O prédio da Bolsa de Nova YorkO prédio da Bolsa de Nova York: pensamentos fixos - Foto: Dietmar Rabich / Wikimedia Commons

Para onde os mercados estão olhando?

Muitas coisas esdrúxulas estão acontecendo no mundo, mas os investidores das Bolsas de Valores só conseguem prestar atenção em duas
05.10.23

Nos últimos quinze anos, aconteceram alguns eventos que afetaram sobremaneira os mercados de renda fixa e variável, tanto os brasileiros quanto os internacionais.

O primeiro deles foi a crise do subprime (2007/2010), quando os bancos e sociedades de crédito imobiliário americanos especularam desenfreadamente com hipotecas, elevando artificialmente os valores dos imóveis e concedendo empréstimos aos seus proprietários, aceitando irresponsavelmente como garantia esses preços inflados.

Resultado: tal como acontece em toda bolha especulativa, o mercado imobiliário chegou num ponto de exaustão.

Os preços dos imóveis começaram a cair, não restando aos donos das propriedades urbanas e rurais hipotecadas outra opção senão entregar seus imóveis às instituições financeiras, tal como acontecera nos anos 1930, durante a Grande Depressão.

Restou aos governos George W. Bush e Barack Obama usar dos recursos do Tesouro para que os Estados Unidos não corressem o risco de uma crise semelhante à que se sucedeu ao crash de 1929.

No episódio do subprime, as duas maiores sociedades de crédito imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, foram estatizadas. Simultaneamente, diversas grandes empresas americanas sofreram intervenção de Washington.

Mas pelo menos alguém tinha de pagar (nem que fosse para servir de exemplo) e o “patíbulo” coube ao banco Lehman Brothers, que fechou suas portas.

O mercado de ações não deixou barato. Entre julho de 2007 e fevereiro de 2009, o índice S&P500 perdeu quase metade de seu valor, caindo de 1.534,10 para 826,84.

Aqui no Brasil, em seu 2º mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia dito que a crise americana provocaria não mais do que uma marolinha nestas bandas, mas viu o Ibovespa perder 60% de seu valor só entre  maio e outubro de 2008.

Pois bem, como não há mal que sempre dure, os Estados Unidos entraram em um período virtuoso. As empresas estatizadas por causa da crise voltaram aos seus antigos proprietários, a maioria antes do prazo concedido pelo governo.

Nas terras tupiniquins, o mercado passou a olhar, a olhar com desdém, para a administração Dilma Rousseff, que tomou, na área econômica, todas as medidas possíveis para controlar, na marra, a inflação, apenas para se reeleger.

Nesse tempo, a economia brasileira se divorciou totalmente da internacional. Esta entrou num ciclo de inflação baixa, juros reais (e até nominais) negativos e bolsas em alta.

Surgiu então, no início de 2020, a pandemia da Covid-19, desarranjando a economia mundial.

Lojas, restaurantes, supermercados, salões de beleza, hotéis… tudo isso foi fechado. As companhias aéreas cancelaram seus voos, com exceção dos cargueiros. Os cruzeiros marítimos, suspensos.

O mundo simplesmente parou.

Para que as pessoas não passassem necessidades por falta de recursos, os governos distribuíram dinheiro a rodo.

Nos Estados Unidos, as taxas de juros caíram para zero. No Brasil, para 2% ao ano, o menor nível desde que a taxa Selic foi criada.

Tudo isso mudou o comportamento das pessoas, que passaram a trabalhar em casa (aquelas cujas profissões permitiam isso) e agora algumas não querem voltar.

Não bastasse tudo isso, certas coisas esdrúxulas estão acontecendo, como se o perfil de comportamento dos cidadãos tivesse mudado.

No estado da Califórnia, por exemplo, uma lei determinou que furtos de mercadorias de valores abaixo de 950 dólares não são crimes. Apenas contravenções.

Então as pessoas entram nas lojas, enchem sacolas com artigos os mais diversos e saem sem a menor pressa.

Como os funcionários e seguranças dos estabelecimentos têm ordem para não interferir, ninguém vai até o larápio conferir se ele obedeceu ao limite de tolerância.

Em Paris, que sediará os Jogos Olímpicos do ano que vem, os hotéis triplicaram o valor de suas diárias. Isso apesar de estarem infectados por uma onda sem precedentes de percevejos.

Numa atitude inédita na história americana, a House of Representatives (Casa dos Representantes, equivalente à nossa Câmara dos Deputados) destituiu seu presidente (speaker) Kevin McCarthy e agora só poderá voltar a funcionar quando eleger um substituto.

Tudo isso porque McCarthy colaborou com Joe Biden na aprovação do orçamento. Caso contrário, o governo pararia.

O curioso é que nada do que eu escrevi acima está afetando os mercados, que só olham para dois fundamentos: inflação e taxa de juros.

Se os percevejos parisienses serão exterminados, se a eleição do novo speaker vai demorar ou se a gatunagem voltará a ser passível de prisão na Califórnia, isso é assunto para segundo plano.

O que interessa é saber se nas próximas reuniões do Federal Open Market Committee, FOMC – o Comitê Federal de Mercado Aberto do Banco Central americano – a taxa básica será mantida ou elevada.

É isso, e somente isso, que mexerá com seu bolso, caso você seja um investidor em ações. Seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia ou no quinto dos infernos.

 

Ivan Sant’Anna é escritor e investidor

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  1. Ivan, gosto muito e espero toda semana sua crônica sobre a atualidade X história dos mercados financeiros. Para mim, considero como crônica e é um prazer ler toda semana sua coluna. Parabéns

  2. O mercado crê poder viver num vácuo financeiro. E, sinceramente, parece poder. A crise de 2008 deixou claro que seus crimes e ganância passam impunes. O dinheiro que geram compram-lhes a segurança que evita a gatunagem, o lobby na Câmara dos Representantes independentemente do seu Presidente e a garantia de dormir num hotel 6 estrelas em camas forradas com lençóis de linho egípcio e travesseiros de pena de ganso sem qualquer percevejo. O povo que deve ler a política e preparar o lombo. Perderá

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