ReproduçãoLuís Roberto Barroso: ele foi mais específico nas situações em que veículos podem ser responsabilizados

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Decisão do STF que restringe a liberdade de imprensa ainda pode ser amenizada pela Corte 
08.12.23

Ao definir a tese de que veículos de imprensa podem ser responsabilizados quando um entrevistado imputar falsamente crimes a terceiros, o Supremo Tribunal Federal agravou o clima de censura que impera no país. Associações, organizações de jornalistas e especialistas em liberdade de expressão imediatamente questionaram a decisão, alegando que ela incentiva a autocensura. Com medo de serem punidos posteriormente, os veículos poderiam tentar balizar as respostas dos entrevistados ou, simplesmente, desconvidá-los. Mas há ainda uma nesga de esperança em alguns setores, que acham que a tese ainda pode ser amenizada nos próximos meses.

Quem primeiro cogitou moderar a decisão foi o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em 29 de novembro. Em conversa com os jornalistas do lado de fora do Supremo, Barroso foi mais específico ao se referir às situações em que os veículos poderiam ser responsabilizados.

A tese fixada pelo Supremo afirma que isso poderia ocorrer em dois casos. O primeiro é quando, à época da divulgação, havia “indícios concretos de falsidade” da imputação publicada. O problema dessa afirmação é que ela é vaga demais. Um entrevistado pode fazer uma denúncia de corrupção, mesmo após o acusado ter sido inocentado em uma sindicância interna de uma estatal? E se o funcionário público for de fato corrupto? “Essa expressão é de um subjetivismo imenso, tanto que em um juízo criminal ela não serviria para uma condenação. Certamente, seriam exigidas mais provas”, diz o advogado Alexandre Wunderlich, especialista em direito penal. A segunda situação seria aquela em que “o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência em tais indícios”. Mas aqui também não se sabe o que seria o tal “dever de cuidado”. Seriam as empresas obrigadas a checar todas as falas de todos os seus entrevistados, em uma espécie de compliance prévio? Algo assim seria virtualmente impossível.

O ministro Barroso, na sua declaração aos jornalistas, foi mais específico sobre quais casos poderiam acarretar a responsabilização do veículo. “Se uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que a pessoa foi absolvida”, afirmou Barroso. É uma situação clara, que já é seguida à risca pelos veículos de imprensa. Nem poderia ser diferente. Um jornal que diz que alguém foi condenado, quando a pessoa foi inocentada, perde instantaneamente a credibilidade. Neste caso, ficaria muito evidente a má-fé, pois haveria a intencionalidade de prejudicar alguém ou “absurda negligência em apurar a verdade”, como afirmou Barroso.

Barroso afirmou que os casos de responsabilização dos veículos seriam muito excepcionais, com negligência evidente e absurda má-fé. Ninguém seria contra isso. Essa responsabilidade a imprensa sempre teve”, diz Marcelo Rech, presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais, ANJ, que participa do processo como amicus curiae. “Se o acórdão vier nessa linha, nós entendemos que a decisão não apresenta um risco adicional para a liberdade de imprensa.”

O acórdão é o texto que traz o consolidado dos votos de todos os ministros. Caso o documento venha vago, a ANJ pode entender que ele ameaça a liberdade de imprensa. Nesse caso, a entidade entrará com um embargo de declaração. Essa possibilidade foi aventada pelo ministro do STF Gilmar Mendes, um dia após a divulgação da tese. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Gilmar afirmou: “Óbvio que suscita também dúvidas pela abrangência, sobretudo da tese. Hoje, um jornalista me dizia, por exemplo, da veiculação de entrevistas ao vivo desses fatos e que podem levar à responsabilidade do veículo de comunicação. Eu dizia que é importante que isso seja suscitado, que o que se quer é ser justo, encontrar uma boa fórmula para dar segurança e evitar injustiças”. O ministro então afirmou que isso poderia ser feito por meio de “embargos de declaração, algum tipo de suscitação de impropriedade da tese”.

Segundo o regimento interno do Supremo, cabem embargos de declaração quando há no acórdão “obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas”. Após publicado o acórdão, as partes têm cinco dias para interpor a medida. “O STF então pode se ver na obrigação de até mesmo mudar um pouco as palavras da tese de repercussão geral, tornando mais clara e mais exata a mensagem para orientação e observância por todos os órgãos jurisdicionais. Isso poderia, na perspectiva dos órgãos de imprensa, amenizar a contundência da responsabilidade por posições de entrevistado ao esclarecer que tipo de cuidado afasta a responsabilidade ou a confirma“, diz Antonio Carlos de Freitas Jr. advogado especialista em direito constitucional pela USP. A Associação Nacional de Jornais, ANJ, afirmou que está preparada para fazer isso, a depender do texto do acórdão. Crusoé não conseguiu resposta dos advogados do Diário de Pernambuco, para saber se eles cogitam entrar com um embargo.

Na decisão em primeira instância, de 1997, o Diário de Pernambuco foi condenado a pagar uma indenização fora do padrão, de 700 mil reais, ao ex-deputado Ricardo Zarattini, do PT, que morreu em 2017. Ele alegava ter sofrido danos morais por causa da publicação de uma entrevista em que um delegado, Wandekolk Wanderley, o acusava de ser o responsável por um atentado a bomba no Aeroporto Internacional do Recife, em 1966. Zarattini não foi nem sequer acusado do atentado. O trecho da entrevista passou despercebido, sem destaque na primeira página do Diário. O jornal recorreu e obteve vitória na segunda instância. A decisão contra Zarattini afirmava que o autor não tinha interesse em ter “reparada sua imagem e moral perante a sociedade”, uma vez que recusou uma oferta do jornal para veicular uma entrevista para que ele apresentasse sua versão dos fatos. A recusa de Zarattini, segundo o desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, apontava que o ex-deputado buscava auferir ganhos financeiros. “Neste caso, constituiria enriquecimento sem causa, autêntico abuso no uso das disposições legais que regem a reparação por danos morais”, escreveu o desembargador. Um novo recurso levou o caso para o Superior Tribunal de Justiça, que voltou a dar ganho de causa a Zarattini, mas reduziu a indenização de 700 mil reais para 50 mil reais. A decisão foi confirmada pelo STF, que entendeu que o caso tinha repercussão geral. Isto é, a decisão final servirá para orientar juízes no Brasil todo.

Não há data prevista para a publicação do acórdão. Como os embargos de declaração ainda têm um prazo de cinco dias, o desenlace deve ficar para depois de fevereiro, quando termina o recesso judicial. O STF agora tem dois caminhos. O primeiro é usar esse caso controverso, que rendeu uma tese mal feita, para orientar os magistrados de todo o Brasil. Se as situações em que os veículos podem ser responsabilizados pelas falas de entrevistados forem bem delimitadas, é possível que o acórdão impeça ações abusivas contra jornais de todo o Brasil. O segundo caminho é aquele em que o STF mantém a verve autoritária de alguns de seus ministros, que gostam de submeter a liberdade de imprensa aos caprichos das pessoas com acesso ao Judiciário.

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  1. "Amenizar" ainda é pouco diante da ameaça de censura à imprensa! Poderíamos saber de todo tipo de notícias neste país... mas uma ameaça à imprensa atinge toda a sociedade e é uma afronta à Democracia!!!

  2. O Dino e o Gonet parecem gostar da ideia de se regular a imprensa. É o caminho pra se acabar com a liberdade de expressão, como nas ditaduras que os esquerdistas idolatram, tipo Cuba e China

  3. Oxalá o STF ainda consiga corrigir o aterrador erro que está cometendo. Todavia, se (esse susto) servir para abrir os olhos de certos setores da imprensa para a verdadeira face autoritária e arbitrária de muitos membros dessa corte, todo esse episódio já terá valido a pena.

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