Vitali, Alya e seus seis filhos em Buenos Aires, Argentina. Foto: Acervo pessoalVitali, Alya e seus seis filhos em Buenos Aires, Argentina. Foto: Acervo pessoal

Russos e ucranianos seguem com suas vidas na Argentina

21.10.23 07:33

Muito se noticiou, ainda no início deste ano, o fenômeno das grávidas russas que vieram à Argentina para aproveitar a facilidade e velocidade burocrática para obter o passaporte argentino e, assim, se realocar em outro país.

Segundo dados oficiais da Direção Nacional de Migrações, quase 35.000 russos emigraram para a Argentina entre 1º de janeiro de 2022 até junho de 2023. Apenas cerca de 10.000 permaneceram e integram uma nova comunidade de imigrantes em Buenos Aires.

Dentre esses, estão o empresário Vitali Biriukov, a coach Alya Lykhina e os seus seis filhos, incluindo a pequena Tanisha, de 1 ano e um mês de idade. Ela é uma cidadã Argentina, nascida em Buenos Aires em setembro de 2022.

A família de Vitali e Alya vivia em uma cidade próxima a Moscou quando decidiram sair da Rússia em maio do ano passado, mais de dois meses após o avanço da invasão à Ucrânia. Alya já estava grávida havia menos de três meses.

“A situação era muito incerta lá. Estávamos grávidos. Nós decidimos que seria muito melhor estar em algum outro lugar. E, então, nos mudamos”, diz Alya.

A preocupação com os outros filhos também foi decisiva na escolha da mudança. O primogênito tem quase 17 anos e quer estudar no exterior, um desejo que a guerra lhe dificulta de realizar como cidadão russo. No meio do ano passado, a Rússia anunciou a sua saída do sistema unificado de transferência universitária na Europa, o Processo Bolonha.

A família de Alya e Vitali estava acostumada a viver longe de casa. Eles tinham experiências de três a cinco meses na Índia e no Chipre, mas nenhuma estadia tão longa quanto a atual na Argentina. 

“Nós gostamos daqui. Realmente gostamos”, diz Vitali. O que o casal mais destaca de positivo na vida aqui é a receptividade dos argentinos.

Vitali, Alya e seus seis filhos em Buenos Aires, Argentina. Foto: Acervo pessoalVitali, Alya e seus seis filhos em Buenos Aires, Argentina. Foto: Acervo pessoalVitali, Alya e seus seis filhos em Buenos Aires, Argentina. Foto: Acervo pessoal
 

Outro recém-chegado imigrante russo na Argentina é Dmitry Spirin. Na Rússia, ele era vocalista da banda de punk rock Tarakany! e um crítico de Putin. Dmitry deixou o seu país em um primeiro momento ainda em meados de 2021, mais de seis meses antes da invasão em escala nacional à Ucrânia.

Ele foi alvo de um processo penal aberto por ter se juntado a outros artistas e publicado um vídeo em defesa do líder opositor Alexei Navalny, que tinha acabado de voltar para a Rússia depois de meses internado na Alemanha como vítima de um envenenamento.

Em um primeiro momento, Dmitry e a sua esposa, Tania, se mudaram para a Hungria ainda com expectativas de voltar, até a invasão. “Havia uma pequena esperança de que eu pudesse ocasionalmente retornar aos negócios ou fazer shows ocasionais, mas o início da invasão da Ucrânia de 24 de fevereiro de 2022 tornou isso impossível”, diz Dmitry.

 

Hoje, ele não trabalha mais com música e não prevê um retorno ao meio. Dmitry e Tania vivem da renda do aluguel de sua residência deixada na Hungria.

Apesar de o casal não ter filhos, o processo de naturalização é rápido. É preciso apenas dois anos de estadia para se naturalizar. 

A facilidade do processo de naturalização, exposta pelo aumento da demanda russa, levou o governo argentino a aumentar, desde junho, o limite mínimo de renda para aceite de demanda de residência temporária para qualquer imigrante de fora do Mercosul.

Para ajudar russófonos e falantes de idiomas semelhantes, incluindo o ucraniano, que queiram emigrar para a Argentina, Vitali fundou uma associação que mantém diálogo com o governo argentino. 

Eles também auxiliam os imigrantes com o trâmite burocrático e a integração cultural. A associação já deu suporte a cerca de 300 pessoas. 

Com dois amigos também russos fugidos da guerra, Andrei Anastasiadi e Denis Eliseev, o empresário ainda realiza transmissões de rádio semanais voltadas para a comunidade. Esse é um projeto separado da associação.

Crusoé/Caio MattosCrusoé/Caio MattosAdrian, Denis e Vitali conduzem programa de rádio, Rádio Argentina (Радио Аргентины) – 11/10/2023. Foto: Crusoé/Caio Mattos
 

A principal dificuldade na vida aqui citada por Vitali, Alya, Dmitry, Andrei e Denis é a língua. Crusoé conversou com todos apenas em inglês por nenhum deles se sentir confortável com o espanhol. 

Uma pessoa que ensina espanhol para essa comunidade é Alyona, de 26 anos. Ela é ucraniana, vinda do Lugansk, na parte oriental da Ucrânia. A região está sob ocupação dos russos desde 2014, quando a invasão se limitava ao leste ucraniano e à Península da Crimeia.

Alyona e sua família se mudaram para outra região da Ucrânia ainda em 2014. Depois, ela sozinha foi à Espanha concluir sua formação em comunicação educacional, onde conheceu seu hoje ex-companheiro, um argentino, que a convenceu a vir para cá em 2020.

Até hoje, Alyona se lembra dos bombardeios e tem pesadelos com as memórias da guerra.

Ela dá aulas de espanhol tanto para russos quanto ucranianos em Buenos Aires. Alyona tem cerca de 15 alunos, com média de idade de 20 a 35 anos.

Algo que a incomoda aqui é pensarem que ela seja russa. “Nunca sofri xenofobia aqui, mas sinto preconceito quando as pessoas pensam que sou russa e começam a falar russo comigo”, diz. Apesar de parte de sua família ser russa, Alyona é ucraniana.

Crusoé/Caio MattosCrusoé/Caio MattosAlyona em Buenos Aires – 11/10/2023. Foto: Caio Mattos
 

A comunidade ucraniana aqui é muito pequena, comparada à Rússia. E a maior parte dos ucranianos daqui vieram décadas atrás. Alyona diz conhecer apenas de 10 a 15 compatriotas, contra de 20 a 50 russos. Vitali, Alya e Andrei também reconhecem a pouca interação entre os russos e os ucranianos de Buenos Aires.

A propaganda de Putin atinge os imigrantes e opõe russos a ucranianos até mesmo aqui, a mais de 13.000 km de distância da guerra. Alyona comenta a frustração de encontrar imigrantes russos que acreditam na propaganda e apoiam a guerra. “Eu não trabalho com quem defende essa matança”, diz a ucraniana. Andrei confirma a presença de russos aqui que apoiem a guerra, mas afirma tratar-se de uma pequena minoria.

Nenhum dos entrevistados pela reportagem defende a guerra, e nem vê perspectiva de um final próximo. O que lhes resta é pensar no seu próprio futuro, em paz, na Argentina.

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  1. Triste saber que se encontram russos que apoiam Putin, até fora do país, quando imagino que tem oportunidade de enxergar o crime que esse home comete contra ucranianos e russos também. Guerra não é aceitável hoje em dia. Isso é coisa de eras medievais.

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