Arthur Barreto/ BFR via InstagramTorcida do Botafogo: enredo do Campeonato Brasileiro de 2023 já se tornou cruel demais

Botafogo virou máquina de tortura

Ficará gravado na memória do botafoguense um trauma inacreditável e o conselho eterno: “Nunca acredite no seu time!”
01.12.23

Existem várias formas de sair derrotado de uma partida de futebol. E o botafoguense experimentou as piores delas nas últimas semanas. Escrevi outro dia que os torcedores do Botafogo foram seduzidos a acreditar no time mais do que deviam, a esquecer a prudência costumeira e cantar vitória antes do tempo. Teve torcedor que chegou a tatuar o título deste ano no corpo. Eles foram levados a cair numa armadilha, enfim. Mas o enredo do Campeonato Brasileiro de 2023 já se tornou cruel demais.

“É um aparelho singular”, diz o oficial a um explorador em Na Colônia Penal (Companhia das Letras), de Kafka, ao apresentar sua máquina de tortura. “Como se vê, ele se compõe de três partes. Com o correr do tempo surgiram denominações populares para cada uma delas. A parte de baixo tem o nome de cama, a de cima de desenhador e a do meio, que oscila entre as duas, se chama rastelo”, continua.

O aparelho é utilizado para escrever no corpo do condenado com agulhas a norma infringida, para que ele a experimente “na própria carne”. No caso do conto de Kafka, seria escrito “Honra o teu superior!”, pois o condenado dormiu em serviço. No caso dos botafoguenses, ficará gravado na memória para sempre um trauma inacreditável e o conselho eterno: “Nunca acredite no seu time!”.

Na noite de quarta-feira, 29, a equipe comandada por Tiago Nunes teve um jogador expulso logo aos 28 minutos do primeiro tempo contra o Coritiba. O sonho de ganhar o campeonato parecia acabar ali, mas, no fim da primeira etapa, os alvinegros ganharam a chance de acreditar de novo. Jamerson também foi expulso e o número de jogadores voltou a se igualar. A partida se encaminhava para o empate sem gols quando, no que parecia o último lance do jogo, Carlos Alberto sofreu um pênalti.

Aos 51 minutos do segundo tempo, Tiquinho Soares bateu bem e abriu o placar. Naquele momento, o Botafogo estava de volta à briga pelo título, um ponto atrás do Palmeiras, com 65 pontos. O time, que jogava contra um adversário já rebaixado em um estádio sem torcida — devido a punição por invasão de campo —, voltava a ganhar após oito jogos sem vitória. Mas o jogo no Couto Pereira ainda teve mais dois minutos, durante os quais o Coritiba empatou com Edu.

Isso já seria tortura o bastante, mas vem acontecendo há meses. O Santos empatou com o Botafogo em 1×1 aos 45 minutos do segundo tempo. O Red Bull Bragantino também chegou ao empate, por 2×2, aos 51 minutos da etapa complementar, e isso depois de o Botafogo virar a partida, que começou com um gol dos adversários aos dois minutos de jogo. E as derrotas recentes foram ainda mais dolorosas. A derrota para o Palmeiras por 4×3 após o Botafogo abrir vantagem de 3×0 no primeiro tempo. A queda diante do Grêmio pelo mesmo placar depois de abrir 3×1.

Isso tudo depois de conseguir impor uma diferença de 13 pontos para o segundo colocado. Eram quatro vitórias e um empate de distância, uma vantagem que o clube de General Severiano foi perdendo com requintes de crueldade. Era algo que se imaginava inalcançável, ainda mais diante de um time que parecia iluminado, para o qual praticamente tudo dava certo.

Durante a atual temporada, viralizou um vídeo em que o ator Stepan Nercessian traduziu com eloquência a alma botafoguense. Ele deu entrevista ao Cheguei Podcast do Garotinho quando o time ainda estava no topo. “O botafoguense é muito descrente. Tem uma turma mais jovem, que está indo [ao estádio], que pula, canta. Nós, botafoguenses, a gente tem medo”, explicou.

Diante da incredulidade do entrevistador, Stepan, que já foi vereador pelo Rio de Janeiro e deputado federal, sustentou o pessimismo e disse que preferia que seu time tivesse perdido para o Cruzeiro na última partida, para acabar o oba-oba. Para ele, 13 pontos de vantagem era pouco. “Eles [adversários] podem ganhar também. Você acha que botafoguense mesmo, de verdade, acha que já está ganho? Esse campeonato?”, questionou Stepan, lembrando a perda do título da Copa do Brasil para o Juventude em 1999.

Na colônia penal de Kafka, o condenado não foi informado do que tinha sido acusado e também não recebe a oportunidade de se defender. É exatamente como imagino que os botafoguenses se sentem na reta final deste Brasileirão.

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  1. Não há como sentir pena de quem faz evaporar uma vantagem dessas. Da torcida sim, coitada. Mas, apanágio, há coisas que só acontecem ao Botafogo né?

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