Library of CongressE se o problema for um esgotamento irremediável não da imagem, mas das mensagens do presidente Lula? 

O cansaço do líder

Por ele, o dia da despedida nunca chegaria. O seu azar é que há uma parte da vida que não se controla. Simon Bolívar que o diga
10.05.24

Pouco conhecido na banda portuguesa da América, o general Simón Bolívar é figura central nas guerras de independência da Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. Sua importância se dá pelo seu valor histórico e pelo seu peso simbólico em partes iguais, considerando a essencialidade do imaginário na construção da identidade latino-americana, bem retratada pelo gênero literário conhecido como “realismo fantástico”.  

Por isso, não deve surpreender ninguém a informação de que uma das melhores fontes para conhecer Bolívar não é uma biografia historiográfica, mas um romance sobre seus últimos dias que narra uma dura viagem de despedia do poder e da vida, que ele faz entre Santa Fé de Bogotá e Santa Marta, no caribe colombiano, onde vai morrer vítima da tuberculose. Esse último caminho está no livro O General em Seu Labirinto, de Gabriel García Márquez. 

A paisagem com a qual Bolívar vai se deparando forma uma espécie de via crucis na qual o principal martírio é o constrangimento com que ele é recebido pelas pessoas comuns com as quais vai cruzando. Apesar de Gabriel García Márquez focar na decepção do general, chama a atenção de quem desvia o olho do personagem principal o cansaço que o povo também parece sentir em relação a ele. São pessoas a quem as guerras de independência cobraram um preço salgado e que ainda não conseguem identificar as vantagens da liberdade pós-colonial. 

Em um suposto diálogo com o povo narrado pelo autor, Bolívar explica que a independência era uma “simples questão de ganhar a guerra” e que os verdadeiros sacrifícios “viriam depois, para fazer destes povos uma só pátria”. O povo, possivelmente constrangido, replica, “mas general, não temos feito outra coisa senão sacrifícios” e ele responde “faltam mais”. Não é fácil estar à altura dos sonhos de um líder. 

O ocaso de Bolívar, com sua solidão, leva a refletir sobre a duração dos ciclos dos líderes e é apropriada para avaliar o momento vivido por Lula, após sua constrangedora aparição em um esvaziado comício do dia do trabalho e as dificuldades que ele vem enfrentando com as pesquisas de popularidade. 

Há um sentimento generalizado de incômodo entre integrantes do governo e de muitos jornalistas e especialistas em relação às taxas de aprovação de Lula. Culpam a polarização, o bolsonarismo, o negacionismo, o conservadorismo, os evangélicos, as redes sociais e as fake News. Como é possível, com a economia respondendo bem, que haja mais gente insatisfeita do que feliz?

Sem saber o que fazer, apela-se para tudo. É preciso anunciar mais programas, colocar a primeira-dama para dar plantão em hospitais veterinários e acompanhar o resgate de cães e gatos perdidos nas enchentes, usar termos religiosos na comunicação oficial e aproveitar selvagemente qualquer oportunidade de visibilidade. Busca-se protagonismo até em questões que, antes, não eram assuntos de chefe de Estado. 

Mas, e se o problema for outro? E se houver uma situação de cansaço em relação aos mesmos discursos e fórmulas de antes? E se o problema não for um possível retorno de Jair Bolsonaro? E se o problema for um esgotamento irremediável não da imagem, mas das mensagens do presidente Lula? 

Este é um cenário de difícil reconhecimento por parte do PT em razão de não haver ninguém com o tamanho eleitoral de Lula para substitui-lo e manter a hegemonia da esquerda. Mas, sem reconhecê-lo, o partido dificilmente será capaz de preparar um sucessor que renove seu ideário e lhe conceda perspectiva de um novo ciclo.  

Aliás, não apontar um sucessor talvez seja uma maneira de o líder se manter “indispensável”. Mesmo estando decrépito e aparentemente sem tempo até de “chegar à própria cova”, Bolívar recebeu proposta de não ir para o exílio e liderar outra conspiração. Matreiro, ele escolheu como seu herdeiro exatamente o general – Antônio Sucre – que não queria sê-lo, criando um impasse que favorecia a permanência do próprio Bolívar. 

Diz-se que Lula fez o mesmo com Dilma Rousseff, nomeando uma líder sem expressão na expectativa de que ela guardasse seu lugar para uma volta em 2014. E que Juscelino Kubitschek também tinha esse objetivo ao apoiar o general Lott como candidato da sucessão em 1960, esperando que ele perdesse e se abrisse uma boa janela para que o mineiro voltasse em 1965. 

O ponto é que, pelo líder, o dia da despedida nunca chegaria. O seu azar é que há uma parte da vida que não se controla. Maquiavel a chamou de fortuna e nela está compreendido o prazo de validade das ideias e das pessoas. Quando esse momento chega, a história mostra que ou o líder ultrapassado recorre à violência para estender seu período, ou busca a resignação, como Bolívar demonstrou no dia da sua partida de Bogotá, ao anunciar para seu ajudante: “Vamos embora, voando, que aqui ninguém gosta de nós”.  

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

 

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  1. Nada a acrescentar e nem retocar. Perfeito. A decrepitude desse ser quer se quer imortal, diz tudo. A todo discurso ele diz que ainda quer viver muito...

  2. Otimo artigo. Só incluiria a importância do carimbo de corrupção comprovadamente recebido ao longo de longo período de exposição de fatos e consequentes condenações. Lula não consegue mais juntar nem aqueles que se dizem seus eleitores - a impressão é que ainda o aguentam tapando o nariz ...

  3. No meu comentário, em que proponho a utópica renúncia do Lula, em prol da reunificação do país, o problema seria o day after: o que fazer com a Janja?

  4. Se Lula tivesse um mínimo de grandeza e percepção de seu inexorável declínio (o que acho totalmente fora de cogitação), poderia renunciar ao cargo, dando lugar a Alckmin, que, embora tedioso e sem qualquer carisma (nem talvez capacidade) para liderar um país com o porte e os problemas do Brasil, mas poderia reunificar o país, num mandato tampão, dando chance ao surgimento de uma nova liderança não polarizada em 2026; Lula então sairia para entrar na história, desta vez sem traumas.

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