Foto: Ricardo StuckertLula celebra a vitória em São Paulo: não basta agradecer a quem o apoiou na eleição, é preciso abrir espaço no governo

Entre a ‘frente ampla’ e o Centrão

Para governar, Lula terá de abrir espaço para o centro em seu governo, se não quiser ser encurralado pelo Centrão
04.11.22

Nesta quinta-feira, 3 de novembro, começou oficialmente a transição do governo de Jair Bolsonaro para o de Luiz Inácio Lula da Silva. Emissários do presidente eleito, liderados pelo vice Geraldo Alckmin, do PSB, e pelos petistas Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante, se reuniram em Brasília com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para discutir as tarefas que terão de ser realizadas nos dois meses que restam até a posse. A lei estabelece que a equipe de transição pode contar com 50 nomes, indicados pelo candidato que venceu a eleição e nomeados pela atual administração. Segundo informou Alckmin, as pessoas convidadas a ocupar esses cargos só deverão ser anunciadas a partir da próxima segunda-feira, depois de Lula, que tirou alguns dias para descansar da campanha, bater o martelo. Mas algumas informações de bastidor já vieram à tona. Segundo apurou O Antagonista, o PT pretende ocupar 38 das 50 vagas com nomes técnicos. Com isso, restariam 12 para acomodar o resto do mundo. Transição é aquecimento, não é jogo, e seria prematuro tirar conclusões definitivas sobre a disposição do PT para dividir poder a partir desses números. Mas há muita semelhança com aquilo que aconteceu no primeiro governo Lula, 20 anos atrás, quando o PT abocanhou 20 dos 35 ministérios criados em Brasília e depois recorreu ao mensalão para se arranjar com o Congresso. É justo indagar se o próximo governo será mesmo de uma “frente ampla” – expressão que foi muito usada durante a campanha para indicar que Lula, em seu terceiro mandato, não representaria apenas o PT e seus satélites, mas levaria em conta as preocupações de outros setores da sociedade.

No seu discurso de vitória no último domingo, Lula fez o indispensável: agradeceu àqueles que lhe prestaram apoio durante a disputa com Jair Bolsonaro. “Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora“, disse ele. Todos têm consciência que sem a contribuição de personalidades vindas de fora da esquerda, Lula dificilmente teria ganhado. As adesões começaram com Geraldo Alckmin, o ex-tucano de perfil conservador que se tornou seu vice, e ao fim do segundo turno incluíam os ex-presidenciáveis Simone Tebet e André Janones, diversos economistas liberais (como Armínio Fraga e Pérsio Arida), representantes do PIB e do mercado financeiro (como a família Bracher, do Itaú) e celebridades que não se identificam como petistas, como Anitta. A cantora com certeza não está de olho em uma vaga no Ministério da Pesca. Mas empresários e economistas que empenharam seu nome para eleger Lula esperam, no mínimo, um compromisso firme com a responsabilidade fiscal, ao passo que políticos desejam ter voz e espaço na administração. O problema é que receber apoios é gostoso; acolher ideias e dividir o governo, nem tanto, sobretudo para uma legenda como o PT, cuja cartilha inclui conceitos como o de “hegemonia.

Nesta semana, um site esquerdista entrevistou Rui Falcão, que coordenou a comunicação na campanha eleitoral de Lula. Uma das perguntas foi: “O PT terá mando de jogo no terceiro governo Lula? Será o partido hegemônico?” (olha a palavra aí). Falcão respondeu que é natural que aliados reivindiquem espaço, mas não devem almejar ter influência no programa de governo. “O mais importante é que o programa de governo não seja modificado pela ocupação, aqui ou ali, desse cargo, deste ministério“, disse ele. “Quem garante a supremacia e a soberania do programa que foi votado é o presidente da República, que é do PT.” O dirigente petista também afirmou que um giro ao centro descaracterizaria o partido. A entrevista demonstra como é difícil para o PT fazer qualquer concessão a quem pensa diferente, mesmo numa conjuntura como a atual. Lembremos que o partido não ganhou a eleição de lavada, mas por pouco, e enfrentará uma oposição renhida.

O risco para um PT que não caminhe para o centro é se ver encurralado pelo Centrão. O partido esperava contar com uma base de cerca de 180 deputados federais. Não deu. Juntos, PT, PV, PCdoB, PSB, Rede, Psol, Solidariedade e Avante conquistaram apenas 122 cadeiras. Enquanto isso, PL, PP e Republicanos, três partidos onde hoje se misturam políticos de extrema direita, de direita e do Centrão fisiológico, comporão no ano que vem a maior força da casa, com 187 deputados. Como mostrou O Antagonista nesta quinta-feira, Ciro Nogueira (que é do PP), levou para a primeira reunião com a equipe de transição uma lista de duas páginas com “sugestões” de nomes para Lula analisar. O Centrão pode se transformar em uma implacável máquina bolsonarista, mas no momento está pronto a cavar seu espaço no governo Lula, usando duas ferramentas poderosas para isso.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlckmin e Mercadante em entrevista sobre a transição:
A primeira são os 19 bilhões de reais alocados no Orçamento Secreto do ano que vem. É possível que o STF decrete a inconstitucionalidade desse mecanismo nos próximos meses. Mas isso não significa que o Congresso vai abrir mão do dinheiro. Lula será convidado a discutir uma nova maneira de fazer com que os parlamentares continuem direcionando esses recursos para suas bases eleitorais, com mais transparência e, talvez, levando em conta as prioridades do governo. Quanto mais receptivo for o presidente eleito, mais ele afastará o risco de ter um Congresso raivoso bloqueando suas iniciativas e —por que não?— erguendo a espada do impeachment sobre a sua cabeça depois de alguns meses de governo (como aconteceu com Bolsonaro).

Há também o fato de que durante a campanha, Lula fez promessas que requerem bilhões de reais para serem cumpridas. A mais básica de todas, manter o Bolsa Família em R$ 600 (o PT já avisou que o nome Auxílio Brasil será descartado), demanda R$ 52 bilhões. O adicional de R$ 150 para crianças de até 6 anos das famílias beneficiárias do Bolsa Família acrescenta R$ 16 bilhões à conta. Outra promessa que rendeu votos e criou expectativas, o reajuste do salário mínimo com um aumento real de 2%, custaria cerca de R$ 10 bilhões, ao impactar despesas previdenciárias. A isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês retira R$ 22 bilhões dos cofres públicos. Até aí, são R$ 100 bilhões. Relator do Orçamento do próximo ano, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que não é um inimigo de Lula, já avisou que não há dinheiro para nada disso – o que, de qualquer maneira, não é nenhuma novidade.

Uma conversa com Castro fez parte da agenda da equipe de transição nesta quinta-feira. Ali foi mencionada pela primeira vez a ideia de uma PEC que libere, de maneira extraordinária, os R$ 52 bilhões necessários para pagar o (novo) Bolsa Família de R$ 600. Recursos para o aumento real do salário mínimo, talvez não de 2%, mas de 1,3%, também serão requisitados. Seria dinheiro fora do teto de gastos, como aquele que o governo teve  autorização para gastar com o auxílio emergencial, durante a pandemia. Como observou o senador Renan Calheiros, uma velha raposa aliada de Lula, isso pode significar uma capitulação ao Centrão logo de saída. “Essa coisa da PEC é uma barbeiragem, você se entrega de mão beijada ao Centrão“, disse ele a O Antagonista.

Renan Calheiros, assim como Simone Tebet, é do MDB. Eles se desentenderam antes da campanha eleitoral, mas hoje estão do mesmo lado: acham que o partido, que elegeu 42 deputados, deve se alinhar a Lula. Em posição semelhante está o PSD de Gilberto Kassab, que também conquistou 42 vagas na Câmara. Em entrevista à Folha de S. Paulo nesta quinta-feira, ele disse que levará seu partido para o campo governista se o PT se comprometer em apoiar a reeleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado, em fevereiro do ano que vem, colaborar com os governadores do PSD nos estados e olhar com carinho indicações para cargos no Planalto – todas elas, é claro, “com o mais alto padrão de eficiência e moral“. Segundo Kassab, “fazer parte da base é participar.”

É improvável que as bancadas do MDB e do PSD passem a votar em bloco alinhadas com o governo Lula. Os dois partidos têm lulistas e bolsonaristas e essa foi a razão porque o primeiro lançou candidatura própria, com Tebet, e o segundo se manteve neutro durante as eleições. O único partido que, sem ter participado da coligação que elegeu Lula, deve entregar a ele de maneira sistemática os 17 votos que terá na Câmara é o PDT (aquele, de Ciro Gomes). O atual líder da legenda na Câmara, o deputado federal Wolney Queiroz, tem presença quase certa na equipe de transição que terá sua composição anunciada na semana que vem. “Lula sabe que precisa construir uma base no Congresso para governar“, diz o presidente do PDT Carlos Lupi. “Ele vai tomar as decisões corretas.”

Se Lula repetir no governo a partilha que está sendo feita na transição, será a decisão errada. Seria irrealista esperar que o partido entregue áreas caras à sua militância, como as sociais, a “gente de fora” — ou que não seja de aliados próximos como o PSOL e o PCdoB. Aliás, o ônus de guerrear pelas pautas “progressistas” em um cenário onde a direita cresceu e apareceu deve mesmo caber a esse núcleo ideológico. Também não adianta imaginar uma política externa sem o DNA petista, o que tem um lado bom — o carisma de Lula, que recebeu 20 ligações de líderes de países como Estados Unidos, França e Alemanha logo depois de se eleger — e um lado péssimo — o antiamericanismo infantil, o namoro firme com ditaduras de esquerda e o chamego ocasional com países como o Irã, na busca por um “mundo multipolar“. Mas será necessário abrir espaço para o centro na economia, sem dúvida, bem como nas áreas cruciais da educação, da saúde, da segurança e mesmo do meio ambiente. Sem isso, não há frente ampla. Sem isso, resta o Centrão.

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  1. Alguém ainda duvida de que será o Centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira que continuará dando as cartas neste país corrupto?

  2. Muda o presidente, mas a política é mesma. O resultado também será: manutenção do assistencialismo sem porta de saída, dos privilégios da elite do funcionalismo público e das amarras ao combate a corrupção. E sigamos felizes, são apenas mais 4 após os últimos 30

  3. A única certeza que eu tenho é que o Antagonista/Crusoé vai continuar o seu trabalho de fiscalização, enquanto os outros meios de comunicação vão ...

  4. Com o congresso maioria de centro-direita o quadrilheiro ex presidiário terá dificuldades em aprovar matérias do seu espectro sem ter que alimentar as bocas famintas do centrão (principalmente MDB de Tebet terceira colocada - cujo apoio comprado ajudou Lula a vencer a eleição). Sem sucesso com o congresso para atender base aliada com pautas esquerdistas, um movimento impeachment pode acontecer, com 50% da população indignada porque a justiça brasileira decidiu que o crime compensa.

  5. Aprovar um deficit a chance é mínima neste congresso e ZERO no próximo e só o governo fazer o que o outro fez NÃO ROUBAR algo difíicil para a quadrilha que vem famiiiiinta e sobrará dinheiro aliás recebem o país equilibrado mesmo com duas graves crises mundiais e SUPERAVIT de $60bilhões ... vai ser engraçado ver o 9D na sua esquizofrenia ladravaz ficar um ano abstêmico do que mais gosta MAS a solução é simples em vez de LEXOTAN sugiro um ano na cachacinha mineira ou pau na Jania e na Rosa.

    1. * analise correta os lixos MDB . PSD e PSDB unidos à quadrilha não terão força de nada mudar no pais desde que a cenrro direita não perca o foco e pelo visto não perderá ... sem roubar eles nada de não poderão fazer ao país.

  6. O PT não pode esquecer que muitos votos que recebeu foram de antibolsonaristas. Pessoas que, momentaneamente, relevaram a corrupção e a incompetência administrativa do PT para se livrar do bozo. Não se pode mais deixar o PT interferir na Petrobras. J.P. Prates e Gabrielli têm que ficar longe dela. A empresa tinha antes do pré sal (2007) programas de P&D em energias alternativas que foram encerrados em favor de SeteBrasil, Comperj e refinarias que deram em nada.

    1. Se o PT trouxer de volta esse espírito ganancioso irá se dar mal e o Brasil pior ainda. Ninguém acredita que o Lula seja inocente e que não houve corrupção e incompetência. A Imprensa precisa reanalisar e reapresentar a História do país do mensalão para cá.

  7. Desde que para o segundo turno sobraram essas duas figuras nefastas, os próximos quatro anos foram de quase perda total para o País. Se pelo menos a Amazônia deixar de ser predada, já será um consolo ...

    1. Se não fizer as coisas certa , Bolsonaro voltar! kkkkkkkkk triste fim de um povo. Lena

  8. "Alto padrão de eficiência e moral" com ptralhas só pode ser grande ironia. Na área internacional faltou dizer das "ações beneméritas" com países africanos e seus diamantes. Nada que preste se espera do criminoso descondenado.

  9. Que o senhor Lul tenha o cuidado de nao arranjar mais ministerios, pois assim tera meios suficientes de cumprir corretamente seu trabalho, levando em conta uma sublime obrigacao,aSAUDE O ENSINO A SEGURANCA NACIONAL E ISSO AI. O PAIS CONFIA E AGRACECE.

  10. Boa análise. Só estou achando estranho, o centrão ter se vendido barato, sem criar dificuldades pra depois vender mais caro o apoio.. Achei que ia dar um “trabalhinho” pro Ex Presidiário no início da legislatura e depois ia dividir o butim com mais poder de fogo. Aí tem… medo do STF? Talvez. Vai saber… tá uma noiva “ muito facinha”

  11. É sempre bom lembrar que, na prática, o jogo das eleições acabou empatado no tempo regulamentar. E que Lula só ganhou as eleições na segunda série da cobrança de pênaltis, graças à inabilidade dos batedores bolsonaristas. Mas a metade do Brasil derrotado deverá seguir atenta às possíveis aventuras daquele partido que continua querendo tomar conta do Brasil.

  12. Não haverá frente ampla. Lula ira manobrar a exaustão para que o PT de as cartas neste governo. Isto está no seu DNA nunca dividiu o poder nem no próprio PT. Corre o sério risco de não terminar o governo. Aliás, no Brasil, nenhum presidente que ganhou as eleições de forma apertada, terminou o mandato. E Lula foi o que venceu de forma mais apertada em nossa história com 1,8% a mais de votos do que seu adversário.

  13. ESPEREMOS QUE AS ESCO RIAS COR RUPTAS DOS PARTIDOS PODRES ,dem espaço para que os brasileiros possam viver sem ter que encher as cuecas desses🐀🐀

  14. Não devemos nos esquecer da frase profética de Ulisses Guimarães : " O Lula gosta muito de cortesias" (que o digam a OAS, Odebrecht , Andrade Gutierrez, etc.).

  15. Nada, absolutamente, nada, afasta a certeza que tenho de que o Brasil tem jeito, na próxima era glacial, quando a raça humana for extinta. Não há Sassá Mutema que nos "salve" da sina! Lastimável.

    1. TENHO DITO E REAFIRMADO ISSO HÁ MUITO TEMPO. AS POUCAS SAIDAS DO BRASIL ESTÃO RESUMIDAS AO PORTO DE SANTOS E AEROPORTO DE GUARULHOS. POBRE BRASIL.

    2. Do que reclamam os “isentões”, os nem-nem e os “branqueadores de votos”? Colham o que plantaram, nunca vi umbu ser tão azedo…

  16. Espero que a Imprensa fiscalize os fundos de pensão e os métodos tradicionais e os novos métodos que o PT já está elaborando para botar a mão no Tesouro, até porque o Bolsonaro pavimentou uma estrada de desmonte das instituições de controle, estrada que o PT agora vai querer se fartar.

    1. O Partido das Trevas já chegou, chegando, fazendo um "rombo módico" (sic!) no valor de 200 bilhões de reais! Alguém aí têm dúvidas de que o Congresso Nacional não vá aprovar algo pedido pelo Lula, aliás objeto de campanha presidencial? Pois é!

    1. seja lá qual for os escolhidos para os ministérios na primeira farra com dinheiro público, acabou o governo LULA

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