Caio Mattos/CrusoéO ministro-candidato Sergio Massa, peronista: "1 dólar = 1000 pesos", "ladrão"

O país do contra

Crise econômica e cansaço com o peronismo empurram argentinos para a direita
19.10.23

Os argentinos são um dos povos mais politizados do planeta. Contudo, quem caminha pelas ruas de Buenos Aires não vê cartazes do candidato libertário Javier Milei, o favorito para as eleições do domingo, 22. Tampouco há militantes fervorosos expressando apoio ao candidato de cabelos desgrenhados nas ruas. Também são poucos os sinais da outra candidata de oposição, Patricia Bullrich. O que mais se vê nas ruas da capital portenha são cartazes do presidenciável e atual ministro da Economia, o peronista Sergio Massa. E quase todos estão pichados com xingamentos e citações à desvalorização da moeda local, como “ladrão”, “puto” e “1000 pesos para 1 dólar”. Vários estão rabiscados para fazer Massa parecer banguela. As imagens pregadas com cola nas paredes contam a história da crise econômica e dão a dimensão do abuso da máquina pública pelo governo peronista (as candidaturas de oposição, também impactadas pela crise, tiveram pouco dinheiro para fazer propaganda). Mas o que se vê não reflete as pesquisas de opinião. Milei e Bullrich, os dois nomes de direita, somam 60% das intenções de voto, enquanto o peronista Massa não passa dos 30% das primárias, realizadas em agosto, o pior resultado do peronismo em 70 anos de história. A ascensão da direita e a muito provável derrota da esquerda devem colocar a Argentina na direção oposta à do Brasil, hoje sob o comando petista, e terá consequências para toda a América Latina.

Milei lidera com folga. Em média, as principais pesquisas dão ao libertário de 28% a 39% das intenções de voto. Massa e Bullrich disputam a segunda posição. Ele tem entre 25% e 33,5%. Ela, que foi ministra de Segurança do ex-presidente Mauricio Macri, tem entre 20,5% e 29%. Não está descartada a possibilidade de o libertário liquidar a fatura já neste domingo. Isso porque, na Argentina, para vencer as eleições presidenciais em primeiro turno, como conseguiu Alberto Fernández em 2019, é preciso ter mais de 45% dos votos ou mais de 40%, com dez pontos percentuais de vantagem para o segundo colocado. Mas esses números podem ser enganosos, o que pode favorecer Milei. O voto do libertário está concentrado nos jovens e nos mais pobres — dois grupos que costumam ser subnotificados nas pesquisas. “Os jovens são os que mais se recusam a responder qualquer formulário. Quanto aos mais pobres, eles acabam esquecidos pelas pesquisas remotas, por não ter celular ou acesso à internet”, diz o analista político Gustavo Córdoba, diretor do instituto de pesquisa Zubán Córdoba. Essa dinâmica preocupa a campanha de Massa. Ao ser perguntado por Crusoé sobre o que esperava para este domingo, um dos integrantes de seu time disse que estava “com um guarda-chuva aberto, esperando o dilúvio”.

Milei é o voto de protesto. Para os argentinos, é o voto de “enojo”, palavra que pode ser traduzida como raiva. Seus eleitores não querem reeleger nenhuma das duas forças que estiveram no poder na última década, sejam macristas ou peronistas, visto que a situação só piorou. “Eles estão com Milei porque sentem raiva contra a casta. Então, é mais importante como ele se apresenta do que as coisas que está propondo”, diz Belen Amadeo, professora de opinião pública da Universidade de Buenos Aires.

Para a militância juvenil, Milei é uma estrela do rock. A fila para entrar no ato de encerramento de sua campanha na cidade de Buenos Aires, na quarta-feira, 18, dava volta no quarteirão da Movistar Arena, se estendendo por mais de 150 metros. A vasta maioria dos que aguardavam a vez era de jovens. Alguns viajaram até Buenos Aires só para o ato. Um casal, de Rosário, a mais de 300 quilômetros de distância, teve de aguardar várias horas em Buenos Aires apenas para o evento — eles mal sabiam onde estavam hospedados e se perderam no metrô. Dentro do estádio, enquanto esperavam a atração principal, eles ouviam e dançavam com música, que incluía um jingle de samba em português (na Argentina, é comum que as pessoas dancem músicas brasileiras nas festas de casamento. É o que eles chamam de “Carnaval carioca”). Milei entrou no estádio pela pista, cavando espaço entre o público, e foi carregado até chegar ao palanque. Ele precisou parar seu discurso múltiplas vezes, porque os militantes o interrompiam com cantos ou odes a outros líderes da campanha. Em um dado momento, todos recitaram de cor, com Milei, um lema libertário, como uma oração: “O liberalismo é o respeito irrestrito ao projeto de vida do próximo, baseado no princípio da não agressão e na defesa do direito à vida, à liberdade e à propriedade”.

A eleição da Argentina traz à tona o conhecido Efeito Orloff, normalmente usado para comparar o país com o Brasil. Em um comercial de vodca dos anos 1990, um homem encontrava-se com o seu duplo (para citar uma mania do argentino Jorge Luis Borges), sem sinais de ressaca. O outro homem, do futuro, perguntava ao original se a vodca que ele estava tomando era Orloff. Como a resposta era negativa, o sujeito pedia para trocar a bebida: “Eu sou você amanhã”. No atual cenário, a Argentina parece repetir o Brasil de 2018, quando a crise econômica, o antipetismo e a rejeição à corrupção levaram à eleição de Jair Bolsonaro, um populista antissistema.

Na Argentina de hoje, a inflação mensal está em 12,4%. É um índice maior que o venezuelano, registrado por entidades independentes. A acumulada dos últimos doze meses chega a 140%. São os piores índices do país desde a hiperinflação das décadas de 1980 e 1990. O dólar no mercado paralelo, chamado dólar blue, foi de 790 a mil pesos em outubro. “Se o cenário continuar assim, há risco de uma nova hiperinflação”, diz o economista Juan Luis Bour, da consultoria Fiel, em referência a uma inflação de 50% mensal. Hoje, os argentinos levam alguns minutos para comprar um alfajor, porque precisam ficar contando e recontando as notas de pesos, que estufam suas carteiras. Nas lojas, às vezes os comerciantes precisam conferir os preços depois que um consumidor pede um produto, porque o valor da etiqueta pode estar defasado. Em muitos casos, nem há preço nos produtos, para poupar trabalho. Como o salário não acompanha a inflação, a pobreza disparou. Hoje, 40% dos argentinos são pobres, contra 33% no Brasil. Mendigos são vistos pelas ruas de Buenos Aires com quase a mesma frequência que em São Paulo.

Em meio à crise, os argentinos viram seus governantes peronistas iniciarem medidas clientelistas e populistas, que acabaram gerando mais inflação. Após um resultado pífio nas primárias de agosto, o ministro-candidato Massa iniciou o que a imprensa batizou de Plan Platita, o “Plano Dinheirinho”, uma série de políticas econômicas eleitoreiras. Dentre essas medidas, está a restituição do IVA (imposto sobre consumo) para compras realizadas em cartão de débito. Não bastasse devolver o imposto, o que deve causar um rombo de 800 bilhões de pesos nas contas públicas, Massa prometeu que, ao usar cartão de débito, os consumidores também concorreriam a sorteios de carros novos, motos e eletrodomésticos. A distribuição desses bens com fins eleitoreiros é comum na Argentina.

Se essas medidas podem alegrar uma parte da população, elas causam “enojo” em todos os outros, que veem a repetição dos mesmos métodos que os levaram ao atual estágio deplorável. A raiva aumentou com dois escândalos na província de Buenos Aires, dominada pelos peronistas. O primeiro caso é o de um funcionário do Legislativo estadual que foi flagrado sacando milhões de pesos com 48 cartões de créditos no nome de outros funcionários, uma espécie de rachadinha turbinada. O segundo envolve a suspeita de enriquecimento ilícito de Martín Insaurralde, que foi chefe de gabinete do governador peronista Axel Kicillof. No início de outubro, vazaram fotos dele com a modelo Sofía Clerici em um iate em Marbella, na Espanha. Nas imagens, os dois aparecem rodeados de champanhe, bolsas Louis Vuitton e relógios Rolex. “O que mais impacta é o escândalo. É a indignação. A Argentina, com mais de 100% de inflação, com níveis de pobreza altíssimos, vê um funcionário do governo peronista passeando por Marbella com uma modelo em um iate muito caro. Isso gerou muita indignação, muita rejeição e muita bronca não apenas no eleitor da oposição, mas também no eleitor do União Pela Pátria, que é do governo“, diz o cientista político Cristian Solmoirago no podcast Latitude (abaixo).

 

Os dados indicam uma derrota histórica para o peronismo que, em seus mais de 70 anos de existência, só perdeu três eleições presidenciais (Raúl Alfonsín em 1983, Fernando de La Rúa, em 1999, Mauricio Macri em 2015). Se Massa porventura conseguir passar para o segundo turno, a impossibilidade de ele ultrapassar os 30% deve dar uma vitória garantida para Milei. Na terça-feira, 17, Massa participou de um ato de campanha no estádio do Arsenal de Sarandí, em Avellaneda, na região metropolitana de Buenos Aires. A escolha não foi por acaso. Os bairros que circundam a capital, também conhecidos como Conurbano, são o principal bastião do peronismo no país e representam mais de um quarto do eleitorado nacional. Como todo ato peronista, o comício foi orquestrado pelo partido e suas entidades satélites, como sindicatos e organizações sociais. Levas de ônibus trouxeram apoiadores de todos os lados da região metropolitana para lotar o estádio. Uma pessoa credenciada como jornalista ganhou de brinde uma camiseta partidária e exibiu alegremente aos demais o que chamou de “presente”. Se a terça foi de festa para os peronistas, o domingo será um dos dias mais difíceis para esse movimento político, porque os argentinos agora são do contra.

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  1. Massa foi o economista peronista do Fernandez, apoiado por com nosso dinheiro Lula. Mostrou total incompetência. Lula deverá ser cobrado por isso e julgado pela Justiça brasileira. Massa é o peronismo e o populismo dos malditos esquerdistas! Sempre corruptos e incompetentes, nunca funcionaram. Se Lula apoia Massa, torço pelo Milei!

  2. Torcendo para que o Milei consiga as reformas necessárias e não seja um novo bozo cujo maior feito foi ressuscitar o luladrón e petralhada...

  3. O que explica que a juventude Argentina esteja inclinada para ideais libertários enquanto a daqui ainda se deixa enganar por ideais pseudo progressistas, mas que se fundamentam no mais embolorado anti-americanismo e fórmulas que já se demonstraram falidas? Talvez o nível de educação e consciência política, que diferentemente dos nossos Maoistas de IPhone sentem na pele (e no estômago) os efeitos a longo prazo do populismo inconsequente e da roubalheira como padrão moral. Em breve chegamos lá.

  4. Oxalá a esquerda perca lá. Por aqui a lei do pêndulo deve agir também e varrer o PT novamente, eles tensionaram demais a corda demagógica e pautas progressistas no primeiro ano, somado ao antissionismo demonstrado por todos os expoentes do partido, no ano que vem teremos um termômetro nas eleições.

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