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Milei tem prova de fogo com aniversário de golpe militar

24.03.24 06:00

O presidente da Argentina, Javier Milei (foto), não vê políticas de memória histórica como uma prioridade. Era de se esperar de um economista de formação que chegou à Casa Rosada com uma plataforma voltada a solucionar a espiral inflacionária de 276,2% ao ano.

Um presidente, entretanto, tem de lidar com todas as áreas da política. E, Milei terá sua primeira prova de fogo com a memória neste domingo, 24 de março, no aniversário de 48 anos do golpe que instaurou a última ditadura militar da Argentina (1976-1983).

Durante a campanha eleitoral, em 2023, o libertário evitou tocar no assunto pelo fato de, a diferença do Brasil, haver um repúdio quase unânime da sociedade ao regime militar.

Qual é a relação entre a vice de Milei e a memória da ditadura?

 

A questão da ditadura ficou delegada à sua então colega de chapa, e hoje vice-presidente, Victoria Villarruel (ao fundo na foto), filha e neta de militares que construiu sua carreira política tentando justificar atos do regime. 

Nos bastidores do governo, espera-se um vídeo sobre o aniversário. Não se sabe se Milei aparecerá.

Há de saber o papel de Villaruel na produção desse material. Ela teve desavenças com o presidente após o Senado, que ela preside, votar pela rejeição do decreto de necessidade e urgência (DNU) de Milei.

Segundo o canal de notícias TN, o vídeo deste domingo deve valorizar as vítimas da guerrilha de esquerda a fim de promover uma narrativa defendida por Villaruel, de que o regime se tratava de uma guerra civil contra o comunismo.

O material também questionar o número de desaparecidos.

Segundo Villaruel, e em discurso ecoado por Milei nas eleições, haveria cerca de 9.000 desaparecidos, e não os 30.000, baseados em denúncias de entidades de direitos humanos.

O Estado argentino reconhece ao menos a cifra de 9.000 vítimas, incluindo mortos confirmados — no Brasil, o número não chega a 500. Há de saber o peso que a vice-presidente terá na ação do governo neste domingo.

Reprodução/XReprodução/XJavier Milei e Victoria Villaruel na cerimônia de posse presidencial na Câmara dos Deputados – 10/03/2024. Reprodução/X
 

Como outros governos usaram a memória da ditadura?

 

A narrativa promovida por Villaruel é uma reação à que construíram Néstor e Cristina Kirchner ao longo de mais de 12 anos no poder, entre 2003 e 2015. Como políticos de esquerda, e, mais importante, peronistas, os Kirchners sempre se interessaram em explorar políticas de memória.

“O começo dos anos 2000 foi marcado por protestos e violência policial, com 40 mortos, o que reacendeu a pauta dos direitos humanos”, diz o historiador Felipe Pigna.

Ainda em 2003, Néstor sancionou a anulação de leis e decretos da década anterior que concediam anistia aos torturadores, incluindo o principal ditador do regime, Jorge Rafael Videla. Assim, os Kirchners se apropriaram da pauta dos direitos humanos. 

A História, entretanto, mostra que nem sempre o peronismo ou os Kirchners foram os defensores absolutos dos direitos humanos.

Foi justamente o peronismo, com o presidente Carlos Menem, de direita, que anistiou os torturadores, porque, politicamente, lhe servia à época. “A Argentina dos anos 1990 vinha de uma crise econômica muito grave. Então, o tema dos direitos humanos ficou em segundo plano”, diz Pigna.

Em contraste, na primeira eleição da redemocratização, em 1983, quando a memória da ditadura era fresca, o peronismo perdeu justamente por defender a anistia aos militares.

Quanto aos Kirchners, eles usaram contatos no regime militar para construir um império imobiliário de mais de 20 propriedades durante os anos de chumbo.

TélamTélamCristina e Néstor Kirchner Foto Archivo: Paula Ribas/Télam/rve

Qual é a expectativa para as políticas de memória de Milei?

 

Hoje, entidades de direitos humanos temem que Milei desfinancie políticas de memória sobre a ditadura.

O encarregado por gerir o orçamento nessa área é o secretário de Direitos Humanos, Alberto Baños, ex-juiz do regime militar notório por decisões simpáticas aos militares.

Crusoé questionou Baños sobre os projetos do governo para políticas de memória da ditadura, mas ele afirmou que não responderia sobre o tema.

Entidades de direitos humanos, que, assim como no Brasil e no restante do mundo, tendem à esquerda e defendem um Estado grande, não se sentem otimistas com Milei na Presidência.

“Os governos liberais governam para outros setores e têm outras prioridades”, diz Juan Pablo Moyano, da Associação das Avós da Praça de Maio. O grupo busca as crianças sequestradas pelo regime e entregues a famílias alheias com identidade falsa.

Uma dessas crianças foi Moyano, hoje aos 47 anos. Primeiro, ele teve o pai sequestrado dias antes de seu nascimento. Depois, aos 18 meses de vida, em 1978, Moyano foi sequestrado com sua mãe.

As Avós da Praça de Maio o reencontraram, através de uma foto, em 1983, já com 6 anos.

Até hoje, não se sabe o paradeiro de seus pais.

Moyano relatou a Crusoé uma reunião de apresentação com Baños em fevereiro sem nada de concreto.

 

 

A única confirmação oficial do governo é a preservação do Museu de Memória da ESMA, em Buenos Aires.

O lugar, originalmente uma escola da Marinha, foi o principal centro de tortura da ditadura. Hoje, ele é um Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco e, logo, não pode ser alterado.

 

O governo Macri tentou reformá-lo e sofreu repúdio.

Partidarizar a memória da ditadura só serve à conveniência de políticos. Milei não parece interessado nisso. Tampouco aparenta se preocupar em recordar a História, que se deve jamais esquecer.

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