AramcoFuncionário da Aramco, em 1965

Pessimismo atávico

Quando a era dos combustíveis fósseis estiver chegando ao fim, o Brasil será um dos maiores produtores de petróleo do planeta
08.06.23

Andam falando muito de um possível confronto militar entre os Estados Unidos e a China.

Pago pra ver.

Os arsenais nucleares das duas potências invalidam essa possibilidade, que ocasionaria uma destruição mútua, sem contar as dezenas e mais dezenas de países que sofreriam danos colaterais.

Também não creio na hipótese de um ataque chinês à ilha de Taiwan (Formosa). Se não fizeram isso até hoje, é sinal de que tal coisa não consta dos planos de Pequim.

A guerra na qual acredito é a de preços que, segundo meu juízo, está começando no mercado de petróleo.

No último fim de semana, a Arábia Saudita anunciou o corte de 1 milhão de barris diários em sua produção.

Esse tipo de atitude (que aconteceu principalmente durante o pico da Covid) englobava todos os membros da OPEP+ (sendo que o + significa Rússia), que cumpriram o combinado, não deixando que o preço do barril caísse demais quando a demanda despencou.

Agora não. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, e seu ministro do Petróleo, Abdulaziz bin Salman al Saud, decidiram, unilateralmente, cortar em 1 milhão de barris diários a produção do reino.

A razão para essa medida foi o fato de que a Rússia, o “+” da Opep, anda vendendo petróleo abaixo do preço de mercado para a China, principalmente para a China, além de outros países.

Nos dois primeiros dias após o corte saudita, a cotação do Brent na Europa e do WTI (Western Texas Intermediate), na Nymex, apresentaram pequeno bull run. Então o mercado caiu na real e percebeu que uma coisa é a Opep reduzir sua produção em 1 milhão de barris, outra é a Arábia Saudita fazê-lo sozinha.

Ninguém sabe o que se passa na cabeça do príncipe Bin Salman. Mas pode ser, e é bem possível, que ele anule o corte de produção e, no sentido inverso, inunde o mercado. A Aramco tem bala para isso.

Guerra de preços no mercado do petróleo já aconteceu em outras ocasiões, assim como ocorreram altas formidáveis provocadas pela Arábia Saudita, sendo a mais importante a dos cinco meses que se seguiram à guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), quando o barril subiu de três para 12 dólares.

Por outro lado, em abril de 1986, quando houve uma guerra de preços entre os países da Opep, guerra essa que levou a cotação do petróleo de 30 para 13 dólares em apenas cinco meses, foi preciso que o vice-presidente George H. W. Bush (Bush pai) viajasse de Washington para a Arábia, onde o rei Fahd concordou em diminuir sua produção.

Algo os sauditas levaram em troca, provavelmente aviões de caça e outros armamentos, embora isso seja apenas uma hipótese que estou levantando.

No momento atual, tudo indica que a tendência do mercado de petróleo seja cair, em função do desenvolvimento cada vez maior de alternativas energéticas limpas, além da possibilidade de uma pequena recessão mundial.

Até março de 1938, a principal renda da Arábia Saudita provinha do turismo religioso, ou seja, das peregrinações de muçulmanos de todo o mundo às cidades sagradas de Meca e Medina.

Então os americanos descobriram, em Dhahran, na região leste da península saudita, as maiores reservas mundiais de petróleo do planeta.

À época, o reino ainda era governado por seu fundador, Ibn Saud, um beduíno de quase dois metros de altura, de porte impressivo, que conseguira reunir e conciliar as tribos do deserto (que viviam guerreando entre si), transformando-as em uma só nação.

Quando Ibn Saud deu a concessão à Socal (Standard Oil of California) para prospectar as areias do deserto, ele pensava estar enganando os americanos. O monarca acreditava que os geólogos acabariam descobrindo um lençol de água doce, que era o que mais o interessava.

Por essa razão, as cláusulas do contrato, com relação a petróleo, eram favoráveis à Socal e lesivas à Península.

Essas condições prevaleceram durante 35 anos, quando o então rei Fahd, juntamente com seu mítico ministro do Petróleo, Ahmed Yamani, puseram as coisas no lugar, nacionalizando a Aramco e impondo os preços.

Nessa questão de petróleo, o Brasil está sempre um passo atrás.

Quando Getúlio Vargas fundou a Petrobras, e lançou o slogan “O petróleo é nosso“, só existiam algumas reservas insignificantes no Recôncavo Baiano.

Mais tarde, o Brasil contratou o geólogo americano Walter Link, para verificar se havia ou não jazidas comercialmente viáveis no país.

Como Link não encontrou nenhuma evidência de tal riqueza (com exceção de possíveis reservas submarinas, o que acabou se tornando realidade), foi execrado pelo governo, pela imprensa e pela opinião pública.

Na primeira metade dos anos 1970, foram descobertas as jazidas profundas da bacia de Campos.

Em minha opinião, se a Petrobras tivesse sido privatizada, nós estaríamos num estágio muito mais avançado em termos de quantidade de óleo produzido.

Um dia o Brasil será um dos maiores produtores de petróleo do planeta. Só que (desculpem o meu pessimismo provavelmente atávico) isso acontecerá quando a era dos combustíveis fósseis (iniciada em meados do século 19) estiver chegando ao fim.

 

Ivan Sant’Anna é escritor e investidor

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Nunca é tarde para um debate racional sobre fontes e matriz energética. O Brasil, com um potencial gigante praticamente adormecido, segue a " nova tendência mundial", vários passos atrás do progresso e independência energética. Êita mania de pobre.

  2. Prezado Ivan, se vc é investidor, é uma pessoa q acredita na Democracia e portanto na liberdade e contra a estatização da economia. Lula o PT e as esquerdas desonestas querem as estatais p poderem roubar como sempre fizeram em governos anteriores. O governo Lula não vai promover o progresso do Brasil. Lula não consegue ver isso. A esquerda é o atraso! Lula não pensa racionalmente, com sua ideologia vai estragar nosso país ainda +. Está a quase 1/2 ano no poder e só pensa em coisas irrelevantes.

  3. Bem isso. Só quem quer o populismo e a grana da Petrobras finge que não vê. Honestamente, prefiria a bossalidade do Bolsonaro à inteligência perversa do PT. Pelo menos, ele se dizia incopetemte e tinha seus postos Ipiranga. Agora temos a arrogância e o domínio de todos os postos. Que desgraça!

  4. Não esquecendo que foi Monteiro Lobato quem começou a exploração de Petróleo neste país, apesar das dificuldades criadas pelo governo de Getúlio Vargas.

  5. Não existe uma única atividade humana que um governo possa fazer de forma mais eficiente, ágil, econômica, eficaz, honesta e racional que a iniciativa privada.

    1. 100% de acordo. Colocou o governo, o assunto, desanda, principalmente no nosso bananão. Triste realidade. Realmente se a Petrobras tivesse sido privatizada com certeza seria uma das maiores e melhores empresas de petróleo, e não esse “cabidão” de emprego que se tornou. Tenho um slogan a propor: O PETROLEO NÃO É NOSSO. ELE É DOS PETROLEIROS (Empregados da petrobras) que distribui lucro até quando a empresa apresenta prejuizo…

  6. Concordo plenamente contigo, Ivan. E não é pessimismo, é simplesmente constatação de que estamos emperrados no passado. Até Bin Salman já está buscando alternativas para ganhar dinheiro sem depender de petróleo. Está investindo bilhões no mega projeto THE LINE. A ideia é aumentar o turismo. Dê certo ou não essa cidade sustentável (que está sendo muito questionada por experts), eles estão olhando para décadas à frente. Eles sabem que o petróleo está com seus dias contados.

Mais notícias
Assine agora
TOPO