Foto: Oliver Paul via Wikimedia Commons

O governo Lula contra a Lei Rouanet

Captação de recursos na Lei Rouanet diminuiu 56,62% em comparação ao mesmo período do ano anterior
01.12.23

Segundo dados do sistema Salic Web, plataforma do Ministério da Cultura onde são inscritos os projetos da Lei Rouanet, a captação de recursos através da lei diminuiu 56,62% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Não deixa de ser surpreendente: a captação através da tão falada Lei Rouanet – e tão “defendida” publicamente pela esquerda – diminuiu abruptamente após o Governo Bolsonaro, já no Governo Lula.

 

Reprodução

 

Como se explica tal diminuição? Primeiro de tudo: a captação através da Lei Rouanet vinha num crescente desde a sua criação, em 1992. Foram captados mais de 26 bilhões de reais de lá para cá. O maior crescimento se deu nos dois últimos anos do Governo Bolsonaro, 2021 e 2022, chegando ao valor de 2,1 bilhões.

Curiosamente, o ex-presidente Bolsonaro tinha uma retórica assumidamente contra a Lei Rouanet e o financiamento de cultura de uma forma geral. Vale dizer, não foi só retórica: Bolsonaro chegou a vetar a renovação da Lei do Audiovisual (que é como uma Lei Rouanet para o cinema), em 2019, mas o Congresso Nacional derrubou o veto e a lei continuou. Tal retórica cristalizou-se na atuação do secretário Mário Frias, que chamava a lei literalmente de “mamata” e classificou os nomes que se utilizaram do mecanismo de “elite sindical arrogante”, não obstante ter-se utilizado do mecanismo no passado.

E a base do Governo Lula, pelo contrário, tinha uma retórica de defesa das leis de incentivo nos últimos anos. O Ministério da Cultura foi recriado com o slogan “a cultura voltou”. A Lei Paulo Gustavo, por exemplo, está sendo aplicada tendo um valor total de 3,8 bilhões reais –  dividido pelos estados através de editais.

Mas a captação na Lei Rouanet teve uma queda repentina. Nesse aspecto, a cultura não voltou. Nos bastidores, o que se diz é que o governo tem propositalmente atrasado a aprovação dos projetos daqueles que não são aliados. É a chamada prática do balcão: só aprova quem faz lobby ou se aproxima do governo. Produtores têm reclamado da demora na aprovação dos projetos, inclusive empresas captadoras que estão entre as maiores do mercado.

Para completar, o Ministério da Cultura anunciou em outubro o programa Rouanet nas Favelas, que irá investir 5 milhões de reais especificamente nos estados do Pará, Maranhão, Ceará, Bahia, e Goiás. Tal ação só foi possível com o decreto aprovado em março com alterações na Lei Rouanet, com novas diretrizes que permitem que o governo atue junto aos patrocinadores. De acordo com o decreto, “os mecanismos de fomento do país devem promover a diversidade cultural, a superação do patriarcado e a erradicação de todas as formas de preconceito”, segundo matéria da Folha de S.Paulo.

Tais alterações desviam o sentido da lei, cujo objetivo era tirar do Estado a escolha dos projetos – essa escolha passava para a iniciativa privada, através da isenção fiscal. A Lei Rouanet foi criada com o objetivo de desestatizar o financiamento da cultura. O incentivo deixava de ser direto (como nos editais, em que o dinheiro passa do Estado para o proponente), e passava a ser indireto (através da isenção fiscal).

E não só isso: a lei impede o Estado de decidir o que financiar. A princípio, qualquer projeto que estiver com os documentos e o orçamento corretos é aprovado. Cabe às empresas decidir o que vai efetivamente ser financiado.

É por isso que os petistas se opuseram à Lei Rouanet quando foi criada e o governo Lula tentou de todas as formas mudá-la – sem sucesso. Eles diziam que a Lei Rouanet era a privatização da cultura. Contra a lei, criaram uma série de editais durante os governos Lula e Dilma, em que podiam selecionar diretamente os projetos aprovados e até sugerir previamente o tema do projeto cultural.

Agora, estão conseguindo colocar em prática como nunca o tão sonhado dirigismo cultural – mesmo que para isso precisem destruir as leis de incentivo.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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