Divulgação/Ministério da InfraestruturaObra da ferrovia Oeste-Leste: governo quer rever legislação que favorece o desenvolvimento do setor ferrviário

Um longo passado pela frente 

O novo governo Lula segue gastando crédito às custas de o agro pagar a fatura
08.06.23

“Governar é abrir estradas”, dizia o lema da campanha de Washington Luís, o último presidente da República Velha. Em seus três níveis de governo, como prefeito de São Paulo, governador do estado e presidente, Washington levaria essa frase a ferro e fogo.

Por fim, ironicamente acabaria sendo mais conhecido pela rodovia que leva seu nome e liga o interior de São Paulo.

Erroneamente, este lema seria atribuído nos anos seguintes a algumas outras figuras, como Juscelino Kubitschek. Em boa medida, isso ocorre porque o amor pelas estradas é sem dúvida uma paixão nacional, além de atemporal.

Em tempos onde o governo federal busca, mais uma vez, desenvolver um projeto para favorecer os caminhões, com a ideia apresentada por Lula e Haddad para “renovar a frota”, convém desfazer um pequeno mito.

Contrariando Pero Vaz de Caminha para quem “aqui, em em se plantando tudo dá”, o Brasil é um país de geografia desafiadora, nada amigável. Nossas principais cidades estão entrecortadas por grandes morros. Nossa maior região agrícola era um terreno inóspito há pouco mais de cinco décadas (durante três quartos da história do Brasil independente, produzir grãos no Centro-Oeste era inviável).

É incorreto portanto dizer que “o Brasil não investiu em ferrovias”. De fato, investimentos em ferrovias prevaleceram ao longo do século 19 e início do século 20.

Boa parte de nossas ferrovias possuía como objetivo central exportar a produção de grãos no Centro-Sul, então o celeiro agrícola do país. E, seguindo os ciclos, faliram ou tiveram enormes prejuízos com a quebra do café, em 1929.

Dentro das suas limitações históricas e geográficas, o país investiu em ferrovias. Talvez menos do que o necessário, pois como em qualquer nação do mundo, o desenvolvimento desse setor está inerentemente atrelado ao desenvolvimento do mercado financeiro, algo que por aqui sempre foi incipiente.

É uma enorme preocupação, portanto, que neste momento, em que o mercado de capitais brasileiro começa a dar sinais relevantes de avanço e as taxas de juros apontam queda no longo prazo em todo o mundo, o país veja um ministro como Renan Filho sugerir rever o marco legal do setor ferroviário.

Aprovado em 2021, o Marco Ferroviário permite aos investidores privados apresentar projetos de infraestrutura no setor sem a necessidade de licitações. Não há mais necessidade de que o setor público construa e então delegue a ferrovia conforme sua vontade. Um avanço que nos permite chegar (ou voltar), a 1870. Ironicamente, um avanço.

Da mesma forma, vemos ataques do governo a outra medida que nos remete aos idos de 1870. O Marco do Saneamento poderá permitir ao país, enfim, investir a sério em saneamento. Coisa que nas décadas em que o saneamento se tornou um feudo de estatais, não foi possível.

Por ironia do destino, o país do futuro, como descreveu Stefan Zweig, parece ter muitas contas a acertar com seu passado.

Em ambos os fatores citados acima, há um traço comum que remete à própria noção de desenvolvimento do atual governo.

Para Lula ou Haddad, o desenvolvimento está inerentemente ligado ao crédito. Não por coincidência, o atual presidente começou seu mandato abrindo uma guerra contra Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central.

Lula expôs ali o seu álibi para justificar o baixo crescimento do país neste ano (que agora parece se aproximar de 2%, um número medíocre, mas que será comemorado pelo governo).

Essa obsessão por crédito e financiamento está presente na tentativa surrealista de reviver até mesmo a bolha dos caminhões. E note, por “crédito”, podemos falar de dar dinheiro diretamente a determinados setores, ou reduzir impostos às custas do endividamento do governo.

Ao longo do governo Dilma 1, Guido Mantega, o então ministro da Fazenda, implementou entre suas medidas para gerar o tal pibão, uma série de tax holidays, ou feriados de impostos, misturados com crédito subsidiado.

O resultado foi visto em 2015. Dilma havia aberto mão de R$ 528 bilhões em receitas, por meio de desonerações. Ao mesmo tempo, o país se endividou em 10% do PIB para alocar recursos no BNDES.

Como se fosse pouca bobagem, o crédito subsidiado se tornou maioria na economia. De cada R$ 100 emprestados no país, até R$ 60 tinham algum carimbo ou destino específico.

O resultado é que a Selic, a taxa de juros definida pelo Copom, deixou de ser efetiva para controlar a inflação e tivemos um colapso da economia.

Agora, ainda que timidamente, o governo Lula 3 se arrisca em um novo programa para financiar caminhoneiros.

O crédito será compensado com aumento de impostos no diesel. Uma prova de que Haddad não é Mantega, ainda que ambos tenham um defeito muito similar: pouca capacidade de pensar e agir por si mesmos, estando sujeitos aos desígnios do Deus Sol, Luís Inácio.

Mas esse alívio momentâneo com preocupação fiscal, que leva Haddad a prometer crescer os gastos, mas em nível controlado, ou se preocupa em apontar a origem de recursos para desonerações, não muda a essência da coisa.

E na essência esse é um governo que tem pouco apreço por contratos, instituições e marcos regulatórios que tornem os investimentos racionais.

Há pouca preocupação em diminuir a necessidade de financiamento do setor público e permitir uma queda nos juros. Há, ao contrário, criação de incertezas que elevam os juros futuros.

É possível que no fim das contas Lula não recrie Dilma. Mas isso ocorrerá não por consciência sobre os erros passados, mas sim por obra externa.

Tivemos em abril e maio dois dos melhores meses da história em termos de superávit na balança comercial.

Em 2010, último ano do governo Lula, o agro exportou 79,8 bilhões de dólares. Já em 2022, o resultado foram 159 bilhões de dólares em vendas para o exterior.

No mesmo período, a economia brasileira saiu de um PIB de 2,1 trilhões de dólares para 1,87 trilhão de dólares.

Em suma, ao que tudo indica, a fatura do crédito gasto para represar ideias passadas já tem de onde ser paga. E mais uma vez não será por quem age para garantir sobrevida a noções ultrapassadas.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Não se pode esperar política económica moderna e eficaz vinda da cabeça de um sindicalista socialista nascido na primeira metade do século passado. Que a economia sob o PT vai fracassar não é aposta, é certeza.

  2. Voltaram à cena do crime não para fazer o país crescer e se desenvolver, na essência o Descondenado et caterva só sabem sangrar os cofres públicos.

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