Dor de escola
Entre as minhas lembranças de infância e juventude, guardo as de raros bons professores. A maioria parecia ser simplesmente desinteressada. Havia também alguns perversos. Professor batia em aluno quando eu era criança. Na segunda série, quase apanhei da minha professora porque ousei sugerir o título de um tema de redação. A da quarta série dava...
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Entre as minhas lembranças de infância e juventude, guardo as de raros bons professores. A maioria parecia ser simplesmente desinteressada. Havia também alguns perversos. Professor batia em aluno quando eu era criança. Na segunda série, quase apanhei da minha professora porque ousei sugerir o título de um tema de redação. A da quarta série dava com a régua de madeira na cabeça de quem conversava com colegas durante a aula. Ela ainda puxava a orelha de alunos desobedientes e gritava muito. Quase todos gritavam, na verdade. Na sexta série, fui humilhado pela professora de Português porque havia respondido com impaciência a uma pergunta de um colega durante a apresentação de um trabalho. A humilhação foi tanta que uma colega pegou a minha mão enquanto eu chorava. A professora poderia ter chamado a atenção do menino de 11 anos no momento da sua impaciência, mas preferiu esperar até os longos minutos finais da aula para rebaixá-lo. Na sétima série, a aula da professora de Inglês se resumia a tocar uma fita cassete num pequeno gravador que ficava na mesa dela — e exigir que 45 alunos ouvissem os diálogos que mal chegavam aos ouvidos da terceira fila. No final do primeiro bimestre, ela perguntou quem era o melhor aluno de matemática da classe. Apontaram para mim. “Parabéns, você ganhou um prêmio: vá para a lousa”, mandou. A partir de então, era sempre eu a calcular no giz as médias bimestrais de cada aluno, porque ela não se dava ao trabalho de fazer isso. Em vez de dar aula, a dona do gravador ditava cada nota e eu fazia as contas na frente de todo mundo. Era praticamente a única vez que se ouvia a voz dela em classe, além de quando fazia a chamada. A professora de Francês não usava gravador, mas me expulsou da aula porque, no meio do seu relato deslumbrado de uma viagem a Paris, coisa especial naquele 1973, perguntei se ela falava a língua com sotaque (eu acabara de aprender o significado de sotaque).
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Comentários (10)
Vera
2021-01-01 20:44:32Mario, amei esse texto que me fez rir muito e me emocionar muito também.
JORGE
2020-11-02 07:13:25Eu tive alguns professores memoráveis como Zé do Vale (Crato-CE -1979), por exemplo, professor de Português. Mesmo passados 41 anos, nunca o esqueci. Já faleceu há anos. Faço aqui e assim a homenagem. Também tive professores deploráveis, mas nem vou citá-los.
arnildo
2020-10-29 19:55:28Pois eu tive dois professores que mereceriam esse reconhecimento: de Português e de Educação Moral e Cívica.
VARLICE
2020-10-28 17:27:24Sabino você me fez chorar com esse texto tocante por algumas razões: lembrança dos professores que tive, na maioria engajados com sua profissão (tive mais sorte do que você), solidariedade ao professor francês imolado pela ignorância e tocada pela carta de agradecimento de um aluno que não esqueceu seu benfeitor. Essa é a minha cartinha a você, agradecida que sou pelos belos textos que você com sensibilidade nos presenteia toda semana.
Juan
2020-10-28 10:26:08Lendo as memórias de escola do Sabino me deu uma saudade enorme da escola pública que frequentei no Uruguay onde nasci. Bater em aluno esse os finas do século XIX era o pior dos pecados de um professor(a) passível de expulsão imediata assim como fazer proselitismo político ou religioso. Nunca apanhei e lembro de muitos professores bons. Alguns sumidades nas suas áreas mas que davam aula no ensino público. Ildefonso Pereda Valdez escitor cultura africana, Carlos Verazza historiador Baffico atriz
Carla
2020-10-28 09:53:06Mário Sabino Um dos motivos - talvez o maior - de eu assinar esta revista é tê-lo como escritor dela. Vc não fica nada aquém dos grandes escritores, e sua modéstia o torna ainda maior. Obrigada, mais uma vez, por esse lindo escrito, e por nos fazer conhecer um pouco mais de Camus.
Ana
2020-10-27 13:08:12Sabino , continuo assinando a revista , principalmente , para ler a sua coluna. Emocionante , a homenagem ao professor francês , não lembro de ter lido nada parecido em outro órgão da imprensa . Parabéns !!!
Marcio
2020-10-26 20:38:17Ótima homenagem aos professores. Àqueles que merecem e aos que ainda insistem na abnegação do exercício de ensinar e compartilhar.
Francisco
2020-10-26 20:20:22Mario, sempre o grande Mario. Estraçalhando com belos textos. Aqui vai minha homenagem a minha professora de inglês Dna. Cecilia. Com dificuldades para aprender, um dia ela veio a minha carteira escolar, sentou-se ao lado, pegou em minha mão com o lápis e me ensinou a escrever uma palavra que não conseguia. Isso ficou na memória. Depois de uns 35 anos, num encontro, contei esta história e ela ficou emocionada. Uma vez, no dia dos professores, enviei um ramalhete de flores. Ela não reconheceu.
Maria
2020-10-26 17:10:29Muito lindo.