Em busca de um Carluxo

O brasileiro que acompanha a política no país não pediu, mas nas últimas semanas foi obrigado a ver: uma imagem do presidente Lula incorporado ao bebê sol da série infantil Teletubbies, imortalizada pelas interjeições extremamente irritantes de Tinky-Winky, Dipsy, Laa-Laa e Pôoooooo; uma dica de filme do vice-presidente Geraldo Alckmin durante um evento oficial anunciado por uma voz infantil e o slogan “cafezinho do Dr. Geraldo”; uma chamada de Tik Tok da ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, deslumbradíssima no embarque de um voo oficial da FAB para um jogo do Flamengo; e uma montagem do ministro da Justiça, Flávio Dino, incorporando o herói Hulk dos Vingadores.

Essa barafunda de imagens pueris é prova cabal de que o governo Lula ainda patina no uso das redes sociais. Até mesmo aliados admitiram nesta semana a Crusoé que o governo precisa de um Carlos Bolsonaro para chamar de seu. Não se pensa, felizmente, em replicar os posts de extremo mau gosto de Carluxo, como o do golden shower — que deixou de cabelo em pé até mesmo o general Santos Cruz, então ministro-chefe da Secretaria de Governo, e foi apontado como o primeiro ponto de fricção entre militares e Jair Bolsonaro. A questão é que falta hoje ao governo federal um especialista em redes sociais que consiga pautar o debate público, em vez de apenas ensejar aos cidadãos oportunidades de ridicularização ou constrangimento.

A deficiência petista nas redes sociais já tinha sido apontada durante a campanha do ano passado. Historicamente, os integrantes do Partido dos Trabalhadores dominaram a militância de rua e o corpo a corpo eleitoral. Também souberam povoar a internet de blogs amigos, financiados com dinheiro público, no primeiro governo de Lula. Mas a fórmula do sucesso nas redes sociais ainda lhes escapa. No ano passado, o QG de Lula bateu cabeça para escolher quem comandaria essa frente de batalha na campanha petista. Falou-se em entregar o trabalho ao influenciador Felipe Neto. No fim, quem assumiu a dianteira foi o deputado federal André Janones (Avante-MG).

Quando Lula subiu a rampa do Planalto, em janeiro, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) foi empossado na chefia da Secretaria de Comunicação do governo. A escolha não se deu por sua expertise em redes sociais ou em comunicação (embora ele tenha um diploma de jornalismo), mas em sinal de agradecimento pela militância aguerrida do parlamentar gaúcho. O combinado era que Pimenta comandaria a comunicação institucional e Janones, a guerrilha digital. No fim, Pimenta herdou tanto a comunicação institucional quanto a gestão de redes do governo federal.

Mas Pimenta tem sido incapaz de orquestrar a comunicação do governo nesse segundo domínio. “O governo Lula tenta copiar a estética do governo Jair Bolsonaro. A própria live que estão fazendo tem uma formatação parecida. Eles querem chamar a atenção do povo brasileiro como Bolsonaro fez, mas não conseguem. A militância do PT acha que está lacrando, mas a classe média, as pessoas que não são de esquerda ou da direita, não se importam com isso”, afirma o deputado Ubiratan Sanderson, ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara.

“Claramente falta uma estratégia orquestrada, que seja condizente com todas as áreas do governo. Cada uma parece tentar encontrar a sua forma para falar com o público. Em geral, a opção tem sido buscar uma linguagem jovem. Mas o resultado final é pouco profissional, não tem coerência ou coesão”, diz o sociólogo Gabriel Rossi, coordenador do master em comunicação política e sociedade da ESPM.

O diagnóstico é compartilhado com integrantes das secretarias de comunicação da Esplanada dos Ministérios. A gestão de redes no governo federal não somente é descentralizada, como há pouco diálogo entre a Secom de Paulo Pimenta e os demais órgãos do governo federal. Isso não ocorre  somente nas redes sociais, mas em todas as áreas de comunicação do governo federal. Não foram poucos os episódios em que os briefings do governo federal foram repassados aos ministros, ao presidente da República ou aos times de comunicação apenas 48 horas antes da veiculação dos anúncios. Um exemplo foi o relançamento do PAC, em agosto, cujo material foi disparado pela Secom para as pastas na véspera do evento.

Um modelo debatido nas reuniões do Palácio do Planalto vem de Curitiba. Durante a gestão do pedetista Gustavo Fruet, a prefeitura da capital paranaense adotou uma gestão de redes sociais que até hoje é referência no marketing político. Entre os anos de 2013 e 2017, o Facebook da prefeitura curitibana foi tomado por mensagens bem-humoradas, que se tornaram virais. As mensagens foram transmitidas sem cair na infantilização ou na idiotização, como tem ocorrido agora no governo federal.

“Todo projeto político na internet precisa, sim, ter apelo midiático, mas também é preciso comunicar os feitos do governo, porque o cidadão sempre compara o momento atual com os resultados do governo anterior”, diz Gabriel Rossi, da ESPM.

Uma solução que começa a ser gestada pelo governo federal é a contratação de um conglomerado de agências de publicidade para esse serviço específico. Mas esse trabalho não sairá barato. A estimativa de Paulo Pimenta é que a comunicação digital do governo Lula torre em torno de 200 milhões de reais em 2024 com a contratação de quatro empresas.

A licitação ainda não está na rua, mas deve ser lançada já em outubro. A tendência é que o contrato sirva a outros ministérios do Palácio do Planalto, como Casa Civil, Secretaria-Geral da Presidência, Relações Institucionais e a Vice-Presidência da República. Além de posts mais adultos e inteligentes, esses contratos preveem o impulsionamento de posts: ou seja, o clássico “pagou, atingiu mais gente“.

Em um dos posts bizarros do governo federal, o vice-presidente Geraldo Alckmin imita o mestre Miyagi, do filme Karatê Kid, e cita uma de suas frases: “A vida pode te derrubar, mas você decide quando é hora de levantar”. Sem a sabedoria do velho lutador oriental, o governo petista está prestes a buscar a saída que melhor conhece: “Se as redes te derrubarem, use um monte de dinheiro público para se levantar”.