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Falsa quarentena

Uma parcela dos deputados e senadores tem evitado ir a Brasília por causa dos riscos do coronavírus, mas em suas bases ignora solenemente o isolamento e se joga nas campanhas. Alguns, à custa de dinheiro público
23.10.20

“É tempo de cuidarmos uns dos outros”, justificou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, após limitar o acesso ao Congresso Nacional, logo no início da pandemia. Com uma circulação diária de mais de 30 mil pessoas, provenientes das cinco regiões do país, de fato, a sede do Poder Legislativo seria um local de fácil propagação da Covid-19. Sete meses depois, os corredores da Câmara dos Deputados e do Senado seguem vazios – as comissões permanentes estão praticamente paralisadas e a maioria das excelências despacha diretamente de seus estados. Mas o medo de contaminação, que afastou parlamentares do trabalho presencial, parece ficar para trás quando eles se dedicam a cuidar de seus interesses, como no caso das sabatinas de Kassio Nunes Marques e Jorge Oliveira, dias atrás, no melhor estilo ação entre amigos. A pandemia também não amedronta deputados e senadores que estão nas ruas em busca de votos para eles próprios, para aliados ou parentes. Abraços acalorados, apertos de mão fartamente distribuídos, cumprimentos em idosos e crianças e visitas às casas de eleitores formam o roteiro padrão de uma campanha que parece ignorar as mais de 155 mil mortes por coronavírus já registradas no Brasil.

Um levantamento feito por Crusoé mostra que pelo menos 36 dos 81 senadores participaram de eventos públicos de candidatos a prefeito ou vereador nas últimas semanas. Foram carreatas, caminhadas, distribuição de adesivos e jantares com empresários e doadores. Em boa parte dos casos, políticos e eleitores estavam sem máscaras. A premência em “cuidar dos outros”, pregada por Alcolumbre em março, foi substituída pela necessidade de cuidar de si – ou seja, buscar votos para manter ou mesmo ampliar poder.

Ignorar os riscos de infecção seria apenas uma decisão de foro íntimo se os parlamentares mergulhados na campanha não tivessem adiado votações importantes e a discussão de temas urgentes sob a alegação de que era preciso se proteger do vírus. Durante duas semanas de outubro, os trabalhos no Congresso ficaram paralisados por um “recesso branco”. Tradicional na época de campanhas, a suspensão das votações poderia ser facilmente evitada este ano, graças ao home office e à votação remota liberada aos congressistas. Manter as próprias estruturas de poder, contudo, é a prioridade.

A presença em aglomerações durante a disputa municipal não segue critérios ideológicos: do PSL ao PSOL, de bolsonaristas a petistas, passando pelo Centrão, parlamentares de quase todos os partidos participaram de grandes eventos públicos desde o início da corrida eleitoral. Apesar do alto risco de complicações da Covid-19 em idosos, a idade avançada não reduziu o ânimo de senadores como José Maranhão. Aos 87 anos, o representante do MDB da Paraíba participou das convenções partidárias da sigla em setembro. Em um galpão lotado, apoiou seu correligionário Nilvan Ferreira, que concorre ao cargo de prefeito de João Pessoa, e não dispensou a tradicional foto dos aliados lado a lado, com as mãos dadas erguidas para o alto.

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Dois senadores serão candidatos a prefeito nas eleições de novembro. Jean Paul Prates, do PT do Rio Grande do Norte, disputa o comando de Natal e, nas últimas semanas, percorreu feiras, áreas comerciais, fez caminhadas e carreatas. Vanderlan Cardoso, do PSD, sonha com a prefeitura de Goiânia e cumpriu, igualmente, uma agenda política intensa: comeu hambúrguer na rua, visitou empresários, políticos, feiras, inaugurou comitês e lançou candidaturas de vereadores. Nenhum dos dois candidatos pediu afastamento temporário do mandato para se dedicar à campanha e ambos mantiveram o salário de 33,7 mil reais. Outros dois senadores se licenciaram por um prazo de 120 dias para tratar de assuntos particulares. Daniella Ribeiro, do Progressistas da Paraíba, está empenhada em eleger o correligionário Cícero Lucena. Já Veneziano Vital do Rego, do PSB do mesmo estado, dedica-se à campanha da mulher, Ana Cláudia Vital, à prefeitura de Campina Grande, reduto eleitoral da família.

Sem pedir afastamento, outros senadores estão nas ruas para cabalar votos para parentes. O petista Humberto Costa quer eleger o filho Henrique Costa, de 34 anos, vereador de Recife. Ao lado de Marília Arraes, candidata do partido à prefeitura da capital pernambucana, o parlamentar tem percorrido a cidade e, por onde passa, tira fotos exibindo os dedos em forma da letra L, de Lula. No extremo oposto, embora lulistas e bolsonaristas sejam cada vez mais faces da mesma moeda, a senadora bolsonarista Soraya Thronicke, do PSL de Mato Grosso do Sul, trabalha para eleger o primo Mauro Thronicke prefeito de Dourados, a sua terra natal. No Maranhão, dois senadores pedem votos para candidatos rivais. Eliziane Gama, do Cidadania, tem percorrido as ruas de São Luís para apoiar Rubens Pereira, do PCdoB. Nas últimas semanas, ela subiu em carro de som, participou de caminhadas e de distribuição de adesivos. Já Weverton Rocha, do PDT, fez caminhada na capital maranhense pelo candidato Neto, do DEM, e pediu votos para vereadores de seu partido. Percorreu ainda municípios menores, onde defendeu a candidatura de aliados. No Pará, Zequinha Marinho, do PSC, fez um périplo por diversos municípios durante as convenções partidárias – alguns dos encontros, como nas cidades de Barcarena e Marituba, reuniram milhares de pessoas, que se aglomeraram em frente a um palco para ouvir promessas. No meio da multidão, era difícil encontrar alguém com máscara de proteção.

No estado do Rio de Janeiro, um dos parlamentares mais engajados na campanha municipal é o senador Romário Faria, do Podemos. Na capital fluminense, o ex-jogador de futebol ajuda Eduardo Paes, do DEM, e desde o início da campanha percorreu comunidades, como a Rocinha e a Cidade de Deus, em eventos com centenas de pessoas. Em Vassouras, ele jogou futebol de areia depois do corpo-a-corpo com eleitores. No município de Três Rios, foi tietado na avenida comercial e tirou fotos com policiais militares; em Itaguaí, autografou dezenas de camisas de futebol. Em boa parte dos casos, dispensou o uso de máscaras.

Os eventos de campanha ignoram solenemente a pandemia
Outro campeão de quilometragem na corrida eleitoral é o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do Progressistas e expoente do Centrão. O piauiense percorre o estado para garantir a manutenção de seu poderio político em boa parte dos municípios. Já fez caminhadas, carreatas, comícios, selfies, pegou crianças no colo e discursou em dezenas de cidades do estado. Em várias ocasiões, também sem máscara.

Na Câmara dos Deputados, a mobilização é ainda maior, já que 66 dos 513 deputados federais são candidatos nas eleições municipais deste ano. Dos 66, só seis pediram licença do cargo para se dedicar à própria campanha, sem a remuneração mensal de 33,7 mil reais. E dos 60 que permaneceram no mandato, com todas as benesses garantidas pela casa, 53 gastaram dinheiro público da cota parlamentar entre setembro e outubro. Deputados candidatos até podem usar dinheiro público para combustível, compra de passagem, aluguel de carros e pagamento de alimentação durante a campanha. A Constituição e a legislação eleitoral não impõem restrições à elegibilidade de parlamentares – senadores e deputados federais podem se candidatar a outros cargos, sem necessidade de desincompatibilização –, mas é proibido gastar a verba de gabinete com divulgação e publicidade do mandato a menos de 120 dias da eleição. Crusoé identificou um caso de ilegalidade: o deputado Uldurico Júnior, candidato do PROS à prefeitura de Porto Seguro, na Bahia, torrou 12 mil reais da Câmara em autopropaganda – as notas foram apresentadas em setembro, a dois meses da votação. De acordo com os documentos fiscais entregues à casa, ele investiu 2 mil reais para divulgar detalhes de um projeto de lei em um jornal local, além de 10 mil reais para a produção de podcasts e spots publicitários.

De todas as aglomerações protagonizadas por parlamentares e averiguadas na pesquisa feita por Crusoé, Uldurico foi o responsável pela maior. No último domingo 18, ele reuniu mais de 5 mil pessoas, segundo registro da imprensa local. No “arrastão”, como foi chamado o evento, as cenas da multidão espremida foram registradas por um drone e divulgadas com destaque nas redes sociais de Júnior.

De petistas a bolsonaristas, candidatos dos mais variados espectros políticos desprezam as regras sanitárias
Gastos da cota parlamentar para a compra de gasolina não são proibidos durante o período eleitoral, mas a legislação veda o uso de bens da administração pública em benefício de partidos ou candidatos. O objetivo da lei é não “afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Só que concorrentes com mandato parlamentar têm apresentado à Câmara notas de despesas com gasolina realizadas nas cidades em que disputam a prefeitura. Boca Aberta, deputado pelo PROS do Paraná, é candidato à prefeitura de Londrina. No último dia 2, ele gastou de uma só vez 3 mil reais em um posto de combustível do município onde tem buscado votos. O também parananese Evandro Roman, do Patriota, na disputa pela prefeitura de Cascavel, apresentou à Câmara despesas de 2,5 mil reais realizadas em um posto da cidade. A deputada federal Ângela Amin, do Progressistas de Santa Catarina, registrou a maior conta: pagou 3,4 mil reais por gasolina e diesel de uma só vez, a um posto de Florianópolis, onde é candidata a prefeita.

A procuradora eleitoral Silvana Batini, que atua no Rio de Janeiro, diz que o uso de bens e recursos públicos em benefício de campanhas eleitorais pode gerar multa, cassação do diploma e até inelegibilidade. “Há dois problemas na verificação do uso indevido de recursos públicos, como a cota parlamentar da Câmara, em campanhas. Primeiro, há dificuldades na produção de provas, que nem sempre são fáceis. A segunda questão é o prazo curto para propor essas ações até a data da diplomação”, explica. Para punir um parlamentar que usa dinheiro da cota para comprar combustível durante a eleição, por exemplo, o Ministério Público teria que comprovar que o candidato saiu do posto de gasolina direto para uma carreata – por isso é tão difícil impedir irregularidades capazes de desequilibrar a disputa. A melhor solução seria impor restrições mais claras, como a vedação completa ao uso de recursos da cota parlamentar por políticos que disputam eleições. A legislação eleitoral proíbe servidores do Executivo de fazer campanha em horário de expediente, mas não cita o Legislativo, o que também dificulta o trabalho de procuradores eleitorais. “A lei tem essa matreirice”, diz Silvana Batini.

Quanto ao retorno às atividades presenciais no Congresso Nacional, não há prazo para que isso aconteça. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, fizeram previsões de retomada em agosto, mas, diante da persistência das estatísticas de mortes e casos em todo o país, os planos foram adiados. Na última quarta-feira, 21, a Covid-19 matou um parlamentar — o senador Arolde de Oliveira, de 83 anos, morreu no Rio de Janeiro. Muitos colegas lamentaram a perda nas redes sociais, mas seguiram a rotina de aglomerações e campanha, bem longe dos gabinetes do Congresso.

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  1. Nas diversas áreas do Serviço Público, nos 3 Poderes, o distanciamento social tem servido de desculpa para a incúria e o abandono do trabalho. Os servidores estão adorando tudo isso. Muitos pegam a COVID em nome-Office.

  2. Se OANTAGONISTA.COM deixasse de lado essa mania de ser contra o Brasil e noticiasse somente a Verdade , como fazem JORNAL DA CIDADE ON LINE E REVISTA OESTE , seus leitores saberiam o que acontece

    1. Tudo que li é mentira ? Poderia ajudar a encontrar as mentiras nesta reportagem? Obrigado

    2. Deixa de. Falar merda bem que vc gosta da crusoé. Realmente é uma revista excellente

    3. Cada um acredita no quer quer! Fazer o que? Pior cego é aquele que não quer ver! Eita ditado atual!!!

    4. Ah esqueci de avisar , já cancelei as assinaturas dessas duas desinformações. Mas como essa ainda vale , por um tempo vou continuar dando minhas opiniões , afinal estou pagando pra isso.

    5. Nooossaa. Assim você me assusta . Onde aprendeu a escrever desse jeito?

    6. Estás passando um atestado de burrice e comprometimento com a estultice e o canalhismo ideológico próprio dos maldosos e cultivadores da farsa momesca. Perdeste um bom momento pra ficares calado. apscosta/df

  3. Estão ganhando muito bem para não fazer nada. Não Votem, pois, estão querendo tirar do pobre para dar aos paupérrimos, no tal do Rena Cidadã, enquanto eles se deleitam.

  4. Que são um bando de farsantes todos nós sabemos! Tínhamos que ir às ruas para pressionar e acabar com essa bandalheira. Tudo essa farsa custeada com o nosso dinheiro!

  5. É uma bandalheira sem fim pra todos os lados. Poderíamos organizar uma vaquinha e ir no horário nobre pedir o não voto nesses canalhas réus, denunciados, condenados, etc. Precisamos fazer alguma coisa , derrubar a nossa bastilha. É muito sofrimento tô dia, toda hora.

    1. Realmente, Marina, concordo totalmente com você!!! É muita indignação!!! É de enojar essa situação do Brasil!!!! Cada vez pior!!!

  6. Nada surpreendente embora revoltante ! Temos que acabar com o Centrao, para isso votar em Legendas nao em Tiriricas e afins, fazer um limpeza partidaria ! Isso e essencial para limpar o Congresso, pois partidos mercenarios so tem compromisso consigo mesmo !

    1. Concordo. Só falta combinar com os russos, como diria Garrincha.

  7. Nojo desses políticos CANALHAS. Sessão no Senado ou na Câmara não pode, mas abraçar o povo idiotizado pode! Vergonha desses parlamentares se lambuzando e rindo com nosso dinheiro!!

    1. Por isso não querem uma boa educação, um ensino de qualidade, quanto mais o povo idiotizado melhor!!! Oh!!! Pobre Brasil!!! E seu povo manipulado

  8. Vergonhoso o que fazem com o nosso dinheiro. Infelizmente, grande parte deles será eleita ou reeleita com os votos do povo que ainda não aprendeu a votar.

    1. Kedma, entre as faixas nais pobres da população, eles se oferecem pra vender o próprio voto e, é claro, os candidatos corruptos arranjam dinheiro pra comprar todos eles... Já é cultural essa atitude e essas pessoas estão viciadas nisso. Eu já ouvi dizerem: "Você acha que eu vou dar meu voto de graça? Eu voto no que me oferece mais vantagens!"... É assim que figuras abjetas e notoriamente corruptas são eleitas ano após ano...

    2. o brasileiro é comodista, não costuma lutar por mudanças, prefere pacotes prontos, e nós que queremos acabar com esta farra, somos criticados por eles

  9. as favas com as leis, elas foram pensadas e feitas com o objetivo de manter o sistema sempre funcionando em prol dos vagabundos representantes do próprio interesse. É o que temos. "O povo Esse monstro de milhares de cabeças", merece isso, pois se faz de cego.

  10. Essa corja se deleita na mais grossa vagabundagem e sabem que o tutu está garantido, tungam o país sem a menor vergonha na cara.

  11. Síntese perfeita. O principal responsável por essa situação é a do digníssimo Eleitor! Não tentem me convencer que é a ignorância política. Nào é!!

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