Foto: Reprodução/RecordO apresentador Gugu Liberato: Agamenon vai ao programa do Ratinho fazer um teste de DNA

Você não vai acreditar no que aconteceu com Ruy Goiaba!

09.06.23

No início dos anos 2000, quando ainda não existiam redes sociais e gigantescos répteis caminhavam sobre a Terra, eu tinha um blog chamado puragoiaba — assim mesmo, em minúsculas, porque eu era meio metido a e.e. cummings (googlem aí se vocês não sabem quem foi). Mais para o meio da década, se a memória não me engana, apareceu na blogosfera o Fotos da Sandy Pelada; era um blog escrito por Ronald Rios, que depois faria carreira como comediante, e obviamente não tinha foto nenhuma da irmã do Júnior em seu birthday suit. O título era assumidamente caça-clique, para fazer todos os tarados que jogassem no Google esse tipo de busca aterrissarem no blog dele.

Quinze ou vinte anos depois, esse Fotos da Sandy Pelada basicamente se tornou o padrão dos sites noticiosos, aqui no Brasil e lá fora. O nome técnico disso é clickbait, literalmente “isca de cliques”, e o motivo da sua existência é óbvio: clique significa audiência, que significa dinheiro. A necessidade de cliques mudou, inclusive, a forma como os textos jornalísticos são escritos hoje: você não pode entregar no título toda a história que uma reportagem conta, porque se for assim o eventual interessado não vai nem clicar para ler. Claro, há maneiras e maneiras de fazer isso, e a mais apelativa é essa que usei no título desta coluna (“lembra da atriz Fulana? Você não vai acreditar em como ela está hoje!”). Não há nada para crer ou descrer aqui, sou só eu escrevendo as bobagens de sempre.

O problema — evidente para quem acompanha os sites de notícia, e mais ainda para quem trabalha neles — é que isso não se restringe aos títulos: existem também assuntos que são clickbait. Considere o cardápio habitual de um site como O Antagonista e dos seus concorrentes: STF, marco temporal, Arthur Lira, Deltan Dallagnol ou mesmo temas “fundamentais para os destinos do país”, mas extraordinariamente chatos, como reforma tributária. Agora me digam como é que isso tudo tem condições de competir com a suposta sextape do Gugu e o risco de vermos um pintinho amarelinho não solicitado, pelas redes ou pelo zap.

Houve outro ótimo exemplo na semana que passou: duvido que os fundadores do Estadão, vetusto jornal com quase 150 anos de existência, pudessem prever que um dia a matéria mais lida de sua edição digital seria um texto de serviço sobre as melhores maneiras de limpar o bozó (“Papel higiênico, ducha ou lenço umedecido? Saiba qual a melhor forma de se higienizar”). A reportagem foi publicada pouco depois de a ex-BBB Ana Clara dizer ao PodPah, um podcast bastante popular, que não usava mais papel higiênico depois de fazer cocô. Quem quiser ver o copo meio cheio nessa história pode dizer que, bom, pelo menos o brasileiro quer aprender a se limpar direito: falta agora um ex-BBB homem que divulgue a técnica infalível para não fazer xixi fora do vaso. (Vivemos, afinal, num mundo em que as “Instruções para subir uma escada” daquele conto do Julio Cortázar já devem ter virado tutorial no YouTube, feito 100% a sério.)

Se as suas pautas habituais, meu amigo jornalista, não incluem a vida sexual de Gugu Liberato nem os movimentos peristálticos dos ex-participantes do BBB, você está lascado: vai ter que transformar o IVA dual da reforma tributária em um assunto minimamente sexy. Sugiro encarar isso como um desafio, pelo menos neste momento em que nossa profissão ainda não se tornou tão extinta quanto os dinossauros. Vamos tentar nos divertir um pouco enquanto o meteoro definitivo não vem — até porque, se vier literalmente, vai dar clique de montão.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Como já escrevi aqui outras vezes, tudo, absolutamente tudo que existe pode ser problematizado, e a bola da vez são as festas juninas. Reportagem recente do jornal Valor nos adverte de que “não dá mais para representar o caipira com chapéu de palha e dente preto” e que — olha o clichê aí, gente —, “segundo especialistas”, a “pasteurização” das festividades faz com que elas sejam uma caricatura da cultura do interior. Vocês, pais e mães que fantasiam seus filhos pequenos de caipiras para a festinha junina, parem já com essa apropriação cultural, por favor. Não deve demorar muito para criminalizarem o Chico Bento (o personagem, afinal, é um estereótipo de caipira, de chapéu de palha, pés descalços e falando errado) e cancelarem o Maurício de Sousa. Ou vice-versa.

Chico Bento está rindo porque não sabe que implicam até com o chapéu de palha

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  1. Mas… se não é possível mais se vestir de índio no carnaval nem usar dread nos cabelos lisos, por que esculhambar os caipiras pode? Ahhhhh, vão capiná uma roça…

  2. O título do seu artigo foi estupendo. Até porque eu já me julgava capaz de identificar os clickbaits. Mas caí, tenho que admitir. Pensei "- imagina que a Crusoé vai fazer algo desse nível??!!" Passado o susto vamos voltar ao fim do humor. Até Maurício de Sousa está arriscado a ser cancelado! Coisa pior é ter escutado hoje que os japoneses não sabem mais sorrir. Pararam desde que tiveram que usar máscaras p/ covid. Diz que estão promovendo terapias para reeducar o povo para rir!

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