Estados Unidos oferecem uma economia muito mais livre do que a que a Guatemala tem.

A violência também expulsa as pessoas, não? Claro. A Guatemala é um país onde 98 de cada 100 crimes ficam impunes. Com uma população de 17 milhões, registramos 21 mortes violentas no país por dia.

Seu país tem muitos crimes porque é pobre? Está comprovado que a pobreza da Guatemala não é um indicador de violência. O que aconteceu é que a criminalidade foi desatada por grupos de ex-guerrilheiros que se tornaram bandos organizados, as maras. E muitos meninos foram abandonados pelos pais, que foram para os Estados Unidos. Eles ficaram à mercê do narcotráfico. Na Guatemala, as populações mais pobres vivem na região ocidental do país, onde há muitos indígenas, e não são necessariamente as mais violentas. O crime acontece principalmente nos centros urbanos e nos lugares onde estão os narcotraficantes, no oriente.

Como seria possível diminuir a violência na Guatemala? De cada 100 quetzais (a moeda nacional) que o governo arrecada, apenas 2 centavos são destinados para Justiça e segurança. Minha sugestão é aumentar bastante essa cota, para que ao menos 50 quetzais de cada 100 tomem esse rumo. Com essa verba será possível fortalecer a cadeia de Justiça, cuidando para que, quando um crime é cometido, o culpado seja julgado e levado ao cárcere. Também precisamos investir em salários mais altos para os policiais, para que eles não sejam facilmente corrompidos. Eles devem ganhar, pelo menos, 20 mil quetzais (o equivalente a 10 mil reais). Outro imperativo é ter representantes do Ministério Público em todo o território nacional, e não em apenas 10% dele, como acontece agora. Por fim, as prisões devem deixar de ser universidades de bandidos para se tornar centros de reabilitação.

Entre as suas propostas está a legalização da cocaína e da maconha. Estas medidas não poderiam aumentar a violência? Pelo contrário. Está provado que, com a legalização, a criminalidade baixa. Os crimes ligados ao narcotráfico que atualmente acontecem na América Latina se dão precisamente porque as drogas são ilegais. É o mesmo fenômeno que se deu quando se proibiu o álcool nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930. Desde então, ficou demonstrado que, quando um produto não pode mais ser adquirido no comércio, ele passa a ser comprado pelos criminosos, pelos mafiosos e pelos assassinos. Para evitar a criminalização do mercado, é preciso liberá-lo. Todos os países que realizaram experiências com legalização de drogas, seja álcool, tabaco ou maconha, tornaram-se lugares onde há mais paz, mais ordem e mais Justiça. Como a polícia e o sistema judiciário não precisam mais combater as drogas, então eles podem cuidar dos verdadeiros crimes. Essa ideia de achar que se algo é ilegal basta proibir que ele irá desaparecer é uma pantomina hipócrita. A guerra contra as drogas foi um fracasso retumbante. Gastaram-se mais de 3 bilhões de dólares e o único resultado foi a morte de milhares de inocentes.

Além das drogas, a sra. fala em legalizar a prostituição. Como a sociedade guatemalteca reagiu? Armou-se um escândalo quando defendi o aborto e a legalização da cocaína. Mas, quanto à prostituição, as pessoas não têm se pronunciado muito. Como todo país hipócrita e de dupla moral, a Guatemala está cheia de prostíbulos, de prostitutas e de pessoas que consomem seus serviços. O problema é que, como trata-se de algo ilegal, elas estão desprotegidas e sofrem muita violência. Elas também não pagam impostos e o mercado não está regulado como deveria.

Durante a campanha eleitoral brasileira no ano passado, a sra. gravou um vídeo dizendo que não gostava de Jair Bolsonaro por ele ser contra as liberdades individuais. Sua opinião mudou desde então? Minha opinião sobre Bolsonaro não se alterou. Assim como não creio que a ideologia conservadora de Bolsonaro tenha mudado.

O que mais te incomoda no conservadorismo de Bolsonaro? Não gosto quando ele, assim como todos os líderes latino-americanos, apela para Deus. Supostamente, deveríamos estar vivendo em estados separados da religião. E o pensamento de Bolsonaro é constantemente influenciado por pastores evangélicos. Me incomodam também os seus comentários contra os homossexuais, imigrantes e pessoas de cor.

O presidente da Guatemala, Jimmy Morales, definiu a si mesmo como “nacionalista cristão”. Morales disse que é nacionalista, cristão, libertário, direitista, conservador. Basicamente, fez uma salada ideológica para ficar bem com todo mundo e com ninguém. É um inepto que, querendo ficar bem com os poderes constituídos da Guatemala, não se moveu nem para um lado e nem para o outro.

Que impacto a ditadura venezuelana teve no seu país? Desde que Fidel Castro tomou o poder em Cuba, em 1960, a Guatemala e países de toda a América Latina viram-se afetados pela sua influência. Com dinheiro da União Soviética, Castro financiou guerrilhas marxistas que foram responsáveis por rios de sangue na Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Uruguai e Argentina. No Peru, apoiou o Sendero Luminoso. Além disso, os cubanos influenciaram a mais sanguinária de todas as guerrilhas, que agora se converteu em um cartel de narcotráfico: as Forças Armadas Revolucionários da Colômbia (Farc). Depois do colapso da União Soviética, em 1991, essa influência continuou sendo poderosíssima, mas mudou de estratégia. Foi aí que se criou o Foro de São Paulo e Lula passou a ser a esperança de Fidel Castro. Com a eleição de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, Cuba passou a se beneficiar dos petrodólares venezuelanos. A relação estreita entre a Venezuela e o Brasil favoreceu o maior esquema de corrupção que esse continente já viu, que foi o da Odebrecht. O principal responsável por essa estrutura, que corrompeu políticos na Guatemala, foi Lula.

Países socialistas, como a Venezuela, tendem a ser mais corruptos que os demais? Sim. Isso acontece porque o socialismo prega o poder absoluto, tanto na política como na economia. E o poder absoluto corrompe absolutamente. A única maneira de evitar a corrupção é separar o estado da economia. Assim, cada indivíduo passa a se posicionar dentro das leis da oferta e da demanda em um mercado livre e voluntário em que se trocam bens e serviços. No capitalismo ideal, não há pressão para a tomada de decisões individuais e o governo não cria privilégios e monopólios.

Quais são os políticos que mais te inspiram? Em geral, não me inspiro em políticos porque a maioria deles é de esquerda ou da direita conservadora. Me interesso mais pelos filósofos libertários, como Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Ayn Rand e Milton Friedman. Também sigo o trabalho de ativistas, como o advogado chileno Axel Kaiser e a cubana Rosa Maria Payá.

A sra. ainda não tem 40 anos, idade que a Constituição de seu país estabelece como o mínimo para ser presidente. O que pretende fazer a respeito? Estou brigando para que, pelo menos, me convidem para um debate presidencial. Não existe nenhuma lei que me impeça de participar de um deles. Também é possível exigir uma nova lei para mudar a idade mínima de inscrição. Mecanismos para mudar esse impedimento existem. Se a população guatemalteca vai fazer uso deles é outra questão.

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  1. Ela me convenceu sobre a questão das drogas, faz uma análise muito boa sobre a esquerda latino-americana, mas a racionalidade que lhe é tão característica se perde na desconsideração da moralidade ao tratar da prostituição como algo a ser normatizado e tributado.

  2. Parei de ler quando ela diz defensora da liberação de drogas, prostituição e aborto!!! Tenha paciência, veneno embutido num falatório inicial...

  3. Anarcocapitalismo e anarcosocialismo são dois dragões tão pesados que, embora sejam teimosos em se manter em pé, não leva muito tempo até que caiam. Depois de caídos, não conseguem mais se levantar.

  4. Não concordo com as ideias dessa moça. O Brasil não aceitaria essas ideias porque somos conservadores-liberais. Aborto, prostituição e drogas livres? Inadmissível!

  5. Legalização da cocaína, aborto, prostituição, etc contanto que pague imposto. Ela acha que a solução para a dupla moralidade (hipocrisia) é cair na imoralidade de vez (legalizando a prostituição). Esta é a mentalidade absurda do direitista liberal, que acha que a solução é acabar com a moral, com Deus e jogar tudo nas mãos da “ciência”. E tem gente que fugindo do comunismo cai nas mãos de pessoas com ideias tão nocivas como as de Karl Marx. Deus me livre desta duas pragas materialistas.

  6. A premissa dos libertários é tão ingênua quanto a dos anarquistas do começo do século XX. Eles supõem (ou dizem supor) que o Estado seja inexistente, como se fosse possível imaginar seres humanos sem organização de poderes e funções públicos. A hipocrisia é tamanha que há libertários candidatos à presidência.

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