SputnikRobert Fico, quando ainda era primeiro-ministro, em 2015, com o presidente russo: ucranianos preocupados

Seduzida por Putin

Na fronteira da Ucrânia, a Eslováquia realiza eleições neste sábado e deve reeleger ex-primeiro-ministro pró-Rússia
29.09.23

A Eslováquia é um país encravado no meio da Europa Central com 5 milhões de habitantes e apenas 50 mil quilômetros quadrados de área, sendo comparável ao estado da Paraíba. Pouco se fala sobre essa nação, mesmo no noticiário europeu. Membro da União Europeia, o país é conhecido principalmente como ponto turístico pelos seus castelos e suas igrejas de madeira, assim como pelas suas cavernas e suas fontes naturais. Nesta semana, Bratislava — a única capital do mundo que faz fronteira com outros dois países (no caso, Hungria e Áustria) — será um fronte de batalha entre o Ocidente e a Rússia. Isso porque a Eslováquia, que tem divisa também com a Ucrânia, terá eleições parlamentares neste sábado, 30 de setembro. A expectativa é pela volta ao poder de um ex-primeiro-ministro simpatizante da Rússia, com o risco de ele gerar mais problemas para o apoio europeu à Ucrânia.

Quem lidera as pesquisas eleitorais é o partido Direção Social-Democracia, de Robert Fico. Ele foi primeiro-ministro em duas ocasiões no passado, entre 2006 e 2010, e entre 2012 e 2018. Seu último mandato se encerrou com um escândalo decorrente do assassinato de um jornalista investigativo e sua esposa. As mortes iniciaram um período de turbulência política na Eslováquia, com quatro primeiros-ministros se alternando em um período de cinco anos. Segundo o agregador de pesquisas do site Politico, Fico e os sociais-democratas têm 22% das intenções de voto. Em segundo lugar está o partido liberal Eslováquia Progressista, com 16%. Com 13%, a Voz Social-Democrata  está em terceiro. Nenhuma outra força tem mais de 7% das intenções de voto.

Cabe ressaltar que o próprio sistema eleitoral eslovaco, no qual os eleitores podem votar em até quatro candidatos de uma vez, contribui para a instabilidade política do país, existente há apenas 20 anos, após a dissolução da comunista Tchecoslováquia. No atual cenário das pesquisas, Fico deve vencer as eleições, mas talvez não consiga formar maioria para sustentar seu governo. O terceiro colocado nas pesquisas, o Voz Social-Democrata, deve ser o pivô nesta eleição e tende a se alinhar com Fico no discurso pró-Rússia.

Apesar de ser considerado um pragmático e ter sido responsável pelo ingresso da Eslováquia no Espaço Schengen e na zona do Euro, Fico também é conhecido pela retórica pró-Rússia e anti-Ocidente. Ainda em 2014, ele culpava “nazistas e fascistas ucranianos” pela invasão da Rússia à Crimeia e ao leste da Ucrânia. Hoje, ele promete suspender o envio de armas a Kiev. Também é um duro crítico da aliança militar do Ocidente, a Otan, assim como das sanções a Moscou. A Eslováquia foi um dos países mais atingidos pelas sequelas das sanções à Rússia, visto que a maior parte do seu fornecimento de óleo e gás era de origem russa. Alavancada pelo setor energético, a inflação no país subiu mais de 12% em 2022.

Há um sentimento paneslavo forte na Eslováquia, que a aproxima da Rússia há séculos. A esse cenário se soma uma relevante campanha de desinformação russa sobre a invasão à Ucrânia e as desigualdades socioeconômicas decorrentes da globalização. “A Rússia de Putin oferece um refúgio aos eslovacos que não se sentem confortáveis ​​com a modernidade do século 21”, diz Igor Lukes, da Universidade de Boston. Desde a dissolução da Tchecoslováquia, em 1993, as tendências antiocidentais da então recém-fundada Eslováquia eram motivo de preocupação para os Estados Unidos. Madeleine Albright, secretária de Estado do segundo mandato de Bill Clinton,  chegou a comparar o país a um “buraco negro” na Europa pós-comunismo.

Segundo uma pesquisa do instituto Globsec divulgada no início do ano, a maioria dos eslovacos, exatos 51%, culpam a Ucrânia ou o Ocidente pela invasão russa. E apenas 40% responsabilizam a Rússia. Esses índices são muito superiores aos 23% da vizinha República Checa, com quem a Eslováquia formou um único país por quase todo o século XX. Nem mesmo a Hungria do autoritário Viktor Orbán, pró-Rússia, teve resultado semelhante ao da Eslováquia. Apenas 35% dos húngaros culpam a Ucrânia ou o Ocidente pela guerra e 54%, a Rússia.

Bratislava tem tido um papel relevante e, ao mesmo tempo, controverso na resposta ocidental à invasão russa. Por um lado, os eslovacos têm sido proativos no envio de armas. O país foi o primeiro membro da Otan a enviar a Kiev caças e mísseis de defesa antiaérea. Por outro, neste mês, a Eslováquia prolongou com Polônia e Hungria um embargo às importações de cereais ucranianos, apesar da revogação ordenada pela União Europeia. Dias de negociação foram necessários para Bratislava revogar o seu embargo. “Fico cortaria toda a assistência à Ucrânia e provavelmente interromperia o fluxo de assistência da Otan que passa pelo território da Eslováquia”, diz Lukes. A eleição da Eslováquia deste sábado interessa mais do que tudo aos ucranianos.

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