RuyGoiaba

Volta, complexo de vira-lata!

24.04.20

“Complexo de vira-lata” nem sempre foi esse clichê idiota que provoca na gente aquela vontade de dar uma surra de pinto de boi seco em quem o emite: a expressão fazia sentido quando Nelson Rodrigues a criou, décadas atrás, citando a derrota na Copa de 50 e a recuperação da autoestima do país com Pelé e Garrincha em 1958 (aspas dele: “por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”).

Cinco Copas vencidas e mais de 60 anos depois, está mais que evidente que o problema do brasileiro médio hoje — estou generalizando, sim; não gostou, azar o seu — não é falta de autoestima: é excesso. Aquilo que os cariocas, aliás especialistas no assunto, chamam de “marra”. O brasileiro é bonzão, é o bonitão da bala Chita, é aquele que “pula no esgoto e não acontece nada”, como disse o presidente, esse exemplar símbolo de autoestima 100% injustificada. Tudo que não dá certo no resto do mundo dará certo aqui porque sim — do socialismo à cloroquina à saída de uma quarentena meia-boca. Porque a gente é ESPECIAL.

Falei na quarentena e acrescento: a pandemia deixou ainda mais evidente esse traço absolutamente irritante da personalidade do brasileiro. Ele vê uma Olimpíada ser cancelada pela primeira vez fora de um contexto de guerra mundial e nem pensa na gravidade da coisa — deve ser porque esses gringos não têm “histórico de atleta”. Olha para o número oficial de casos da doença no país, finge que não há subnotificação brutal e crê que está tudo bem; é aquele tiozão que não vai ao médico porque acha que a doença só existe se você fizer o exame, aquela mente brilhante que acaba com a febre quebrando o termômetro.

José Ortega y Gasset, que em “A Rebelião das Massas” já falava no que Nelson Rodrigues chamaria de “ascensão flamejante dos idiotas” uns 40 anos depois, ficaria encantado — ou talvez enojado, não sei — com a competência dos homens-massa do Brasil de hoje em ser plenamente homens-massa: ignorância orgulhosa, mediocridade satisfeita, repetição descerebrada de palavras de ordem, burrice com iniciativa. Nada a ver com estrato social: no livro, o próprio Ortega frisa que em cada classe “há massa e minoria autênticas”. Nos deram espelhos e vimos a cara botocada de Lígia Kogos, com o filho dela gritando logo atrás, vestindo aquela ridícula fantasia de templário: elite no Bananão é isso aí.

Já que o país insiste em não ouvir meus bons conselhos, como trocar o “ordem e progresso” da bandeira por “7 a 1 foi pouco”, espero que alguém faça alguma campanha pelo resgate do complexo de vira-lata. Cuspir na própria imagem, quando essa imagem é totalmente distorcida, pode ser belo e moral, talvez até terapêutico; além disso, na minha experiência, vira-latas são mais bacanas que cães de raça. Mais vira-latismo e menos arrogância de “o brasileiro precisa ser estudado”, portanto: se ele estudar ao menos um pouquinho, já está bom.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O mais notável no tal programa PróBrasil, apresentado nesta quarta (22), não é a rasteira dos militares em Paulo Guedes, a ressurreição do general Ernesto Geisel ou a ausência absoluta de propostas concretas: é a beleza dos seus powerpoints. O aluno mais vagabundo da minha antiga faculdade se envergonharia de apresentar uma coisa dessas num trabalho em grupo. Não sei se meu favorito é aquele que não tem nem o nome dos projetos, mas prevê “crescimento acelerado” a partir de 2023, ou o da pirâmide. Talvez o segundo, que lembra um pouco a capa do livro “Universo em Desencanto” – só que menos crível.

Só faltou a turma anunciar o Plano Tim Maia de imunização racional da economia
 

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  1. Muito se fala da doutrinação comunista no Brasil mas nada se fala da doutrinação havida entre 1968 a 1984. Nessa última, fomos seduzidos, com pão e circo, a aceitarmos tudo que viesse 'de cima', tal como agora e o articulista se inclui. Só para explicar: O pão, o pleno emprego, Carajás e outros caraminguás. O circo: o de sempre. O mundo parou não NECESSARIAMENTE, porque algo nunca antes acontecido nesse planeta, tenha acontecido. Agora, a 'retumbância' (existe?) havida, concordo. Porque será?

  2. Sensacional, Sr. Ruy Goiaba. Só esta coluna já vale a assinatura da revista. Vida longa ao Goiabão!!! Em tempo: vendo as declarações de Trump e do seu clone mal ajambrado, Bolsonaro, eu me lembrei do filme "Idiocracy" - se não viste esta comédia, Goiabão do nosso coração, não perca. É o triunfo orgulhoso e despreocupado da ignorância, estágio em que chegamos aqui e na Terra do Tio Sam.

  3. Cultivamos décadas de má educação, nos dois sentidos, e o resultado é esse que vemos: uma ode diária à mediocridade orgulhosa de si mesma. O problema é grave, e a solução será demorada, se é que um dia a viveremos.

  4. Faz algum tempo que eu comentei com minha mulher sobre esse fenômeno. O problema atual do brasileiro é o excesso de auto-estima, não a falta. E parece que quanto mais burro, ignorante, feio, pobre e maltrapilho, mais fica "se achando"...

  5. Ruy Goiaba, tenho uma família grande, velhos, jovens e crianças! Ninguém em minha família teve este suposto vírus, amigos que não são poucos também não tiveram a não ser uma amiga que cujo o primo estava com alguns sintomas que acabou não dando em nada! Os hospitais aqui neste país sempre estiveram com corredores entupidos de pacientes morrendo sem mesmo serem atendidos por médicos e agora vc vem querer enfiar guela a dentro que o Bolsonaro esta errado? Acho que vcs querem fechar a revista!

  6. Quase sempre tenho que rir ou chorar com as goiabices. Haja imaginação, algumas afirmações senão cômicas, são trágicas Continue com tua imaginação criadora Goiaba, procure te ensacar como as goiabas, porque são muito fáceis de bichar.

  7. Mídia podre imbecil, o governo esta trabalhando, ao invés de criticar como um retardado mental, por que não envia sugestões? mas isto certamente não venderia sua matéria por que sua cabeça não é capaz de produzir nada de valor.

  8. acho que o JB cumpriu brilhantemente a sua missão de destronar o PT. Agora vamos à segunda parte do plano. Mourão, melhor Jair se preparando. 22 é outra história. O que o ameba não percebe é que serão todos enquadrados, mais cedo ou mais tarde. Se ele tivesse imolado o bolsofilho rachadinha na largada, teria evitado todo esse desdobramento. Fez cagada banca. Nem era um crime dos piores... A atitude desse bobalhão levou todo o bolsoclã para o buraco!

    1. Concordo. A rachadinha, todo mundo sabe, todos fazem, vereadores, deputados estaduais, federais, nomeação de parentes e apaniguados, só veem o filho do presidente? pqp

    2. Você que falar em "Rachid", me cita um partido politico que não pratique ( talvez o NOVO), cita uma câmara municipal de qualquer lugar do Brasil, todo parlamento pratica esta nojeira e vc quer falar do Flavio, vai se informar melhor.

  9. Minha esposa faz faculdade de gestão financeira e as duras penas conseguiu entender o que era para ser a pirâmide, só que esta pirâmide possui 3 níveis, tático, técnico e operacional. assim como a seta da próxima pagina que era para ser um circulo PDCA, mas que se perde ao infinito, além de ter os termos misturados.

  10. Ruy, faz umas 5 ou 6 semanas, comentei aqui que vc tem complexo de vira latas, ou SRD, como preferir... terei tido a honra de inspirá-lo ou foi coincidência???? De todo modo, espero que vc não encontre nenhum vou pela frente....sabe-se lá do que vc seria capaz.... Sua coluna (jornalistica) dessa semana foi a elegia ao viralatismo ..consulte seu psiquiatra...

    1. teclado de m...Reescrevendo:Espero que vc não encontre nenhum boi pela frente. Perdão, santidade.....(é complexo de SRD).

  11. Isso. Nelson Rodrigues invocou a imagem futebolística, que é apenas um jogo. Gabar-se de ser melhor no futebol é uma circunstância e não resolve a vida de ninguém. Em termos civilizatórios, estamos ainda muito longe. A gente (de todas as classes) não consegue usar uma máscara no rosto em homenagem ao próximo. E quando um brasileiro genuinamente se destaca em termos mundiais, e eles existem, a gente até desconfia.

    1. o comenta o momento e nem sempre a verdade está toda apresentada. A sensatez é importante. esse affer

  12. Também acho os vira-latas muito simpáticos. Daí sugiro mudarmos o nome desse complexo: que tal complexo de ameba, numa referência direta à nossa capacidade de cognição?

  13. Bolsonaro roubou a cena. É o vira-lata da semana. Veja só a escassez de comentários, Goiaba. Cuspiu na própria imagem, lambusou-se em rede nacional com mentiras e contos íntimos e deixou o Bananão todo encantado. Como num feitiço que se volta contra o feiticeiro, pela aparência das caras da claque de ministros obrigados a participar do pronunciamento, cuspiu em Moro, em si próprio e na esperança do povo brasileiro por dias melhores. Mas que teremos muito assunto, pelos próximos dias, teremos.

  14. Pela primeira vez discordo da goiabice da semana, porque essa semana contou com a goiabice do século: Ernesto Araujo e o COMUNAVÍRUS! Rsrsrs

  15. Crônica sóbria sobre o País-Potência. Tia Artemísia, que medicou tantos narcisistas e psicopatas, estudou ciência enqto suas colegas se satisfaziam com diplomas do então chamado curso normal. Absolutamente aceitável naqueles tempos. Malgrado seu apego à ciência, minha tia crê que Deus é brasileiro. Se não fosse, pondera, o País teria soçobrado, após suportar tantos próceres movidos a cocaína, húbris, santo-daime, calibrina e cloroquina. Estamos na esquina do mundo, diz ela, mas sem naufragar.

    1. Resiliência é o nome que se dá à atitude da minha tia. Apesar da sucessão de próceres inaptos, ineptos ou corruptos, as pessoas mais idosas esperam que, milagrosamente, o País consiga sobreviver a tamanho desfile de preguiça, egoísmo, inépcia e pura sandice. Se você argumentar que o País só não afunda por contar com a diligência dos chamados burros-de-carga, gente excepcional em termos de conhecimentos e dedicação ao trabalho, terá como resposta: Como poderia ser de outro modo? E la nave va!

    1. É Alvaro, e é sabido que o país não afunda, é porque merda boia.

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