Foto: VoxExpaña via FlickrMilei durante comício: candidato disse que, se eleito, não irá negociar com "comunistas"

Como a vitória de Milei impacta o governo Lula

Resultado da eleição na Argentina afeta o Mercosul e o Brics, e também pode enterrar ainda mais fundo a ambição internacional do presidente brasileiro
19.10.23

Com a proximidade da eleição presidencial argentina, a diplomacia brasileira e o governo de Lula desenharam cenários de como poderá ser a relação entre as duas principais economias do continente no futuro. As projeções são mais simples em caso de vitória do peronista Sergio Massa ou da liberal Patricia Bullrich. É sobre o favorito na corrida, o economista de perfil libertário Javier Milei (foto), que recai a maior preocupação em Brasília.

“É natural que eu esteja preocupado”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (19). “Uma pessoa que tem como bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um.” 

Milei defende abertamente o afastamento da Argentina do Mercosul e do Brics. Ele também fala em não negociar com governos que considera “comunistas”, como diz ser o de Lula. O perfil populista do economista difere do de seus concorrentes — Bullrich e Massa são membros do establishment político e são mais aderentes ao pragmatismo. A primeira foi ministra de dois presidentes e o segundo, egresso do peronismo, é o atual ministro da Fazenda.

Caso Lula tenha de lidar com Milei na Casa Rosada, esse não seria um terreno totalmente novo, pois os dois países já tiveram presidentes em campos opostos. Quando a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner foi declarada vencedora, em 2019, o então ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que “as forças do mal estão celebrando“. À época, Bolsonaro fez campanha contra Fernández. Depois, quando o peronista assumiu a Casa Rosada, passou a criticar Bolsonaro e a apoiar a futura eleição de Lula.

Caso Milei se torne de fato o próximo presidente da Argentina, espera-se que ele se meta na política brasileira, como já vem fazendo — o atual candidato postou um vídeo de Jair Bolsonaro endossando sua campanha e mostrando um livro sobre o argentino. “É um sinal péssimo”, diz Janina Onuki, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). “É transferir a polarização de um país para outro.”

Além das cutucadas políticas, haverá efeitos no Mercosul. “Se Milei for eleito, haverá um desincentivo ao interesse pelo Mercosul, mas não uma ruptura”, diz Janina. Para um rompimento total, Milei teria de convencer o Congresso, que será pouco renovado nestas eleições (apenas metade da Câmara e um terço do Senado). O mais provável é que os parlamentares queiram manter a Argentina nos acordos em que está. “Tanto em um governo Lula quanto em um eventual governo Milei, as relações vão continuar existindo, por uma questão pragmática. O que pode acontecer é um desinvestimento em avanços no Mercosul, a novas propostas de integração regional.”

Um olhar sobre a balança comercial dos dois países mostra como o rompimento nas relações entre Brasília e Buenos Aires seria impraticável: a maior parte do trigo consumido no Brasil vem de lá, enquanto a indústria automotiva argentina importa do Brasil as suas peças e tem aqui um mercado consumidor relevante. A balança comercial registra um superávit de 4 bilhões de dólares para o Brasil, e continua sendo essencial para uma economia próxima da insolvência, como a da Argentina. “Milei falou que não vai se opor ao comércio bilateral movido pelo setor privado. Se a situação econômica permitir, o fluxo comercial vai continuar”, diz o diretor da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira (Camarbra), o argentino Gonzalo Sanchez.

Ele acredita que a proposta de saída do Mercosul não passa de um discurso eleitoreiro. “Na prática, se virar presidente, Milei terá assessores que provavelmente vão aconselhá-lo e convencê-lo a não sair de blocos estratégicos, como o Mercosul”, diz Sanchez. Nas conversas com diplomatas brasileiros em Buenos Aires, membros da campanha de Milei dizem que a ideia é apenas de “modernizar” o Mercosul. “Eu tive conversas com a candidata a vice, Victoria Villaruel, e com a potencial ministra de Relações Exteriores dele, Diana Mondino. Elas falam que o Mercosul necessitaria ‘modernização’ de dentro do bloco. Nenhuma falou em sair do Mercosul”, disse a Crusoé o embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli.

Uma improvável saída do Mercosul não deveria ser a maior preocupação do PT, mas, sim, uma Argentina dentro do bloco e com a economia dolarizada. “O problema para o Mercosul é a dolarização de um de seus membros mais importantes”, diz Belen Amadeo, cientista política da Universidade de Buenos Aires. Afinal, a eventual dependência argentina da política monetária do Banco Central americano, o Fed, passaria a contaminar o Brasil e o restante do bloco. Em 2002, durante a pior recessão da história recente argentina, o governo de Fernando Henrique Cardoso já temia uma eventual dolarização argentina. “A dolarização para nós significa o fim do Mercosul“, disse o ministro da Indústria, Sergio Amaral, à época.

Com o Brics a história é diferente. O próximo presidente assume em dezembro, e a Argentina deve passar a fazer parte do grupo em janeiro do ano que vem. Milei e Patricia Bullrich já criticaram o acordo com o bloco e podem impedir a formalização do acordo. O argumento não é apenas contra a atuação em bloco junto a países considerados autocráticos ou ditatoriais (como a Rússia de Vladimir Putin ou a China de Xi Jinping), mas também uma tentativa de se alinhar a outros parceiros, como os EUA  e Israel.

Em um aspecto mais amplo, Milei também poderia se tornar um enfant terrible a nível continental, atacando todos os presidentes de esquerda da América Latina. Desde seus tempos de TV, ele tem um histórico de trocas de farpas com Gustavo Petro, da Colômbia, por exemplo. Em palestra em Bogotá no ano passado, em pleno segundo turno das eleições colombianas que elegeriam o atual presidente, o argentino xingou os apoiadores de Petro e falou sobre os riscos da perda de liberdade.

Apesar do quadro ainda indefinido, só a possibilidade real de um governo Milei  já representa uma derrota para o governo brasileiro. “Um segundo turno com dois candidatos mais conservadores seria uma derrota do governo Lula, que investe todas as suas cartas em Sergio Massa”, diz o professor de relações internacionais do IBMEC Christopher Mendonça.

Janina Onuki concorda: “Seria uma grande derrota em um momento de o Brasil busca retomar espaço no plano internacional e regional”. Eleito há um ano, Lula aposta na ideia de que “o Brasil voltou“. Seu sonho é tornar-se um ator importante no jogo das nações em âmbito global. Mas o presidente já viu seu ímpeto de mediar a invasão da Ucrânia cair no vazio. Esta semana, uma resolução sobre a guerra de Israel contra o terrorismo, costurada pelo Brasil,  emperrou no Conselho de Segurança da ONU. Em breve, Lula pode ganhar um rival no seu domínio mais próximo, que é o Cone Sul. Para o petista com ambições globais, a noite de domingo será uma das mais relevantes de sua terceira passagem pelo Planalto.

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  1. Tomara que Milei ganhe. Vai abater 2 coelhos com uma cajadada: emput.... o descondenado e os argentinos vão experimentar o que é ser governado por um tresloucado.

  2. A melhor coisa que ele (Milei) deveria fazer é responder a Bolsonaro que não é da sua laia e não precisa do seu apoio. Que use o seu populismo da maneira certa, para promover as reformas que seu país precisa e não apenas pelo poder e protejer a sua familícia, como fez o nosso protótipo de tirano por aqui. Triste o destino dessa nossa América Latrina, sempre na mão de ditadores ou oportunistas pseudo salvadores da pátria. Socorro.

  3. Espero a vitória de Milei e que ele, além de melhorar a vida dos argentinos, seja uma enorme pedra nos sapatos do Descondenado.

  4. Populistas de esquerda ou direita condenam a América do Sul ao atraso. Infelizmente essa é situação recorrente por aqui

  5. Torço pelo Milei e torço para o presidente lula e ex bostanaro sumirem para a lata do lixo da história. Que tipos mais nojentos de homens públicos

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