OECD/Victor Tonelli

Weintraub seria intocável no Banco Mundial, avalia ex-diretor

18.06.20 17:18

Convidado para ser diretor-executivo do grupo EDS15 do Banco Mundial – coalizão que representa Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago – o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub será “intocável” no cargo assim que for eleito, avalia o ex-diretor e ex-vice-presidente do Banco Mundial Otaviano Canuto. 

Em entrevista a Crusoé, o economista brasileiro destaca que os organismos financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, possuem regras de conduta bastante específicas e claras. Na avaliação dele, o “estilo pessoal” de Abraham Weintraub “vai ter que se adaptar” aos regramentos, que preveem punições a desvios de conduta. 

Na avaliação de Canuto, o próximo diretor executivo do grupo brasileiro na instituição precisará demonstrar grande habilidade diplomática para lidar com “a constelação de interesses representados pelos outros 24 diretores do ‘board’”. Ele ressalta que as cadeiras presididas pelo Brasil em bancos internacionais costumam se destacar por conseguirem formar coalizões com outros países. 

Leia abaixo a entrevista com o ex-vice-presidente do Banco Mundial.

Como é o trâmite para a indicação de um novo diretor do grupo?
A característica diferenciada dessas instituições multilaterais é que tem um ‘board’ residente que se reúne duas ou três vezes por semana e que aprova todas as operações do banco e discute com a administração da instituição as políticas para diversas áreas. Como em uma empresa, quem manda no board é quem tem o maior número de ações, então as representações no conselho estão distribuídas em 25 cadeiras. Poucos países têm cadeira única, como EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China e Japão.  Todos os outros estão representados em cadeiras mistas, as ‘constituencies’. No caso do Brasil, ele lidera o grupo, tem o maior poder de voto da cadeira. Os membros do conselho são eleitos a cada dois anos. A próxima eleição é para os membros que vão sentar nesse conselho a partir de novembro. No caso do Brasil, nunca tivemos a candidatura contestada dentro do grupo. O próximo ciclo de eleições ocorre em setembro e outubro, mas a cadeira do Brasil está vaga, então, se o governo brasileiro quiser pode indicar alguém para um mandato tampão até a nova eleição. 

Mas o diretor pode ser removido do cargo?
Não. Uma vez eleito, o candidato é intocável no Banco Mundial. Ele não pode ser demitido nem removido pelo presidente brasileiro. É claro que o sistema todo entenderia, na prática, que um diretor perdeu a sua representatividade caso seja desautorizado pelo presidente do país. Isso ocorreu entre 2004 e 2007, quando a Venezuela tinha a liderança de sua cadeira. E o ministro do Planejamento deles apontou um cara que era completamente nada chavista. Esse ministro caiu e o governo venezuelano pediu para o diretor deixar o Banco Mundial, mas ele se recusou e permaneceu até o fim do mandato. Era intocável, mas ao mesmo tempo todo o resto do Banco sabia que ele não tinha nenhuma representatividade. 

O que ocorre caso um país não concorde com a indicação do Brasil?
O país que não votar no candidato pode escolher outra constituency para fazer parte. Foi o que ocorreu com a Colômbia no grupo do Brasil no FMI quando o diretor brasileiro era o Paulo Nogueira Batista, que teve um entrevero com os colombianos. Aí a Colômbia mudou de cadeira. À época, Paulo Nogueira Batista não aceitou a indicação de um funcionário colombiano, o que é prerrogativa do diretor-executivo, mas a prática histórica e de bom senso é de que as nomeações vêm dos países, a não ser que você queira entrar em uma guerra com o ministro do outro país. Essas posições são renegociadas a cada dois anos em um acordo entre os países que formam o bloco. Atualmente, o acordo da cadeira do Brasil prevê que o diretor-executivo seja do Brasil, mas Colômbia e Filipinas se alternam na representação. 

Quais as atribuições do diretor na estrutura do Banco?
O board não administra o Banco, mas tem a prerrogativa de votar e aprovar os projetos financiados por ele, de acordo com o peso dos votos que carrega. A cadeira liderada pelo Brasil tem em torno de 3% e 4%. É ínfimo. Se você não tem a companhia dos outros países, se o seu voto for contrário a um projeto só fica o negativo, não tem implicação nenhuma. É um trabalho que não é estritamente diplomacia. Porque você tem que ter um embasamento técnico para convencer outros países a votarem no que você quer que seja feito pelo banco. Sem falsa modéstia, historicamente – com alguns períodos de exceção, como quando o Paulo Nogueira Batista estava no FMI – as cadeiras lideradas pelo Brasil sempre tiveram a capacidade de “punch above your weight”, o que quer dizer que ele alcança resultados que parecem acima do que ele teria capacidade. Nós sempre conseguimos fazer com que o Brasil congregasse outras cadeiras de países em desenvolvimento. 

Estamos falando de Abraham Weintraub, um personagem que já gerou diversos estresses diplomáticos para o governo. A presença dele num organismo multilateral geraria algum incômodo?
Eu não posso prejulgar alguém. Definitivamente o estilo pessoal dele vai ter que se adaptar. Existem regras de convivência, de tratamento. Você não tem um diretor xingando colegas ou instituições. Há uma comissão de ética que pode condenar essas atitudes, como chegou a ser condenado em determinado momento o Paulo Nogueira Batista.  Isso restringe a capacidade de atuação da pessoa, mas estou falando aqui em termos genéricos. Não sou alguém que vai preconceituosamente falar sobre alguma pessoa com base em hipóteses.

Então é evidente que a posição exige boa capacidade diplomática?
É importante fazer a diplomacia de uma maneira tal que não gere resistências. Pelo contrário, é preciso de uma diplomacia que gere parcerias com os demais membros do board e com os membros da administração do banco em favor daquilo que o Brasil quer do banco. Quem quer que venha a representar o Brasil vai ter que lidar com uma constelação de interesses, inclusive japoneses, americanos, franceses, chineses, mexicanos, argentinos… Tem que saber lidar com os colegas de todos esses países. Existe uma diversidade enorme de interesses dentro do banco. Os interesses não são perfeitamente convergentes o tempo inteiro. Existe um conjunto de países, inclusive EUA, Reino Unido, França e Japão, que gostariam que o Banco emprestasse menos dinheiro para os países de renda média-alta, o que inclui o Brasil, o México e a China, por exemplo. Existem os países africanos, que defendem que a maioria dos recursos do banco devem ir para lá, para os países de baixa renda da África. Existem os indianos, que ultrapassaram a linha de renda baixa e gostariam que o Banco reduzisse empréstimos para China e Brasil para sobrar mais espaço para eles. O diretor-executivo precisa ir costurando e fechando acordos para a defesa de temas comuns. Às vezes os BRICS fecham posição, às vezes não. Às vezes você fecha com os alemães e com os escandinavos, que gostam que o banco opere com o Brasil e com o México em temas como mudanças climáticas. É preciso muita capacidade de diálogo para estar nessa posição. 

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