ReproduçãoAudiência no TSE: flerta com o exagero achar que vídeos tiveram impacto significativo na eleição

Bolsonaro inelegível reforça jurisprudência agressiva do TSE

Da mesma forma que um remédio em excesso pode se tornar veneno, um Judiciário que não para nunca de vigiar abusos termina por cometer os abusos ele mesmo
23.06.23

O relatório de 43 páginas que serviu de base para a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE 11527), na qual se pede a inelegibilidade de Bolsonaro e de seu candidato a vice, Walter Braga Netto, contém alegações de que o ex-presidente, em reunião com embaixadores, se valeu de sua função e dos bens da União — a reunião foi no Palácio da Alvorada — para impulsionar sua candidatura, desviando a finalidade do que é público em favor próprio, gerando disparidade de armas entre os demais candidatos e violando os artigos 37 §1º da Constituição Federal, 73, I, da Lei 9.504/97.

A alegação é frágil. Sabemos que, no Brasil, o limite entre público e privado, entre Estado e governo, é tênue, razão pela qual a lei é habitualmente aplicada sem muita rigidez.

O cerne do julgamento não será este, mas o de que Bolsonaro, segundo o relatório, disseminou “informações falsas” sobre o processo eleitoral e fez “ataques” a ministros da Corte, alcançando “parcela significativa do eleitorado”, violando o artigo 22 da chamada Lei de Inelegibilidade (LC 64/90), que pune o uso indevido de meios de comunicação.

A referida lei nunca serviu para isso. De uns anos para cá, a jurisprudência do TSE vem formando precedentes de que a propagação de “desinformação” e “inverdades” nas mídias sociais caracteriza uso indevido dos meios de comunicação. Incialmente, os julgados miravam disparos em massa de mensagens de aplicativos. Em seguida, o TSE começou a entender que falas de candidatos interpretadas como ataques ao processo eleitoral ou à democracia também se enquadravam.

Foi assim que o deputado Fernando Francischini foi cassado, em 2021, após suas falas questionando a segurança das urnas terem sido enquadradas no mesmo artigo 22 da LC 64/90.

Na reunião com embaixadores, de fato, Bolsonaro proferiu uma série de bobagens bravateiras: questionou a integridade do processo eleitoral, do TSE e de seus ministros, afirmou que os resultados poderiam ser comprometidos por fraudes e que as urnas eram inauditáveis e manipuladas para favorecer políticos de esquerda, de quem alguns ministros seriam, segundo ele, aliados.

Não digo que as falas sejam insignificantes, mas as entender como razão para tornar alguém inelegível não é uma interpretação técnica, é um total exagero. Também flerta com o mesmo exagero sustentar que os vídeos com as tais falas que, segundo o relatório, tiveram 589 mil e 587 mil visualizações no Facebook e Instagram, respectivamente, impactaram significativamente eleições com mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar.

Veja, leitor, juridicamente, o impacto tem de ser realmente significativo e inequívoco. Está em jogo a inelegibilidade de um candidato e o reforço a uma jurisprudência agressiva que poderá impactar os próximos que virão. A condenação à inelegibilidade precisa sempre ser tratada como uma exceção, afinal, nas eleições, o voto do povo — e não dos ministros do TSE — é protagonista.

A cassação de eleitos e a proibição de futuras candidaturas a que temos assistido ultimamente deslegitima e descredibiliza a soberania conferida ao voto popular. Ainda que desinformações sejam nocivas às eleições, tumultuam menos do que a interferência recorrente do Judiciário no pleito eleitoral. É ruim o jogo de futebol em que o árbitro é por demais rigoroso e marca todas as faltas possíveis e imagináveis, não deixando o jogo seguir, ou expulsando jogadores logo no início da partida.

Discursos abusivos e desinformativos não devem ser tolerados, mas podem ser punidos nas urnas. Foi o que, aliás, ocorreu com Bolsonaro. Da mesma forma que um remédio em excesso pode se tornar veneno, um Judiciário que não para nunca de vigiar abusos termina por cometer os abusos ele mesmo.

 

André Marsiglia é advogado constitucionalista, professor e pesquisador de casos de censura no Brasil

@marsiglia_andre

andremarsiglia.com.br

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A insegurança jurídica hoje em dia nos mostra que os caras quando não tem um crime para julgar eles inventam qualquer coisa para agirem.

  2. Bolsonaro foi um sonho que virou um pesadelo graças ao próprio. Poderia ter se oposto à soltura do Luladrão mas nada fez. Foi muito burro e ficou os 4 anos só agindo em função da reeleição e mutretas ridículas. O Brasil está carente de um governo competente e íntegro.

  3. Veremos o ""teor de pizza"" no julgamento do moleque bolsonéscio. Caso o resultado seja ZERO PIZZA, de acordo com o robusto e explícito conjunto probatório, o BRASIL aplaudirá de pé e a moral do tribunal estará reinstaurada!!! Caso aconteça uma molecagem de locupletado pedido de ""vista"", aí.... é o fim completo da moralidade!!! Será entretanto redentor ouvir: CADEIA NO NÉSCIO!!!!

    1. ""Ele não disse ""impropriedades"" ""numa reunião com embaixadores"": ele os ""reuniu com o único e objetivo propósito"" de cometê-las e AFIRMAR O SEU CONTEÚDO ESPÚRIO!!!

    2. Lembrando, é claro, ser o "escandalo com os embaixadores" apenas uma das quase 10 ações contra o demente.

  4. Discordo do autor: um Presidente que convoca embaixadores credenciados em seu País para criticar e desmoralizar o sistema eleitoral que o elegeu, merece, sim!, uma punição severa. O ato foi de uma irresponsabilidade total e a lei tem que ser aplicada com rigor em casos dessa natureza. Aliás, Bolsonaro ainda deu sorte pelo fato de "ostentação de burrice" não ser crime previsto em nosso Código Penal, senão a pena seria ainda maior.

  5. Com toda a decepção q carrego por ter votado em Bolsonaro (para mim, principal traição q se configura a maior de todas (e bota muitíssima nisto!), considero (com fundamento de segurança de cidadania) que se torna descaradamente injusta essa desequilibrada e psicótica perseguição do Poder Judiciário Superior Brasileiro ao Cidadão Jair Bolsonaro. Não se trata de remédio, como amacia o excelente redator deste Artigo (sim com A!) e sim um veneno mortal à DEMOCRACIA. E esta é a essência da INJUSTIÇA!

  6. Concordo plenamente com o artigo. É notório e muito preocupante os excessos de nossos tribunais superiores. Minha preocupação é até onde irão? O equilíbrio que deveria existir entre os poderes, através de pesos e contra pesos de nosso sistema republicano tem se mostrado ineficiente.

  7. Com todo o respeito, o que eu mais ouvia, antes e depois das eleições era: a eleição será/foi fraudada a favor do Lula. Então Dr. Marsiglia, não foi só a reunião com os embaixadores que provocou isso. O pleito a presidente, já que o Sr. gosta de fazer analogias com futebol, é como se o time e a torcida derrotados, de antemão imaginavam quem seriam roubados, não olhando para as próprias falhas técnicas.

Mais notícias
Assine agora
TOPO