Adriano Machado/Crusoé"Na verdade, o acordo é para salvar o país. O país está em uma crise econômica muito intensa"

‘Acordo de engajamento’

Jorge Oliveira, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, fala da existência de entendimentos do Planalto com o STF e o Congresso para "tirar o país do buraco" e diz não haver conflito entre Bolsonaro e Moro
06.09.19

Jorge Oliveira, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, trabalha com a família Bolsonaro há uma década e meia. A aproximação, porém, começou muito antes. Seu pai, o capitão do Exército Jorge Francisco, prestou serviços para o agora presidente da República de 1998 até o ano passado, quando morreu, vítima de um infarto, em plena pré-campanha do chefe. Ambos davam expediente na Câmara dos Deputados. Jorge Francisco, o pai, era o chefe de gabinete de Jair Bolsonaro. E Jorge Oliveira, o filho, era o chefe de gabinete de Eduardo Bolsonaro. Major da reserva da Polícia Militar, o agora ministro chegou ao governo para tomar conta de uma cadeira que, em poucos meses, já havia tido dois donos, ambos demitidos pelo presidente — Gustavo Bebianno, o primeiro a cair, e o general Floriano Peixoto.

No posto, Jorge Oliveira tem a missão de auxiliar diretamente o gabinete presidencial em questões administrativas ligadas ao palácio, na elaboração de subsídios para a tomada de decisões de governo e, em especial, nos assuntos jurídicos e legais que dependem do aval de Bolsonaro. É o caso, por exemplo, do processo de escolha do novo procurador-geral da República e das canetadas do presidente sobre a polêmica Lei do Abuso de Autoridade – nesta quinta-feira, 5, o Planalto anunciou o veto a 36 itens do texto.

Na semana passada, o ministro, de 44 anos, recebeu Crusoé em seu gabinete. Na entrevista que segue, ele falou da aproximação do Planalto com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de quem é próximo, negou que haja um conluio para travar a Lava Jato, mas admitiu a necessidade do que chamou de “acordo de engajamento”, destinado a “tirar o país do buraco”. Para ele, é preciso ceder e negociar com os demais poderes em nome de uma convivência pacífica. “Tem coisa que tem que compor. Nem tudo na vida, nem na nossa vida particular, é do jeito que a gente quer”, afirma. Eis os principais trechos.

O presidente ficou entre a cruz e a espada, como disse sua líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, para definir se vetava ou não o projeto de lei de abuso de autoridade?
É natural que haja um clamor público sobre essa demanda, como sobre várias outras. Ele sempre entendeu o veto como sendo uma exceção. Então, dentro do possível, a gente prestigia o Parlamento. Mas, obviamente, havendo a indicação, seja da parte jurídica, pela inconstitucionalidade de algum dispositivo, ou uma avaliação de caráter político, que é pertinente também pelo interesse público, o presidente considera. Vejo isso com muita normalidade. O presidente não ficou entre a cruz e a espada.

Houve uma avaliação se era o caso de agradar o Congresso ou de agradar a base de apoiadores de Operação Lava Jato?
Não houve, nesse caso específico, uma avaliação política nesse sentido. O veto é uma possibilidade para que o presidente faça a revisão de algo que o Parlamento aprovou. E, feito o veto, obviamente, o Parlamento tem que ratificar ou não essa manifestação do presidente. O que tem se falado aqui é que o veto não é uma afronta ao Parlamento. Ao contrário. É uma previsão constitucional. A Constituição prevê esse mecanismo de revisões, seja por parte do presidente, seja por parte do próprio Parlamento, que detém a palavra final sobre isso.

Houve uma negociação para que o Congresso não derrube os vetos?
A eventual derrubada do veto também entendemos como sendo legítima. Faz parte desse diálogo, digamos, institucional. A gente não vê problemas em relação a isso. É uma visão do presidente, ele tem outorga para fazer isso.

Em oito meses de governo, foi a decisão sobre sanção mais delicada para o presidente?
Não. Tivemos outros temas que foram igualmente intensos em termos de sensibilidade, como a questão das armas (refere-se ao decreto do presidente flexibilizando a posse de armas). Foi, talvez, até mais intensa do que essa lei de abuso.

Por que o presidente adiou por várias vezes a escolha do novo procurador-geral da República? Os nomes cogitados não agradaram?
Em regra geral, a dificuldade não é por não termos bons nomes. Muito pelo contrário. Todos os nomes postos eram excelentes.

Inclusive os da lista tríplice?
A lista subsidia, sim, a tomada de decisão. É importante pela legitimidade conferida entre os pares. Em momento algum o presidente disse que não aceitaria a lista. Ele apenas disse que não se vincularia a ela, o que é uma coisa bem distinta. Todos os nomes apresentados podiam agradar em alguns aspectos e desagradar em outros. Por parte do presidente, ele acolheu todas as manifestações. Acho que a demora se deu por prudência do presidente, no sentido de fazer a melhor escolha.

Que perfil exatamente ele buscava?
Na visão dele, e eu concordo, o procurador-geral da República não pode ter uma posição de ser antagonista permanente do que o governo quer realizar. Por exemplo, na questão ambiental. Tem que ter um equilíbrio com o desenvolvimento. Se for algo radical em termos ambientais, o ministro (da Infraestrutura) Tarcísio (Gomes de Freitas) não constrói mais nenhuma rodovia. Não podemos ter uma rodovia importante na Amazônia há 20 anos dependendo de uma autorização ambiental. O presidente tem falado muito isso nas conversas com os procuradores. Ele fala: não quero alinhamento comigo, quero um alinhamento com o país.

Foi difícil encontrar esse perfil?
Muito pelo contrário. O presidente ficou muito impressionado. Na verdade, ele vem confidenciando internamente que ele se surpreendeu muito com a posição de boa parte deles.

Inclusive com Raquel Dodge?
Num primeiro plano, havia a possibilidade da recondução da doutora Raquel. Por que isso? Mandatos são de dois anos. A pessoa chega, são seis meses ali até compreender o funcionamento, implementar seu modelo de gestão e de repente já está acabando seu mandato. A doutora Raquel hoje tem uma maturidade no cargo e uma postura institucional que daria, sim, uma tranquilidade na sua recondução. O presidente a recebeu recentemente. Foi uma conversa excelente. Eu conversei com ela também sobre o assunto. Uma pessoa extremamente elegante, extremamente cordata no trato. A conversa foi muito agradável, ela tem uma visão muito positiva em relação a essa proposta de desenvolver o país. Seria um excelente nome.

E o subprocurador Augusto Aras (que acabou escolhido)?
O presidente conversou com ele em algumas oportunidades. Eu também. É uma pessoa que tem uma visão ampla do Ministério Público, um histórico de atuação dentro do MP.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“O acordo não passa por nenhuma questão que seja contra a lei. Esse acordo… Na verdade não existe um acordo escrito, nem verbalizado, é um acordo de percepção, de engajamento”
Ele sofreu fritura internamente após a revelação de que defendeu MST e foi anfitrião de um jantar para políticos de esquerda em sua casa?
O presidente até brincou nesse dia que qualquer nome que ele coloque alguém vai (fritar).

Como o sr. enxerga os problemas apontados nos candidatos? Paulo Gonet, por exemplo, que chegou a ser apontado como favorito, é ex-sócio do ministro do STF Gilmar Mendes.
Pô, mas isso, por si só, é suficiente para desgastar a pessoa? Não sei. Discordo. Ele foi recebido aqui, conduzido pela deputada Bia Kicis (do PSL do Distrito Federal), pessoa que tem proximidade com o presidente, apoiada abertamente pelo presidente. Infelizmente, não participei dessa audiência porque estava em uma reunião paralela. Não o conheci pessoalmente, mas o presidente também ficou satisfeito com ele.

Ser ex-sócio de Gilmar não era um problema para o presidente?
Olha só, para ser bem franco aqui: a pessoa com que a gente tem uma excelente relação hoje, tanto em termos pessoais quanto em termos institucionais, é o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. E ele, todo mundo soube, foi secretário de Assuntos Jurídicos e advogado-geral da União do governo do PT. Tinha uma proximidade com o governo do PT. Hoje, faz uma condução, a meu ver, republicana como presidente do Supremo. Tem auxiliado o governo em pautas importantes, naquilo que obviamente permite a autonomia de cada uma das instituições. E tem um nível de diálogo muito bom com a gente. Eu mesmo já fui recebido várias vezes por ele. Já veio aqui, inclusive. Fez a gentileza até de ir lá na minha sala lá quando eu era secretário de Assuntos Jurídicos, num gesto de humildade até. Conversou bastante. Então, essa questão de “Ah, tem vínculo com isso, com aquilo” acho que está superada. O presidente nunca foi uma pessoa de partido. Passou 28 anos na Câmara, sem ser pessoa de partido. Ele dialoga bem com todas as legendas.

A decisão do ministro Toffoli sobre o Coaf, que suspendeu a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro, ajudou a aproximá-lo do presidente da República?
Vou testemunhar o seguinte: eu, obviamente, já conhecia o ministro Toffoli, mas tinha tido pouquíssimos contatos. Na transição do governo, teve um evento aqui na Casa Civil em que o ministro Toffoli veio. Fui apresentado de maneira a poder conversar com ele. Na sequência, ele me convidou e também o ministro da AGU, André Mendonça, para uma visita ao Supremo. Ele nos recebeu no gabinete dele e falou que passou pela SAJ, passou pela AGU. E tivemos uma conversa muito boa. Desde a transição, o ministro Toffoli tem dado sinais de boa vontade, de colaboração, de aproximação com o Executivo. E o presidente retribuiu isso. O presidente já esteve com ele em algumas oportunidades também. Já o recebeu diversas vezes. E todas as vezes que esse encontro ocorreu foi muito bom, foi muito aberto, muito franco. Ele e o presidente estão num nível muito mais acima das questões partidárias e ideológicas. Não que elas não sejam importantes, que não sejam consideradas. Mas hoje chegamos ao ponto de falar que ou todo mundo se une ou o Brasil afunda.

Afinal, há um acordão em curso?
Não. Acho que é razoável que se tenha essa percepção, mas eu particularmente discordo. Até porque tenho observado em que termos isso tem se dado. Na verdade, o acordo é para salvar o país. O país está em uma crise econômica muito intensa. O ministro Paulo Guedes tem feito um trabalho hercúleo para tentar equilibrar as contas. Estamos num período em que todos os ministérios estão enxugando ao máximo o orçamento, em todos os sentidos. Os governos dos estados estão asfixiados, os prefeitos estão asfixiados. Esse acordo, sim, há. É um acordo pelo qual a gente tem que superar questões importantes, mas menores, em prol de temas maiores para o país. É esse que é o acordo. “Ah, mas isso vai beneficiar A, B ou C”. Não. O propósito não é esse. O que a gente tem que entender é que o país tem que deixar de gastar energia com esses temas menores para focar em temas maiores, em relação aos quais todo mundo vai se beneficiar.

Quais temas menores? A Lava Jato seria um desses temas, na sua opinião?
De forma alguma. A Lava Jato é um tema muito importante, é um símbolo para a gente.

Mas nesse acordo entram questões que afetam as investigações. Se a Receita é enfraquecida, se o Coaf é remodelado, se a cúpula da Polícia Federal do Rio sofre mudanças…
O acordo não passa por nenhuma questão que seja contra a lei. Esse acordo… Na verdade não existe um acordo escrito, nem verbalizado, é um acordo de percepção, de engajamento em temas maiores para o país. Começa por aí. Em momento algum está se querendo transigir a lei. É para fazer o que está dentro da lei, o que a lei permite. O que a gente percebe é que há um propósito de desenvolvimento, de salvar o país da crise econômica. É isso que está se propondo. Então, acho que esse propósito o presidente (da Câmara) Rodrigo Maia tem, o presidente (do Senado) Davi Alcolumbre tem, o presidente (do Supremo) Toffoli tem, o presidente Bolsonaro tem, a doutora Raquel Dodge tem. E quando falo desse propósito, não vejo de maneira pejorativa como sendo um acordão para todo mundo se livrar e tal. Não é isso. O problema é que a gente tem que pensar que existem coisas muito maiores. Se o país não se unir em um propósito maior, todos nós vamos para o buraco.

A Lava Jato não corre risco com esse “acordo de engajamento”, como o sr. prefere chamar?
De forma alguma. Pelo contrário. O presidente apoiou isso durante a campanha toda. Trouxe o Sergio Moro para cá para ser ministro. Como é que tem risco para a Lava Jato? Moro é o maior símbolo da Lava Jato no país.

Mas o presidente ora o prestigia, ora o cutuca.
Vamos falar abertamente sobre tudo? Olha só, vocês são da imprensa e, como todo segmento profissional, sem exceção, a imprensa tem bons e maus profissionais. Qual é o grande problema da imprensa? Que aquilo que você publica, que você expõe, você nunca consegue voltar atrás na mesma medida. Muita coisa do que aconteceu entre o presidente e o ministro Moro foi fomentado nitidamente pela imprensa. “Fontes me disseram não sei o quê, não sei o que lá…” Existem fontes? Às vezes, existem. Às vezes, existe gente de dentro do governo que quer desestabilizar alguém aqui, por algum motivo. Vocês sabem como isso funciona. Ou para queimar alguém ou para testar alguém. Há visões diferentes do ministro Moro sobre temas de governo algumas vezes? Há. Em relação à questão das armas, por exemplo. Assim como em outros temas de governo. Isso é natural? É. Isso torna o presidente antagônico ao ministro Moro? Não.

O que parece é que o presidente trouxe Moro, mas não deu 100% os instrumentos que ele precisa para atuar. É o caso do antigo Coaf.
O presidente deu o Coaf. Quem tirou foi o Congresso.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Há visões diferentes do ministro Moro sobre temas de governo algumas vezes? Há. Em relação à questão das armas, por exemplo”
Mas o presidente poderia vetar.
Se vetasse, o Congresso derrubaria o veto. Chegou num momento ali de inflexão, o presidente não quer ser intransigente. A gente tem que ser realista. Vamos supor que o presidente vetasse, o Congresso derrubaria o veto e criaria uma ruptura com o Parlamento. A gente com reforma de Previdência, com um monte de coisa para tramitar lá. Tem coisa que tem que compor. Nem tudo na vida, nem na nossa vida particular, é do jeito que a gente quer. Nem em casa é assim. Então você vai compondo.

E o pacote anticrime?
O presidente deu carta branca total. Ele redigiu, mandou para presidência, a presidência encaminhou ao Congresso do jeito que o ministro Moro mandou.

Mas o presidente, aparentemente, não o encarou como prioridade.
O presidente não pode pautar o Congresso. Presidentes pautavam o Congresso em outros governos, quando eles tinham mecanismos de cooptação. Neste governo aqui o presidente falou: “não vou cooptar o Congresso”.

O próprio presidente mandou um recado ao ministro Moro de que ele tinha que entender que o pacote anticrime não era prioridade.
Não precisava mandar recado. O ministro Moro tem essa compreensão. O Congresso entendeu por bem não trabalhar os temas concomitantemente. A pauta prioritária foi a Previdência? Foi. Porque é uma questão que não é de governo, é de estado. Nem tudo na vida é como a gente quer o tempo todo. Nem para o presidente é assim. O presidente não faz tudo o que ele quer, no tempo que quer, na hora que quer.

O presidente vê Moro como possível adversário em 2022?
De forma nenhuma. E desconheço que ele tenha essa pretensão de ser candidato.

O presidente, afinal, é candidato ou não?
A reeleição é quase uma obviedade (a entrevista foi feita antes de o próprio Bolsonaro declarar, nesta quarta-feira, 4, que não deseja disputar a reeleição). Qualquer um que chegar ao cargo vai ter projeção para isso. Eu particularmente gostaria que ele fosse.

O Senado vai aprovar Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington?
Acho que sim.

O que se diz é que o governo não está seguro de que a indicação passa.
Ele fez questão de ir se apresentar aos senadores, colocar as razões dele. Se sentir que haverá rejeição, não vai também.

O sr. acha correta a indicação?
Entendo a polêmica. Mas, particularmente, concordo com a nomeação. Tem pessoas próximas a mim que discordam e eu respeito. Acho razoável quem discorda. Sou um pouco suspeito em relação a isso porque tenho uma amizade com ele. Fiquei quatro anos trabalhando no gabinete dele, sou padrinho de casamento dele. E, sobretudo, o conheço como pessoa. Sei da integridade dele, é um cara obstinado. Mas tem gente que discorda e acha que ele só vai lá porque é filho do presidente.

Não é isso?
São pontos de vista. Qual a finalidade de ser um embaixador? Alguém que vai representar um país em outro país. Hoje está claro que o presidente quer ter um alinhamento principal com os Estados Unidos. E Eduardo, por “n” motivos, tem proximidade com os filhos do (presidente dos Estados Unidos, Donald) Trump, tem acesso ao próprio Trump. Quem vai cumprir melhor o papel de falar em nome do país? O Eduardo, que é filho do presidente. Pegue o melhor quadro do Itamaraty em termos de currículo. Com racionalidade, sem paixões. Quem vai representar melhor a fala do Brasil? O Eduardo que é o filho do presidente ou o mais qualificado quadro do Itamaraty?

E se Trump não for reeleito?
Se eventualmente o próximo presidente for uma pessoa que tenha dificuldade na comunicação com o Eduardo, o presidente vai ter que ter sensibilidade para reavaliar. Mas no cenário atual é o melhor nome. Com todo o respeito com os que pensam diferente. Se vocês pararem para pensar de forma muito isenta, tem inúmeras outras formas de favorecer um filho, como outros presidentes fizeram. E aí não houve o mesmo estardalhaço. O Eduardo tem uma vida bastante confortável aqui. É policial federal, teve 1,8 milhão de votos, se reelegeria sem fazer força. Falar que está se dando bem? Ele está beneficiando muito mais o país. Agora, quando outros presidentes trouxeram benefícios aos filhos de maneira escusa, não houve grita.

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