Fernando Maia/Prefeitura do RioNinguém deveria ser obrigado a financiar shows, especialmente porque nem todos gostam e irão usufruir dele

Madonna não merecia os 20 milhões de reais

A velha e clássica revitalização de estradas, comuns em ano eleitoral, veio no Rio de Janeiro em formato de show gratuito
10.05.24

O Rio de Janeiro foi palco do maior show da carreira de Madonna no sábado, 4, reunindo 1,6 milhão de pessoas na praia de Copacabana. Além do capital privado de um banco, foram investidos 20 milhões de reais de dinheiro público para fazer o show acontecer, sendo 10 milhões de reais oriundos da prefeitura e outros 10 milhões do governo do Estado do Rio de Janeiro. Não há argumento sobre retorno econômico suficientemente convincente de que foi um bom investimento. Não me leve a mal — cresci ouvindo os hits da Madonna por influência materna — mas ela definitivamente não merecia esses 20 milhões de reais.

O que leva um prefeito a negociar um show gratuito da “rainha do pop” na praia de Copacabana em ano de eleições municipais? A resposta parece óbvia, mas não é óbvia para todos. Na internet, vídeos de pessoas indignadas com uma área vip imensa que separava o palco do público circularam dias antes do show. A narrativa era sempre a mesma: “aqui é o lugar da elite, dos ricos”. A verdade é que a elite não está no eleitorado. A elite são os eleitos. A elite é o Eduardo Paes e os seus “comparsas”, juntos comemorando antecipadamente a sua reeleição ao som de “La Isla Bonita”. A velha e clássica revitalização de estradas em ano eleitoral veio em formato de show gratuito para o Rio de Janeiro. 

Antes de todo e qualquer show, há planejamento e várias negociações. O artista que decide fazer um show em uma cidade, geralmente, elabora um contrato de apresentação com o promotor do evento (ou a empresa responsável pela organização do show).

O promotor do evento também precisa firmar contratos de locação do local do show, bem como contratos de produção com empresas de som, iluminação, cenografia e segurança. Ou seja, todo esse processo é baseado em contratos privados, como deve ser. O curso natural era o que o show da Madonna acontecesse sem dinheiro público. 

Nenhum pagador de impostos contribui com o intuito de financiar shows. O pagador de impostos médio se satisfaz quando vê que a receita está sendo investida em áreas como saúde, educação e segurança pública, especialmente em um estado manifestamente abandonado pelo poder público. Ninguém deveria ser obrigado a financiar shows, especialmente porque nem todos gostam e irão usufruir desse show. Existem áreas prioritárias no Rio de Janeiro sobre as quais nosso prefeito e nosso governador quase não falam. 

O estado está entregue à narcomilícia. A educação e a saúde estão sucateadas. O Anuário Brasileiro de Educação Básica já mostrou que apenas 35% dos alunos da rede pública terminam o Ensino Fundamental com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa.

O Rio de Janeiro teve o pior resultado no Ideb da Região Sudeste em 2022. Segundo o monitor de violência do G1, o Rio de Janeiro contabilizou quase 2 mil mortes violentas no primeiro semestre de 2023, o que equivale a 10 mortes por dia. Esses são só alguns dados. Nunca houve espaço para a Madonna ser agraciada com 20 milhões do suor dos trabalhadores fluminenses. 

Para completar, Eduardo Paes achou que seria bonito postar nas redes sociais a “grande conquista” do retorno financeiro de 300 milhões de reais para o Rio, enquanto os demais líderes políticos se solidarizavam com a tragédia humanitária no Rio Grande do Sul. Embora eventos como esse possam atrair turistas e aumentar temporariamente o fluxo de dinheiro na região, os benefícios a longo prazo são questionáveis. Alguns estudos e artigos mostram que o impacto econômico real é muitas vezes exagerado e efêmero, com poucos benefícios tangíveis para os residentes locais.

Nesse sentido, ainda se considerássemos a movimentação econômica de curto prazo, é importante lembrar que o custo de oportunidade foi completamente ignorado quando esses recursos deixaram de ser direcionados para áreas mais necessitadas, trazendo benefícios reais de longo prazo. Se fosse verdade que cada milhão investido se transforma em milhões de retorno, bastaria investir mensalmente em um show internacional para nos tornarmos país de primeiro mundo. Errado. 

Aqui é o país do pão e circo. Aqui é o país onde a política é lugar de manutenção de poder. Mais vale um investimento na casa dos milhões em um show de três horas com um intuito claro de promoção da própria imagem e construção de capital político do que enfrentar com política séria os problemas enraizados do Rio de Janeiro, que jogam a qualidade de vida da população para escanteio. O Rio de Janeiro pede socorro.

 

Letícia Barros é advogada, empreendedora e vice-presidente do LOLA Brasil. 

 

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  1. Gastos absurdos e claramente eleitoreiros. Um acinte ao pagador de impostos vendo seu estado ser destruído anos após ano por narcotraficantes, milicianos e políticos corruptos. Não vejo saída para tal situação, pois, quem determina quem vai concorrer aos cargos eletivos são sempre os caciques que já estão no comando e não querem perder o status quo, assim, eleição após eleição ficam lá os mesmos.

  2. Totalmente de acordo. Pena que essa matéria, mesmo que chegue ao eleitorado carioca, não será compreendida, já observando o nível do português do seu povo, conforme relatada nessa matéria.

  3. Clareza e veracidade do texto inteirinho. Que o eleitor do RJ saiba usar com seu voto o meio mais inteligente de responder a esse prefeito de pão e circo, ou seja, de circo 🤡 apenas…

  4. Até teriam tempo para mudar um pouco o perfil dessa tragédia de "show de playback". Poderiam ter aproveitado para fazer um ponto de doações para a tragédia do RS. Nem isso fizeram.

  5. Infelizmente esse belo estado tem governantes de pessimo caráter , que resultou na evolução das narcomilicias. Não voto pra reeleger ninguém

  6. O Rio de Janeiro não pede socorro. O Rio pede: solte Barrabás. Eduardo Paes já está ungido. E, festivamente, o carioca celebra, como súdito de Momo o desfile fúnebre desse carnaval macabro. Viva o Rio. O Rio está morto!

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