Tânia Rego/Agência BrasilLixo acumulado nas ruas de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro

Eleições municipais: recursos limitados e soluções criativas

As expectativas e cobranças da população sobre prefeitos e vereadores fazem com que esses sejam dos cargos eletivos mais ingratos do nosso sistema
29.12.23

No próximo ano, a política diminuirá o seu ritmo para que possamos falar muito sobre política. É a sina dos anos pares: mesmo que necessárias, reformas impopulares são adiadas, pois não é hora de se pensar no futuro, apenas nas eleições. Mesmo assim, em termos comparativos, as eleições municipais seguem sendo a prima pobre dos pleitos nacionais: o esvaziamento dos cofres das prefeituras e a concentração da atenção na capital federal faz com que as disputas se transformem em pleitos de segunda categoria. Mais um, entre os erros cruéis da nossa democracia.

As grandes questões da gestão pública brasileira estão sendo operadas nos municípios. E a inversão de proporção entre o percentual dos impostos coletados que permanecem sob gestão local, aproximadamente 5%, e as expectativas e cobranças da população sobre prefeitos e vereadores fazem com que esses sejam dos cargos eletivos mais ingratos do nosso sistema. Para a maioria das cidades brasileiras, a situação é grave: a cada quatro anos, seus eleitores vão às urnas escolher um político para ir a Brasília atrás de recursos com o pires na mão.

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, mais da metade dos municípios brasileiros estão no vermelho. Muitos são altamente dependentes de repasses e não possuem arrecadação nem mesmo para a manutenção da sua Prefeitura e Câmara dos Vereadores. Recentemente, 2 mil gestores municipais foram a Brasília com o pires na mão, buscar mais verbas. Um indicador da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), divulgado em outubro, mostrou que 42% dos municípios brasileiros têm situação financeira difícil ou crítica. Apesar de o número indicar melhora nos últimos anos — o pior resultado ocorreu em 2017, quando o número chegava a 82% — a expectativa é de piora para os próximos anos.

As prefeituras operam com recursos limitados e expectativas complexas, apesar de serem o epicentro das demandas do eleitorado. Nas pesquisas qualitativas realizadas por partidos e políticos em preparação para as próximas eleições, a segurança pública aparece entre os pontos de maior atenção do eleitorado. Em algumas delas, ela é o maior. Tradicionalmente, uma responsabilidade dos governos estaduais, a segurança pública emerge como uma preocupação central na esteira do crescimento na violência urbana.

As metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, veem o aumento da população em situação de rua e a segurança dos turistas como questões que ameaçam a atratividade da cidade no verão, estação tradicionalmente lucrativa para o município. Em São Paulo, um roubo é registrado a cada meia hora no centro da cidade, e o número de ocorrências do tipo na cidade é o maior registrado nesse século. Os candidatos às prefeituras, embora operando com limitações em termos de jurisdição, são compelidos a propor soluções que abordem essas preocupações. Mas o fortalecimento das guardas municipais, uma das possibilidades de melhora da vigilância ostensiva nos centros urbanos, custa dinheiro, e ele anda em falta nos cofres.

Zeladoria e infraestrutura, outros itens em destaque na visão dos eleitores, também são fatores de alta visibilidade e alto custo para as gestões municipais. Mas, nesse contexto, as parcerias público-privadas (PPPs) surgem como um recurso valioso, permitindo a implementação de projetos inovadores mesmo em tempos de restrições financeiras. Unidas a melhorias regulatórias que permitam o melhor aproveitamento dos investimentos privados em benefício do público —como o aproveitamento do térreo dos prédios residenciais para atividade comercial, o que pode contribuir até para a melhoria da segurança — a exploração das possibilidades de parceria podem ser formas da gestão municipal se reinventar a custo baixo e encontrar soluções alternativas para problemas persistentes.

Isso sem nem falarmos em saúde e educação, duas áreas mestras das políticas públicas, cuja melhoria deve passar pela revisão do modelo de promessas e ofertas no pacto entre cidadão e Estado brasileiro.

A falta de recursos escancara o fato de que as cidades brasileiras precisam de melhores ideias. A permanência da polarização e os riscos de nacionalização do debate são ameaças, pois as ruas esburacadas, o lixo não coletado, e o posto de saúde sem profissionais não podem esperar por mais uma rodada de debate político sobre aborto ou drogas. É essencial que os eleitores exijam foco nas questões municipais, cujo impacto é mais imediato e tangível em suas vidas diárias, sob pena de termos a conversa sobre os próximos 4 anos perdida em temas de outra jurisdição.

Na campanha, veremos o retorno do tradicional discurso saúde-educação-segurança-emprego porque são temas importantes e precisam ser parte do debate sobre as nossas cidades. No entanto, o quadro das cidades brasileiras deve nos levar à discussão de um ponto anterior: a capacidade do gestor de avaliar o seu orçamento e buscar alternativas.

Os eleitores devem avaliar as propostas à luz das realidades fiscais e sociais de seus municípios, ponderando a viabilidade e o impacto potencial de cada projeto. A escolha de líderes capazes de implementar políticas públicas eficazes e inovadoras, especialmente em tempos de escassez de recursos, é crucial para garantir o desenvolvimento sustentável e o bem-estar nas cidades brasileiras. É mais do que fazer escolhas, pois as velhas formas já não podem ser pagas: é tentar encontrar soluções factíveis para grandes problemas a custo baixo.

Assim, ao avaliarmos os candidatos e suas propostas para as próximas eleições municipais, devemos nos perguntar qual candidatura oferece não apenas uma visão, mas também soluções práticas e criativas para os desafios atuais. A resposta a esta pergunta será determinante para o futuro dos municípios brasileiros e para a qualidade de vida de seus cidadãos.

 

Magno Karl é cientista político e diretor-executivo do Livres

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  1. Os eleitores não sabem quais responsabilidades recaem sobre vereadores e prefeitos. Isso facilita a eleição de gente incompetente e manipuladora no discurso de campanha, o que garante o caos vivido em tantos municípios do país

  2. Como e as coisa. As pequenas prefeituras sobrevivem com os poucos recursos que tem. Em compensação o fundo partidário para as campanhas e de aproximadamente de 5 bilhões. E o contraste do país.

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