Ministério da JustiçaO Palácio da Justiça: um ministério que é um mistério - Foto: Divulgação

Para que serve um Ministério

Como toda pessoa sã, eu me pergunto se umas Secretarias ou Departamentos não dariam conta do recado até com sobras
01.12.23

Como toda pessoa sã, eu ignoro a serventia e o que faz a maioria dos Ministérios nacionais; no máximo, tento deduzir o que fazem a partir dos seus nomes. Assim, deduzo que o Ministério da Educação e Cultura avalie ou desenvolva os nossos modos à mesa e vigie as nossas leituras; que o do Trabalho nos veja trabalhar; que o da Agricultura vá ver se as plantações andam bem, se está chovendo a contento, se a fabricação de enxadas é suficiente, etc.; que o da Aeronáutica fique de olho nos aviões e, quem sabe, nos balões e na passarada; e assim por diante. E, como toda pessoa sã, me pergunto se é preciso mesmo que haja Ministérios para cuidar dessas coisas todas – se umas Secretarias ou Departamentos não dariam conta do recado até com sobras. Tudo indica que não; mas os sãos somos assim, nos equivocamos muito com esse tipo de assunto.

Ora, eu, é claro, quero melhorar, quero me equivocar menos, ainda que à custa de uma parcela da minha sanidade. Daí que, curioso e com a mente aberta, fui procurar saber o que faz e para que serve um Ministério. Escolhi o da Justiça, por duas razões. A primeira é que ele parece especialmente inútil. Não porque não haja Justiça neste país; veja bem, não é nada disso – é que o país tem um Poder Judiciário, que é quem administra a Justiça, e um Poder Legislativo, que é quem fabrica as leis que o Judiciário aplica. Onde, nesse arranjo, entra um Ministério é um mistério. E a segunda é o cartaz imenso que seu grandioso ministro vem tendo, cotado que está – que digo, cotado? indicado e já de antemão aceito – para um lugar entre os Onze Ases que, esses sim, velam de cima pela Justiça como onze imponentes camirangas – como se fossem onze Ministérios.

Na minha rápida pesquisa, se é que cabe chamar uns cliques aqui e ali de pesquisa, descobri que o Ministério da Justiça cuida, na verdade, não da Justiça em si, a qual, como dito, forma poder à parte, mas sim de, oh, de coisas justas. De coisas que tem que ter para que o país possa ser chamado, como Aristides, de Justo. De coisas que é justo que existam. Entendi isso quando vi que estão lá, sob as asas, ou, como dizem os juristas, sob a égide do Ministério, o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, FDD, o Comitê Nacional para os Refugiados, Conare, o Conselho Nacional de Política Indigenista, CNPI, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Cade.

Quantos órgãos – são órgãos, não são? – necessários. Sem eles, caramba, como Brasil seria injusto. Porque é justo que se defendam os direitos difusos, sejam lá eles o que forem, ainda mais com a graninha de um fundo. Idem, que haja comitê para… o que fazem os comitês? Comiteiam?… enfim, para comitear os refugiados, talvez organizando uns convescotes de boas-vindas, pondo uma bandinha para tocar, essas coisas. Ibidem, que se deem bons conselhos às políticas indigenistas. Ibidem, que se deem bons conselhos administrativos à defesa econômica. Bom conselho também é coisa justa, puxa vida. E tudo isso na verdade é tão justo e necessário que, pimba, tinha mesmo que estar nas mãos consagradas de um Ministério da Justiça, ao qual é nosso dever dar graças sempre.

Daí que seja mesmo questão de justiça, nem que de justiça poética (a justiça poética, como o papel, aceita tudo), a gente ter um Ministro da Justiça içado ao, como direi, pódio nacional da Justiça, um pódio com onze primeiros lugares, onze medalhas d’ouro, e nele continue a ter a fronte ornada com louros de Ministro. É pois justo que esse Ministro se torne Ministro vitalício. Peso no cenário e corpo na doutrina para isso, ele tem.

* * *

Os gregos fizeram de Têmis, deusa da Justiça, uma deusa cega para que não visse quem era quem na hora de levar culpas e desculpas à balança. O Brasil, sem lhe mexer na imagem, aperfeiçoou a deusa: manteve-a cega para que ela não veja quem rouba no peso.

* * *

Em tempo: enquanto escrevo, o panteão a que, sem grande esforço aliás, o Ministro será alçado decretou que os veículos de imprensa podem ser responsabilizados pelas falsidades ou mentiras que seus entrevistados disserem. Eles estão, não proibidos, veja bem, que aqui a liberdade é ampla e a democracia reina, mas avisados: cuidado com o que vai pro papel (ou pras telas).

Como essa decisão torna quase impossível entrevistar qualquer político sobre qualquer assunto, sugiro à imprensa que doravante entreviste só palestrantes da Flip. Vai ser muito difícil responsabilizar a publicação por coisas como “eu acho, sim, que instigar a produção de novos sentidos nos processos de vivência em abordagens que se desdobram à luz dos saberes e dos afetos tecidas pelo encontro da palavra entre a realidade fluida e as heranças poéticas das ancestralidades é uma urgência da nossa sociedade”.

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  1. PARA QUE SERVE UM MINISTÉRIO? BOA PERGUNTA. NUM GOVERNO SÉRIO E SEM CORRUPÇÃO EU PODERIA CITAR VÁRIAS FUNÇÕES. NESSE GOVERNO SERVE PARA DISTRIBUIR O DINHEIRO DO BHURRO POVO BRASILEIRO AOS APADRINHADOS COMUNISTAS.

  2. Numa efetiva mudança de condução deste país os mandatários da vez deveriam levar em conta tudo que está escrito aqui. Imagina quanto melhoraria nossa economia se dispensássemos metade dos cargos inúteis (e comprados) desses ministérios? O que dizer do Ministério da Igualdade Racial? Faz falta ou só hão gastos?

  3. Um primor de artigo. Parabéns à Crusoé. Mas fiquei com uma dúvida atroz: meus comentários ? Nossos comentários? A Crusoé poderá ser responsabilizada pelas "falsidades ou mentiras" dos leitores? Teremos que nos especializar nos diversos temas abordados para poder comentar? Rapaz...

    1. Acabar com as áreas de comentários deve estar na intenção dessa proposta também.

  4. Pensei em fazer, como Nelson Rodrigues em A Cabra Vadia, entrevistas imaginárias. Mas, pensando bem, vai que a imaginação seja comparada, para efeito jurtídico, a fakes news...

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