DivulgaçãoVanessa Kirby, em Napoleão: primeiro, ela fez sucesso em The Crown

O cinema a reboque das séries

Filmes contratam atores que fizeram sucesso no streaming e imitam os seus modismos
29.12.23

Toda a linguagem audiovisual tem sua origem no cinema. A televisão, as séries, até vídeos para o YouTube, tudo veio, de uma forma ou de outra, do pioneirismo dos irmãos Lumière, que pela primeira vez conseguiram realizar um registro mecânico da passagem do tempo.

É natural que o cinema dite a moda na linguagem audiovisual. Sopranos, uma das grandes séries já feitas é, por exemplo, uma síntese de filmes de gângster feitos nas décadas anteriores, especialmente Os Bons Companheiros, filme de 1990 feito por Martim Scorsese – até a seleção de elenco tentou reproduzir o máximo possível este filme.

Recentemente Stranger Things fez algo semelhante com filmes de terror dos anos 1980: juntou elementos de vários desses filmes num produto original. E o resultado é até interessante, se bem que só a primeira temporada é realmente boa.

As séries Breaking Bad e Mad Men usam elementos estéticos de filmes, especificamente do film noir – um dos gêneros mais prestigiados do cinema, não obstante trazerem essas referências para o colorido (os film noir são em branco e preto).

Só que recentemente a coisa se inverteu: as séries têm tomado a dianteira. Notam-se elementos estéticos utilizados em séries sendo reproduzidos exaustivamente em filmes. Já falei aqui a influência que The Crown teve no cinema: filtro acinzentado, o uso recorrente de contraluz e planos simétricos, que dividem a tela ao meio, como num espelho.

Ou será que a série teve como referência algum filme? Pode ser. É difícil precisar a origem de elementos estéticos, saber quem influenciou quem. Uma coisa é certa, porém: as séries são o que atualmente “todo mundo vê”. Muita gente viu Napoleão, Barbie ou Oppenheimer, mas muito mais gente viu Succession, The Crown, Stranger Things, Breaking Bad.

As séries são mais acessíveis – você assiste de casa em primeira mão – e mantêm os espectadores por mais tempo conectados (que é o ideal do streaming). Assim, os investimentos são cada vez maiores para esse tipo de produção. E também os melhores atores, roteiristas, técnicos. Vanessa Kirby teria sido chamada para atuar em Napoleão se não tivesse atuado em The Crown? Tenho a impressão que não. Bryan Cranston atuou em Breaking Bad e, por causa desse trabalho, atuou em dezenas de filmes.

O cinema parece ter deixado de ser a vanguarda do audiovisual e tornou-se um espaço secundário, apesar de ainda bastante relevante.

Só que aí surge um problema: é possível fazer um filme independente. Mas fazer uma série (mesmo uma minissérie) independente é mais difícil, se não totalmente impossível.

O crescimento de importância das séries, portanto, aumenta a dependência dos estúdios e dos conglomerados da mídia e da tecnologia, e diminui a liberdade de criação. Além disso, nós sabemos ao certo o público de um filme nos cinemas, mas não sabemos o público de uma série num streaming.

As plataformas não são transparentes em relação ao tempo assistido nem ao público real. Esse foi um dos motivos da greve em Hollywood. Pressionada, a Netflix decidiu divulgar seus dados em relatórios semestrais. É a primeira vez que a empresa, pioneira nesse tipo de serviço, iniciado em 2010, vai divulgar tais informações.

Com essas informações, será possível comparar o desempenho de séries e filmes, e talvez seja possível comprovar com números a minha teoria: que os filmes têm se tornado cada vez mais secundários e influenciados por séries.

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  1. Eu deixei de ir ao cinema, tanto por encontrar séries melhores, como também pela comodidade de decidir se quero ou não continuar assistindo, interromper no meu tempo, rever o filme etc.

  2. O cinema está passando por uma má fase. Muita política e se resumindo a sequelas, prequelas e outras que tais. Roteiros originais que dão ao público o que ele quer ver é mais fácil encontrar nas plataformas de streaming do que no cinemas

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