jackmac34 via PixabayA cartomante tirou suas cartas e viu que este ano os impostos vão subir

Viva o tarô! Viva o horóscopo!

Tá fácil brincar de Nostradamus no Brasil. Tão fácil, na verdade, que é quase perda de tempo
12.01.24

Eu disse aqui, na minha coluna anterior, que 2023 se repetirá neste 2024, em 2025 e 2026. Aliás, dependendo do que acontecer em 2026, é bem possível que a gente veja 2023 se estender até 2030. E olhe que nem estou levando em consideração o fato de que 2023 é, na verdade, a repetição de 2006. Seja como for, qualquer profecia este ano que entra que dê certo será a mera repetição, em outros termos, de alguma coisa que aconteceu no ano passado.

Por falar em profecias: sempre que o amigo ler “Viva a ciência!”, não esqueça de que está lendo “Viva o tarô!”, “Viva os búzios!”, “Viva o horóscopo!”, “Viva os saberes ancestrais e a defumação!”, porque tudo isso, afinal, são ciências também. E ciências proféticas. Pelo menos, é o que dizem os que vivem delas, conforme veremos a seguir.

Por exemplo: a cartomante tira lá suas cartas e vê que em 2024 os impostos vão subir. Vão mesmo. Vão subir em 2024 porque subiram em 2023, e subiram em 2023 porque são um dos pedágios que o amor exige para continuar a nos cobrir de bênçãos. Ou o amigo é dos que acham que o amor é de graça? Se a própria Marcela do Brás Cubas o amou por onze contos de réis, você acha que o governo, esse governo, vai te amar por menos?

Aí vem o astrólogo e nos diz que viu lá com os planetas que, tal qual aconteceu em 2023, em 2024 serão anuladas as provas que a Lava Jato levantou contra Fulano e Beltrano, amigos ou ex-funcionários da turma que está espalhando a luz lá em Brasília. A mesma coisa acontecerá em 2025 e em 2026, caso tenha sobrado algum condenado ou alguma prova em algum lugar qualquer.

Aí vem o numerólogo e nos informa que, segundo vozeiam os números, o homem mais puro, mais maravilhoso e cheio de graças do mundo repetirá 2023 e fará várias viagens internacionais em 2024, 2025 e 2026, sempre escoltado, aconselhado e às vezes até dublado pela preparadíssima consorte. Os números ainda dizem que a nanodiplomacia continuará de vento em popa, e trará os resultados de sempre.

Aí vem o tirador, ou jogador, sei lá eu, de i-ching, a quem os hexagramas confidenciaram que, se neste 2024 o fundão vai ser de 5 bilhões de reais, em 2026 ele vai bater na casa dos 7 bilhões ou 8 bilhões de reais. De reais ou do que houver no lugar deles. Porque o nome da moeda é mais imprevisível do que o valor de que o amor precisa para se reeleger.

Aí vem o homem, ou a mulher, dos búzios, que lhe sopraram à intuição (grande ouvinte, a intuição) que, como em 2023, em 2024 a suprema corte continuará alerta, solerte, diligente, indômita, aguda, prestes, vigilante, atenta, ágil, aplicada, zelosa, valente, arguta, perspicaz, sutil, enérgica, mordaz, grave, impávida – ah, amigo, se o rol de encômios estiver cansativo, é só falar, eu paro. Mas não sem antes dizer que, segundo os mesmos búzios, os mesmos intuitivos, prudentes e ancestrais búzios, o órgão em questão – e que órgãozão! – continuará imprescindível na “questão da governabilidade”.

Aí vem o cara que lê as runas e rumina que a relação do governo com o Congresso continuará em 2024 como foi em 2023: o governo continuará abrindo a burra do amor e as casas legiferantes se locupletando de afeto com essa paixão que só ela tem pela, oh, pela locupletação afetiva.

Quer dizer: tá fácil brincar de Nostradamus no Brasil. Tão fácil, na verdade, que é quase perda de tempo. O melhor mesmo é deixar os vaticínios para lá e seguir os dois conselhos que o poeta romano Horácio deu à sua amada Leucônoe. O primeiro: nec babylonios temptaris numeros, nem consultes os números babilônios, ó leitor. Porque número babilônio é charlatanismo, e porque a turma babilônica que está aí faz com os números coisas de que até Júpiter duvida. E o segundo: carpe diem, quam minimum credula postero – aproveite o dia sem acreditar demais no que virá amanhã.

Da minha parte, leitor caríssimo, desejo, com atraso mas com sinceridade, que seu 2024 fure todos os vaticínios desta coluna e seja, a despeito de tudo, feliz, excelente e muito próspero. Se deixarem.

 

Orlando Tosetto Júnior é escritor

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  1. Finalmente, uma coluna inteligente contra as crendices e supersticiosidades a que bem se aplica à sabedoria Zen: “O dedo aponta a lua. O sábio olha a lua. O tolo olha o dedo.” Ou ainda, como num bordão, muito utilizado por uma trupe de comediantes muito popular, de grande êxito que perdurou de 1974 a 1995, que sempre repetiam: “Me engana que eu gosto”, não é mesmo?

  2. Além de tudo isso, um artista importante irá morrer, haverá secas e enchentes, ciclones, erupções e terremotos, e polêmicas nas eleições municipais.

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