ReproduçãoO momento em que o sargento Roger é baleado: tragédia que não precisava ter acontecido

Sem saidinha

Todos os anos, as saidinhas deixam um rastro de crimes que poderiam ter sido evitados. Se os governos não conseguem impedir que isso aconteça, não faz sentido manter o benefício
12.01.24

A história se repete a cada ano: presos agraciados com a  “saidinha” de Natal deixam um rastro de crimes que não teriam ocorrido, obviamente, se eles estivessem na cadeia. Neste início de 2024, o caso bárbaro que causou consternação foi o do sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, assassinado por Welbert de Souza Fagundes, bandido condenado a 13 anos de prisão por roubo que já havia cometido crimes em três saídas anteriores e que o Ministério Público considerava inelegível para o benefício nesta virada de ano. A vara de execuções penais, no entanto, concluiu que ele cumpria os requisitos necessários: apresentava bom comportamento na prisão e estava no regime semiaberto, ou seja, saía todos os dias da cadeia para trabalhar.

Mas a morte do sargento Roger – alvejado por dois tiros na cabeça – pode ser catalisadora de uma mudança na legislação. Em agosto de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, por 311 votos a favor e 98 contra, um projeto do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) que extingue todos os tipos de saída temporária. O PL está na Comissão de Segurança Pública do Senado desde 2023 e já recebeu parecer positivo do seu relator, o senador Flávio Bolsonaro. Nesta semana, o filho do ex-presidente da República usou as redes sociais para reclamar que a pauta esteja parada. Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, não gostou muito. Em entrevista coletiva, negou que houvesse inércia de sua parte. “Alguns desavisados e alguns demagogos atribuíram ao Senado inércia em relação a esse projeto. Não houve inércia do Senado. O projeto chegou à Casa e eu, como presidente, despachei à Comissão de Segurança Pública”, disse ele. É fato, porém, que um novo tipo de articulação ganhou corpo nos últimos dias. Além do próprio Pacheco, que passou a exibir um empenho antes inexistente, entraram na linha de frente o presidente da Comissão de Segurança Pública Sérgio Petecão (PSD-AC) e o senador Sérgio Moro (União-PR). Daí deve nascer um projeto melhor do que o aprovado pela Câmara e chancelado por Flávio Bolsonaro. Além disso, manobras regimentais que vinham sendo utilizadas pelo PT e seus partidos aliados, para impedir que o projeto fosse votado em comissão, devem perder eficácia.

A saidinha de Natal é apenas um dos tipos de saída temporária atualmente autorizados pela Lei de Execução Penal, com a finalidade de promover a ressocialização dos presos. Motivos familiares podem justificar saídas excepcionais. O ministro do STF Dias Toffoli, por exemplo, negou esse pedido a Lula quando ele estava encarcerado em Curitiba e um de seus irmãos morreu. Mais comumente, detentos recebem autorização para deixar a cadeia para estudou ou trabalho. Essa possibilidade também é abolida pelo projeto da Câmara – um medida draconiana que provavelmente seria considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por ferir o conceito de progressão de pena. As articulações entre Petecão, Moro e Pacheco vão no sentido de abolir tão somente as “saidinhas” em datas festivas. “O Moro está tentando ajustar para que a gente possa votar no retorno do recesso, explicando para o senador Flávio que existe a necessidade de fazer uma adequação jurídica”, disse Petecão nesta semana. Outras medidas do texto original, ampliando o uso de dispositivos de vigilância como a tornozeleira eletrônica e exigindo exames criminológicos para a concessão do benefício da saída temporária também devem ser mantidos.

“Como não existe prisão perpétua no Brasil, todo detento vai sair um dia”, afirma o advogado Felippe Angeli, coordenador de advocacy do Justa, uma organização da sociedade civil que atua no campo da economia política da justiça. “Sendo assim, é de interesse comum que o preso, ao deixar a cadeia, não esteja completamente perdido para a vida normal ou dependente de uma facção criminosa. Permitir que um preso estude não é passar a mão na cabeça de bandido, é uma medida racional para tentar evitar o pior.”

Como quase todas as medidas adotadas no Brasil no campo da segurança pública, a discussão atual sobre a “saidinha” não é guiada por evidências sólidas. Os números mais recentes do Infopen, o repositório de estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, são de 2019 e indicam que 1% dos presos não haviam retornado à cadeia depois da saída temporária do Natal anterior. Em São Paulo, entre 2020 e 2021, o percentual de evasões foi bem maior, 5%, mas na saída coletiva de junho de 2022 o número caiu para pouco menos de 4%. Medir o impacto dessas saídas sobre as taxas gerais de criminalidade tem se mostrado um desafio. Números de alguns estados não sugerem movimentações explosivas na quantidade de crimes durante os períodos em que os detentos estão nas ruas. Esses dados costumam ser mencionados por quem se opõe a qualquer restrição às saídas temporárias.

É fato, contudo, que uma evasão de 5% ou 4% num universo de cerca de 35.000 presos com direito a “saidinha” em São Paulo não pode ser considerada insignificante: são mais de 1.500 bandidos que voltam a circular, certamente com más intenções. Além disso, dizer que as estatísticas não registram picos de atividade criminosa durante as “saidinhas” não tem significado nenhum para gente vitimada por bandidos que deveriam estar presos, como o sargento Roger e seus familiares. Melhor dizendo: mencionar estatísticas é uma agressão a mais contra essas pessoas. O fato perverso nesses casos é que o sistema judiciário  não soube triar adequadamente os detentos que podiam estar fora das celas e aqueles que deveriam ter passado o fim de ano na prisão, por representarem um risco para os cidadãos à sua volta.

Tal como está sendo redesenhado no Senado, o projeto de lei que modifica as saídas temporárias é uma solução de compromisso. Imporá um novo ônus aos presos que respeitam as regras das “saidinhas” em datas festivas e voltam no momento certo, para impedir que crimes evitáveis continuem acontecendo, ano após ano. Ao mesmo tempo, manterá a possibilidade do estudo e do trabalho fora da cadeia, o que certamente tem valor para aqueles que desejam deixar para trás um sistema penitenciário sabidamente infernal. Também é importante a medida que torna o exame criminológico obrigatório. Com sorte, ela levará a decisões melhor embasadas do que aquela que autorizou Welbert de Souza Fagundes a começar o ano na rua.

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  1. Tem que ver os antecedentes e a gravidade dos crimes que levaram à prisão. Bom comportamento só não basta. Quem garante que não é fingido?

  2. No final de todas essas contas eu realmente desejando é que o Moro continue sendo senador, que não seja cassado, e possa contribuir com o nosso país. Até porque a saidinha é tão problemática quanto os outros problemas que o Estado precisa resolver, e só com pessoas competentes é que se pode estruturar novas leis.

  3. O presidente veta e/ou algum partido leva pro STF, pode escrever. Incrível como o legslativo e a justiça são lenientes com a criminalidade. Somos reféns de criminosos de arma na mão ou com o mandato no bolso.

    1. Realmente, está uma porcaria; verdadeiro desrespeito ao assinante !

  4. O cidadão de bem passa apertado nesse país. O bandido, quando pego, tem muitas facilidades pra sair rápido da prisão, e quando condenado, ainda tem a progressão de pena rápida, em geral.

  5. Saidinhas, visitas íntimas, progressão de pena, impunidade...O Brasil precisa ter tolerância zero com os bandidos. Nada de saidinhas, visitas intimas, ou qualquer tolerância com bandidos! No Br5asil a Justiça não funciona e estimula os bandidos.

  6. Saidinhas, visitas íntimas, soltura de presos, só no Brasil mesmo! Qual a punição a Marco Aurélio Mello (STF) pela soltura d André do RAP? Traficante assassino perigosíssimo, a polícia gastou uma fortuna para conseguir prendê-lo! Marco Aurélio Mello, primo de Fernando Collor, soltou-o na calada da noite. Saiu pela porta da frente, pegou um avião direto p/ o Paraguay! Quanto Marco Aurélio levou por soltá-lo? E os demais juízes do STF, pares de M.A. Mello, por que nada fizeram, nem mesmo críticas?

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