A procuradora da República Elizeta RamosFoto: Leonardo Prado/Secom/PGR

Elizeta Ramos: uma solução temporária que pode virar definitiva

Nunca um chefe de Poder Executivo demorou tanto tempo para escolher um integrante da Procuradoria-Geral da República. E Lula tem suas razões para isso
19.10.23

Desde 27 de setembro, um dia depois do final do mandato de Augusto Aras, a Procuradoria-Geral da República (PGR) é chefiada interinamente pela subprocuradora Elizeta Maria de Paiva Ramos. Lula, a quem cabe a indicação, ainda não escolheu um titular para o cargo. Nunca um presidente da República demorou tanto tempo para tomar essa decisão. O motivo da demora é simples (e também constrangedor): Lula tem medo. Está nas mãos do PGR pedir a abertura de um processo criminal contra o presidente. E o líder petista, que passou 580 dias na prisão entre 2017 e 2018, quer ter certeza absoluta de que não será surpreendido por aquele que indicar. Nenhum dos nomes apresentados até agora ao seu escrutínio o deixou completamente à vontade. Por isso, ele adia a decisão. Integrantes do Palácio do Planalto são unânimes em afirmar que o petista não tem a menor pressa, pois começou a achar confortável a situação que criou com Elizeta. Quanto mais ela ocupa a cadeira, mas cresce a chance de que seja efetivada — desde que não desagrade o presidente ou lhe cause sobressaltos. É uma espécie de estágio probatório, dizem alguns petistas. Outros, menos sutis, dizem que Lula mantém uma espada sobre a cabeça da PGR interina, que por isso nem pensa em sair da linha.

Durante vários meses, figuras influentes de Brasília e do PT tentaram emplacar seus candidatos. O subprocurador Paulo Gonet chegou a ser tido como escolha certa. Seu nome é defendido pelos ministros do STF Gilmar Mendes e  Alexandre de Moraes. Lula, no entanto, foi convencido pela ala petista de que Gonet poderia ser mais fiel a Gilmar e a Moraes que a ele próprio. 

A situação se inverteu no caso do subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha. Ele era defendido por integrantes do PT, ao passo que ministros do STF diziam que indicá-lo seria um erro equivalente ao de escolher Rodrigo Janot, que comandou a PGR no auge da Lava Jato. Bigonha, de qualquer forma, não “encantou” Lula.

Mais recentemente, entrou na disputa o subprocurador Luiz Augusto dos Santos Lima, endossado pelo ex-presidente do Senado José Sarney. Sarney tem pressiona Lula para contemplar o seu apadrinhado, lembrando que o petista ignorou suas sugestões para vagas no Tribunal Superior Eleitoral. Santos Lima também tem a simpatia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

O presidente já fez chegar a todo mundo a informação de que antes de 2024 não se deve esperar um final para a novela.

Elizeta chegou à sua atual posição após ter sido eleita como vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), no início de setembro. Nesta função, ela teria como uma de suas prerrogativas justamente substituir o procurador-geral da República. Considerada linha dura por integrantes da PGR, Elizeta Ramos já atuou como coordenadora da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do MPF, órgão que supervisiona ações do Ministério Público. Também já atuou como corregedora-geral do MPF e coordenou a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos.

Um “demérito” no currículo de Elizeta, segundo a visão dos petistas, foi seu  posicionamento favorável à Lava Jato em determinados momentos de sua carreira. Em 2020, quando era corregedora, ela determinou a abertura de uma sindicância para analisar uma denúncia envolvendo a subprocuradora Lindôra Araújo, alma gêmea de Augusto Aras no afã de engavetar investigações incômodas para políticos, por supostamente interferir no trabalho da força-tarefa do MPF que conduzia a oporação. Na época, Lindôra “buscou acesso a informações, procedimentos e bases de dados da força-tarefa em diligência efetuada, sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido”.

No ano seguinte, em 2021, Elizeta escreveu em um ofício interno que Augusto Aras adotara uma manobra processual “para o atendimento de expectativas pessoais ou politicas” de aliados. Na época, Aras já estava na reta final de seus esforços para desmontar as estruturas de investigação que deram musculatura à Lava Jato.

Ela também foi responsável pela sindicância, aberta a pedido do então ministro do STF Ricardo Lewandowski, para apurar supostos desmandos no acordo de leniência firmado pelo MPF com a Odebrecht. Suspender ou invalidar esses acordos é uma espécie de “fronteira final” para quem deseja desmoralizar definitivamente a Lava Jato — e, de quebra, livrar grandes empresas flagradas em corrupção de indenizações e multas bilionárias. Elizeta concluiu que o MPF  conduziu tudo dentro da legalidade.

Um ponto que incomodou vários petistas nas últimas duas semanas é que uma das primeiras ações de Elizeta à frente do cargo foi a condução do procurador Alexandre Camanho, tido como um “lavajatista convicto”, para dirigir a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. O órgão tem entre suas atribuições executar acordos de leniência celebrados com o Ministério Público. A nomeação foi vista pela ala petista do MPF como uma espécie de blindagem à operação.

Para quem não se lembra, Elizeta foi responsável por um episódio polêmico  dentro do MPF. Em 2022, ela reclamou do serviço de transporte da PGR. Durante uma sessão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, disse que foi obrigada a “pegar um Uber” por não haver motoristas disponíveis. 

Será que subprocurador não pode andar de Uber? Claro que pode”, disse ela. “O problema é: nós vamos ficar com um transporte assim? Cada vez que eu pedir um motorista, no dia seguinte vai ser uma dolorosa interrogação? Ele vai ou não? Eu que vou ter que ligar para cá, vou ter que pegar o Uber.”

A descontentamento da procuradora com esse incomodo ínfimo não pegou bem. Mas não se trata, obviamente, de um impedimento para sua efetivação no cargo de PGR, desde que ela prove ser dócil naquilo que de fato interessa a Lula.

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  1. Pelo passado, podemos esperar a continuidade do aparelhamento da PGR é do STF, pra blindar políticos corruptos. Vergonha

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