Raul Baretta/ Santos FCTorcida do Santos em jogo contra o Fortaleza: não é simples levantar um gigante

A queda do gigante

O Santos brincou de imortal por muito tempo, e a punição veio da forma mais dolorosa possível
08.12.23

O Campeonato Brasileiro de 2023, que estava destinado a entrar para a história pela derrocada do Botafogo e o consequente triunfo do Palmeiras, ganhou um elemento ainda mais marcante em sua última rodada. O Santos Futebol Clube foi rebaixado pela primeira vez. E da pior maneira possível — se é que existe uma forma boa de cair de divisão. O Santos dependia de uma vitória na última rodada, jogava diante de sua torcida no campeonato disputado em homenagem a Pelé, mas perdeu para o Fortaleza, completando três derrotas seguidas. Bastaria ter ganhado um desses jogos para permanecer na Série A.

O roteiro do rebaixamento de um time grande é sempre o mesmo. Uma sucessão de más administrações vai minando o clube aos poucos, os impotentes treinadores vão passando pelo comando da equipe por períodos cada vez mais breves, até o ponto em que a camisa não consegue mais segurá-lo na elite do futebol nacional. Aconteceu recentemente com o Cruzeiro, que caiu pela primeira vez em 2019, e com o Internacional, em 2016. Agora, restam apenas Flamengo e São Paulo no rol dos “incaíveis“.

Mas o caso do Santos é diferente. O clube estava destinado a cair há muito tempo — inclusive no inexpressivo Campeonato Paulista —, mas, por alguma mágica da Vila Belmiro, sempre dava um jeito de tirar da cartola um menino capaz de mudar tudo. Marcos Leonardo, Ângelo e Kaio Jorge, entre outros, sustentaram a imponência santista por anos além da capacidade do clube. “Brincamos de imortais, mas, ao fim de algumas semanas, já nem sequer sabemos se poderemos nos arrastar até o dia seguinte”, diz o depressivo Jean-Baptiste Clamence em A Queda (Best Bolso).

Vivera durante muito tempo na ilusão de um acordo geral, ao passo que, de todos os lados, dissolviam-se sobre mim, distraído e sorridente, os juízos, as flechas e as zombarias. A partir do dia em que me dei conta, veio-me a lucidez, recebi todos os ferimentos ao mesmo tempo e perdi de uma só vez minhas forças. Todo o universo pôs-se, então, a rir à minha volta”, diz o narrador de Camus, abalado por um suicídio que não conseguiu (ou não quis) evitar, descrevendo a onda de memes que o santista começou a enfrentar na quarta-feira, 6 de dezembro, e que verá refluir vez ou outra ao longo de toda a sua vida.

O Fluminense, campeão continental deste ano, nunca conseguirá pagar a Série B que deve ao Brasil. O tricolor carioca caiu três vezes seguidas na década de 1990 e voltou para a Série A depois de ser campeão da Série C, pulando uma divisão, graças a subterfúgios jurídicos. Ninguém nunca vai esquecer. Aos santistas esperançosos, fica o aviso: lá se vai a época em que esse tipo de artimanha funcionava. E também não adianta invadir estádio, queimar veículos ou confrontar a polícia, como fez a torcida do Santos após a confirmação do rebaixamento.

Eu sou como aquele velho mendigo que não queria largar minha mão, um dia, no terraço de um café: ‘Ah, meu caro senhor’, dizia ele, ‘não é que se seja mau, mas perde-se a luz.’ Sim, perdemos a luz, as manhãs, a santa inocência daquele que perdoa a si mesmo”, diz Clamence, em mais um lamento que cabe bem ao torcedor do Santos, que acompanha os habitués da segunda divisão América-MG, Coritiba e Goiás rumo ao descenso.

Agora, é hora de o santista lamentar o destino, praguejar, encontrar e crucificar seus culpados; ostentar a história de glórias do clube quando se tornar alvo do deboche dos adversários; cicatrizar as feridas, enfim, e se preparar para ajudar o clube a voltar para seu lugar de fato, num caminho que não tem nada de fácil, como mostrou o Cruzeiro recentemente. Não é simples levantar um gigante, porque ele não perde o tamanho logo que cai.

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  1. Excelente texto que retrata que um rebaixamento não se resumiu somente a aquele jogo, mas a anos de administrações desastrosas e amadoras. Mas como diria o personagem Pablo Sandoval de “O Segredo dos Seus Olhos”, “as pessoas podem mudar de tudo: de casa, de família, de namorada, de religião, de deus. Mas uma coisa não se pode mudar, Benjamim. Não pode mudar de paixão”. E o Santos FC é a minha.

  2. Antes o Santos que meu Vascão! O Santos está completamente quebrado. Vai ter que virar SAF, sob pena de se desfazer no mesmo ciclo insuportável que o próprio Vasco está desde 2001. Felizmente para ele, caso seja mesmo esse o desejo, não será difícil encontrar bom comprador.

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