Agência BrasilPorto brasileiro: aumento recorde de exportações dependeu, sim, de alguma sorte

A sorte de Lula

Um elogio à sorte de Lula frente ao contexto macroeconômico global, se tornou motivo de extrema irritação para a militância.
23.06.23

“Lula é um cara de sorte”

Foi com essas palavras que descobri há alguns dias que é possível irritar seriamente pessoas, mesmo ao fazer um elogio.

Descrevi brevemente no Twitter (uma rede social projetada para pessoas odiarem pessoas, objetos e lugares), que Lula teve um certo golpe de sorte na mudança do contexto macroeconômico global. Eis os motivos:

Quando Lula venceu as eleições em outubro de 2022, o mundo enfrentava um clima de incerteza. As taxas de juros nos EUA estavam em alta e o mundo previa uma recessão, tanto nos EUA quanto na Europa. A China ainda tentava se desvencilhar dos efeitos do lockdown, que trancou a cidade de Shangai.

Em novembro de 2022, um raro caso de protesto por parte de cidadãos chineses tomou as ruas da maior cidade do país. Os habitantes de Shangai protestavam contra a política de Covid Zero.

Na Europa, a situação era de inflação de 10,6%, contra 6,1% em maio deste ano.

Mas o que exatamente isso significa na prática para o Brasil?

Em primeiro lugar, tratando dos EUA: uma taxa de juros maior nos EUA implica que o Brasil terá de subir sua taxa de juros (ou mantê-la alta), para criar um diferencial que atraia investidores. Isto foi o que ocorreu e continua ocorrendo. Com juros maiores, a economia brasileira iniciou o ano com uma expectativa menor de crescimento.

De quebra, Lula anunciou a PEC da Transição, criando uma expectativa de déficit bastante acima do previsto para este ano. Com maior déficit do governo, há pressão inflacionária.

No combinado dos 3, EUA, Europa e China, um crescimento menor implica menor valor para as commodities. Com a economia chinesa tendo apresentado seu menor crescimento anual em 30 anos, a demanda por carne, soja e minério de ferro tende a ser menor.

Claro, nem tudo era ruim. O petróleo que em março de 2022 estava custando 117 dólares, em outubro já havia caído para 93 dólares, com tendência de queda pela expectativa de recessão nos EUA e Europa e menor demanda na China.

Algumas mudanças, porém, ocorreram de lá pra cá, que favoreceram o Brasil.

A China abandonou sua política de Covid Zero e acelerou os incentivos para a  retomada econômica. O resultado é, por exemplo, uma alta de 15% no minério de ferro. A Europa conseguiu se desvencilhar da dependência russa, diminuindo a pressão em commodities de energia, e os EUA entraram em uma briga de longos cinco meses para aprovar o aumento no seu próprio teto da dívida.

O dólar enfraqueceu perante o mundo, inclusive em relação ao real, e a economia chinesa colaborou para que as exportações brasileiras batessem recordes em abril deste ano.

Esses fatores são aquilo que atribuí à “sorte”.

Tal palavra, entretanto, irritou a militância petista, que buscou convencer que, na verdade, tudo estava relacionado a ações do presidente.

Sugeriram, por exemplo, que o aumento na estabilidade política foi responsável por diminuir o dólar, pois atraiu capital externo, além de aumentar a expectativa de crescimento.

Convém lembrar, porém, que o IED, o Investimento Externo Direto, caiu 28% nos cinco primeiros meses do ano.

De fato, investidores gringos passaram a comprar muito na bolsa brasileira, em boa medida porque ela estava barata.

Em números práticos, os estrangeiros colocaram aqui R$ 6,5 bilhões a mais do que venderam. O número é até menor do que no período pós-eleição em 2022, que registrou entrada de R$ 7 bilhões. É também menor do que o saldo de R$ 90 bilhões em todo ano de 2022. Não creio, portanto, que Lula tenha influenciado o dólar ao gerar otimismo nos estrangeiros. Mas concordo que esses investidores estejam mais otimistas com Lula do que a média dos investidores locais.

De forma simples, dizer que Lula teve sorte não é, de forma alguma, uma ofensa, ou crítica a eventuais méritos.

Lula assumiu em um cenário de desconfiança em 2003, num cenário que se tornaria favorável apenas alguns anos depois. Lutou em seus dois primeiros anos de mandato com bastante mérito para eliminar o risco que decorriam de  suas próprias ideias na década anterior.

Em suma, foi um político habilidoso, que dissipou o risco gerado por sua militância, ou por suas próprias falas para agradá-la. Tem feito isso em 2023 também.

Apesar da PEC da Transição e dos discursos constantes de ministros contra reformas passadas, acabou por nomear um nome muito melhor que a média de seu partido para a Economia.

Conforme mencionei em novembro de 2022, Haddad era uma boa escolha diante das opções petistas. Mencionei, aqui na Crusoé, que ele enfrentaria oposição dentro do PT.

Como você deve ter visto, alas mais radicais tentam atacar o Arcabouço Fiscal. A militância no Twitter (não que sirva de exemplo para o todo, mas ainda conta), faz piadas constantes sobre Haddad como um “liberal”.

Longe disso, Haddad é um social democrata. Conseguiu convencer a sociedade, e o mercado, a aumentar gastos, com uma suposta rigidez de longo prazo.

Em suma, prometeu aumentar os gastos em 2,5% ao ano acima da inflação. Menos da metade dos 6,2% de média dos governos petistas. Não é bom, mas foi de fato um ganho diante de militantes que podiam simplesmente pelo fim do teto de gastos.

Sobre a questão da estabilidade de forma geral, não sou nem pretendo me passar por cientista político. Vejo que Lula aumentou a liberação de verbas para o Congresso. Essa também é uma tendência já antecipada por essa coluna. Desde Temer, o Congresso assumiu uma função que lhe cabe, a de organizar o orçamento. Lula tem respeitado isso. É um “mérito”, ainda que eu discorde sobre emendas para o Congresso e que o próprio Lula tenha chamado isso de escândalo. O mérito está em evitar comprar briga com o Congresso.

Em suma, peço desculpas ao leitor por lhe propor essa “não discussão”. Sendo o Brasil um país periférico, deveria ser evidente que somos atingidos com força por fatores externos e que os ciclos de commodities, a área em que somos uma potência econômica, nos afetam. Principalmente, que o Brasil não se resume a uma pessoa e seus atos.

São coisas que acredito que você já saiba, caro leitor. Mas que valem ser ditas, afinal, muitas vezes o óbvio precisa ser reforçado.

Também convém lembrar que a sorte não define qualquer resultado a longo prazo. O que importa é o que se fará dela.

E neste quesito, o Brasil infelizmente apresenta uma situação pouco promissora.

Somos conhecidos por fazer reformas necessárias em períodos de dificuldade.

Nossos governos nos últimos 130 anos insistem em reformar apenas quando as coisas vão mal. Nossos políticos não resistem à tentação de ampliar os períodos bons e aguardarem ser julgados pela história. Gostam dos aplausos atuais. Ok, isso é um fator humano, coisa que todo político é (e me desculpem os militantes se essa conclusão também os ofende). E como tal, sujeitos à sorte e ao azar e cobrados pelos resultados.

 

Felippe Hermes é jornalista

 

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500
  1. A única ação do presidente que ajuda a melhorar o dia dele é a que ele faz depois do café (no banheiro). Se alivia do pt.

  2. Essa é a magia do PT: em 2002, com um cenário amplamente favorável eles desperdiçaram uma chance enorme de mudar o país de patamar; agora, em cenário um pouco melhor do que o vivido nos últimos anos é certeza de só fazerem m*rda. Não há conjuntura que dê jeito em incompetência, burrice e corrupção.

  3. Outra área que a "sorte" do Lula deveria ser analisada é no caso da Vale. Privatizada por FHC sob fortes críticas do PT o fato é que a Vale privatizada produziu bem mais do que antes. Após a "marolinha" de 2008 não conseguindo engajar o Agnelli nas suas políticas populistas Lula conseguiu que Mantega tirasse o Agnelli para colocar um presidente amestrado pelo PT. Nos desastres de Mariana (2015, Dilma) e Brumadinho (jan. 2019, Bolsonaro) Lula não estava no governo (mas era o PT). Lula deu sorte.

    1. Deixem o Presidente do Banco Central sair que vocês vão ver a política de Haddad e Lula assistir a inflação disparar .

  4. Não é sorte, é oportunismo. Quando FHC colocou as ações da Petrobras na bolsa de NY Lula o criticou, mas nada vez deixou rolar. Em 2008 o Lula "deu a sorte" de o Brasil receber impronunciável o Investment Grade. Mas o fato é que a Petrobras (aquela do Geisel) havia anunciado o pré-sal em 2007 e desde 2005 a Federação de Petroleiros de Lula empurrou a repactuação dos contratos dos empregados com o fundo Petros, adequando a empresa aos investimentos de fundos americanos.

    1. Com o Investment Grade do país graças à competência dos empregados da Petrobras o país começou a receber recursos, que foram jogados no lixo em projetos megalomaníacos da 7Brasil que veio a ferrar com a aposentadoria dos empregados da Petrobras, particularmente. (E ainda tem petroleiro que idolatra esse malandro).

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