Foto: Ricardo Stuckert / PR - 02.12.2023O presidente brasileiro com o francês Emmanuel Macron: protecionismo venceu

Sabotagem petista

Brasil perde janela de oportunidade ao não fechar acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia
08.12.23

A maior derrota da política externa do Brasil no primeiro ano de Lula 3 se concretizou nesta semana, com o adiamento da conclusão das negociações do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Em gestação há 20 anos, o acordo passou a ser motivo para troca de farpas entre o petista e o presidente da França, Emmanuel Macron. O francês chamou a proposta de “antiquada”, enquanto Lula atribuiu o fracasso aos “países ricos” que “não querem fazer qualquer concessão”. Oficialmente, quem pediu o adiamento foi o governo de Alberto Fernández, na Argentina, em 1º de dezembro. A justificava era de que haverá uma mudança de inquilino na Casa Rosada — o presidente eleito, Javier Milei, será empossado no dia 10. Na prática, Lula sabotou, com ajuda europeia, a conclusão do acordo em 2023 e desperdiçou uma janela de oportunidade.

Os primeiros sinais contra o acordo enviados por Lula ocorreram no início de março. Na ocasião, a UE enviou ao Mercosul uma carta, side letter, especificando compromissos ambientais do acordo. Esse documento virou o bode expiatório do petista por meses. Na França, em junho, Lula chamou a carta de “ameaça”, porque ela deixaria os exportadores brasileiros vulneráveis a sanções. Isso é distorcer os fatos. “A carta apenas diz que as partes vão negociar, no futuro, mecanismos para solução de controvérsias sobre sustentabilidade”, diz o economista Pedro Motta Veiga, do centro de estudos Cindes.

O petista explorou a polêmica da side letter para pedir a reabertura das negociações da parte do tratado sobre compras governamentais. O governo Lula defende que as empresas europeias não devem participar das licitações públicas de imediato, pois isso poderia prejudicar pequenas e médias empresas brasileiras. Seria uma maneira de manter uma reserva de mercado em meio a uma negociação de acordo de livre-comércio. “Compras governamentais são sempre uma oportunidade para fazer barganhas no mercado doméstico, seja fomentar setores de interesse ou favorecer aliados políticos”, diz Vinícius Vieira, professor da FGV. Nos moldes atuais do acordo, alguns setores teriam uma liberação gradual, exatamente para impedir um impacto forte nas companhias nacionais. Elas, assim, teriam tempo para se adaptar. Mas isso não foi considerado suficiente pelo governo petista.

Os obstáculos colocados pelo governo refletem uma antiga tradição de aversão petista a acordos comerciais com países ricos. Essa postura decorre, em especial, do protecionismo com a indústria, setor que, a diferença do agronegócio, não é tão competitivo no exterior. Até então, o Brasil e o Mercosul só conseguiram concluir acordos de livre-comércio com Egito e Israel, e está para fechar o terceiro, com Singapura. Mesmo na década de 1990, com o liberalismo em alta, os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso hesitaram ao longo das tratativas para a Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).

O ápice dessa repulsa a acordos comerciais com países ricos foi justamente o afundamento da Alca, em 2005. Lula, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Néstor Kirchner se vangloriaram na época por matar o acordo patrocinado pelos americanos, que teria criado a maior zona de livre-comércio do mundo. Os casos da Alca e do acordo UE-Mercosul são bem distintos, mas um fator em comum é a presença de Celso Amorim nas deliberações. O então ministro das Relações Exteriores e hoje assessor especial da Presidência disse em entrevista na segunda, 4, que o acordo com os europeus exigia demais dos sul-americanos e demandava pouco dos europeus.

Sozinho, Lula não seria capaz de sabotar as negociações do acordo Mercosul-UE neste ano. Ele contou com a ajuda de alguns líderes europeus, com destaque para Emmanuel Macron. Ao chamar o acordo de “antiquado”, o francês deu a deixa nesta semana para ser o novo bode expiatório de Lula. O primeiro e mais claro motivo para a relutância europeia é a preocupação ambiental. “A Europa é o único continente que leva a sério a questão ambiental”, diz Veiga. Por trás dessa preocupação genuína, também há o protecionismo do agro europeu, que não é tão competitivo quanto o sul-americano. Não é por acaso que os europeus mais contrários são aqueles mais dependentes do agro, como França e Polônia, enquanto países como Alemanha estavam na dianteira a favor do acordo.

O Brasil perdeu uma oportunidade especial para liderar a conclusão das negociações neste segundo semestre de 2023. O país está na presidência rotativa do Mercosul, enquanto a Espanha, um dos maiores apoiadores do acordo, estava na da UE. A partir da virada do ano, as agendas dos dois blocos serão controladas por Paraguai e Bélgica, ambos avessos ao acordo. “Sempre foi difícil fechar o acordo com muitos obstáculos. Eu não acredito na possibilidade do acordo a curto prazo”, diz o embaixador Rubens Ricupero. É com esse anticlímax que Lula encerra o primeiro ano da política externa do atual mandato. Ainda faltam mais três.

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  1. A mediocridade e a falta de visão dos nossos políticos é lamentável .infelizmente se não rolar grana nada anda

  2. O gnomo mulula ensandecido Ñ aprende nem mesmo o seu próprio idioma: ""energia renovávis"", ""desecamdear"".... s/ mencionar, é claro, as idiotices e sandices acachapantes, as bobagens lugares comuns, a estupidez das declarações irracionais e descontextualizadas. Aperta mão de árabe ditador torturador assassino esquartejador e, em acréscimo ""está preocupado c/ a ""geração de empregos na ""paupérrima"" ""Arábia Saudita""""!!!! Mulula é risível no planeta inteiro. Uma inominável vergonha!!!!

  3. "Fazer barganhas no mercado doméstico": VOCÊ QUIS DIZER: corrupção destinada a encher os bolsos do PT para se perpetuar no poder.

  4. Em 2005 O Descondenado mais Nestor mais Hugo se comportaram como os Três Patetas ( sem graça alguma ) e o Descondenado ainda conta com o concurso do Piolho de Jumento amorim. Só atraso para o país.

  5. Nas compras governamentais no Brasil sempre corre uma graninha por fora, com empresas europeias isso pode ser mais difícil.

  6. Pois é… faltam ainda três anos dessa linha de governar que se acha muito esperta e competente mas só leva o Brasil a caminhar para trás!

  7. Um país que tem em seu setor produtivo empresas viciadas em subsídios e vantagens competitivas artificiais (taxas de importação, por exemplo) nunca vai apoiar acordos de livre comércio. Um governo que, ideologicamente, é protecionista até chegar ao estúpido ponto de dar ao seu povo produtos piores e mais caros e, objetivamente, adora se deitar com as elites empresariais para extrair benefícios legais ou não também nunca poderia aprovar um acordo de livre comércio. O resultado não surpreende.

  8. O artigo começa dizendo que a não assinatura do acordo UE-Mercosul foi uma derrota para Lula, para, logo em seguida, afirma que Lula sabotou o acordo e que o PT sempre foi contra acordos comerciais com paises ricos. Deu pra entender?

    1. Pode não ser uma derrota para a vontade petista, porém não deixa de ser uma derrota do governo por deixar passar esta janela de oportunidade.

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