World Economic Forum/Sandra BlaserO ministro Fernando Haddad: ele quer um aumento de 10% na arrecadação de impostos

O passo do poodle ou a dura saga do liberalismo no Brasil

O brasileiro tem uma propensão a latir e não morder diante de demandas abusivas do governo
14.09.23

Nesta semana, um empresário chileno que gerencia um resort bastante frequentado por turistas do Brasil no exterior deu uma definição provocante sobre seus principais clientes: o brasileiro parece um poodle, é muito bravo, mas nem tanto. (…) Ficam bravos, falam, mas, se falamos que vamos chamar a polícia, aí param, acaba a valentia. São bravos com o garçom, com a recepcionista. Mas quando chega alguma autoridade param”. Pedindo licença para fazer um exercício de sociologia de botequim, é tentador associar essa percepção subalterna trazida pelo observador externo com a reação (ou a falta dela) da sociedade em relação ao aumento de arrecadação que está sendo sugerido pelo governo e o que isso sugere sobre nossa raça política.

Contextualizando objetivamente com números. Segundo dados do economista Samuel Pessôa, o ministério da Fazenda definiu que as despesas do governo em 2024 serão o equivalente a 19,2% do PIB (um crescimento real de 1,3 pontos percentuais em um ano, considerando que Paulo Guedes entregou essa relação em 17,9%). Isso significa que, para gerar o zero a zero fiscal, ainda segundo Pessôa, é necessário um aumento de receita de R$ 282 bilhões, equivalente a 15% de crescimento nominal ou 10% de crescimento real, descontada uma inflação hipotética de 5% em 2023.

Como explicar para a sociedade que ela vai ter que fazer um esforço adicional de arrecadação da ordem de 10% em um espaço de 12 meses sem que não esteja em curso nenhuma guerra ou catástrofe de dimensão nacional? Qual o grande modelo de desenvolvimento que será implementado com esse dinheiro extra? Qual a grande revolução científica ou educacional que foi programada a partir desses recursos? Qual o objetivo que está sendo perseguido?

Quem mais se aproximou de dar uma resposta foi a ministra da Gestão, Esther Dweck, quando disse que era necessário reconstruir o Estado após grande desmonte realizado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante a transição, essa narrativa foi suficiente para o Congresso aprovar um cheque de R$ 145 bilhões em expansão do Teto de Gastos. O recurso extraordinário se tornou a baseline ordinária para os cálculos do novo arcabouço fiscal, que, com a previsão de crescimento da nova regra, ainda vai exigir por volta de R$ 168 bilhões adicionais (embora essa conta não seja precisa e tenha crescido).

A questão canina trazida pelo empresário chileno – que raça o brasileiro é – tem relação com a natureza do liberalismo e seu impacto nas sociedades nas quais se incorporou ao pedigree do povo. Tratado equivocadamente como uma ideologia de retirada do Estado da economia ou das políticas públicas, o liberalismo é, antes, uma discussão sobre a proteção do indivíduo contra o poder absoluto dos governantes.

O liberalismo é uma ideia que surgiu de uma necessidade bastante prática de  defesa frente aos abusos dos poderes instituídos. Não por acaso, as duas nações que simbolizam essa ideologia, Inglaterra e EUA, nasceram de lutas de resistência, com uma guerra civil para impor o parlamento como um anteparo ao rei por meio de uma guerra civil no primeiro caso e uma revolta contra impostos cobrados pelo colonizador no segundo. A perseguição religiosa contra protestantes na Inglaterra e na França trouxe a liberdade de credo para o centro do liberalismo, elevando o indivíduo à condição de unidade básica dos direitos (em detrimento da casta, unidade adotada anteriormente) e detentor de um círculo de escolhas sobre as quais só ele pode dispor. Nesse sentido, a emancipação da mulher e as lutas de gênero também podem ser classificadas como lutas liberais.

Mas, voltando ao nosso canil, o leitor deve estar se perguntando por que o Brasil não se tornou país com DNA liberal, considerando que o que não faltou por aqui foi abuso e invasão de direitos? E por que, apesar de conquistas importantes, ainda há uma propensão a latir e não morder quando aparecem iniciativas que claramente passam do ponto, como parece ser o caso do “pedido” por um aumento de arrecadação de 10% sem explicar aonde esse dinheiro vai parar. Afinal, haveria por aqui uma propensão à submissão?

Independente da direção que essa conversa irá tomar, o fato é que lições continuarão sendo aplicadas enquanto o aluno (cão ou gente) não as aprender. No governo anterior, havia uma parcela muito expressiva da população que dizia que era preciso “resistir” a Bolsonaro. Neste momento, pode-se encontrar uma igual proporção dizendo o mesmo sobre Lula, ainda que tenha medo de falar o que pensa ou que se sinta intimidada por medidas arrecadatórias adotadas do dia para a noite. Ou seja, por mais que o Brasil se denomine uma democracia, o que mais se tem feito por aqui é ter de se defender do Estado. Haverá um fim, ou ao menos um começo, para essa história?

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  1. essa matéria é tendenciosa. a proposta do governo é cobrar tributo de quem mora no condominío brasil e não paga sua parte, enquanto outros, na mesma situação, pagam há muitos anos.

  2. Pra quem não sabia, ESSA FOI A NOSSA 1a DÍVIDA EXTERNA. Continuando - ao não impor limites a quem nos governa (hoje nem sei quem manda mais de fato) e aceitarmos tudo sem QUESTIONAR, RECLAMAR e se for o caso BRIGAR, chegamos na condição absurda de um brutal aumento de impostos pra que o tal "Pai dos Pobres" faça com o nosso dinheiro as mesmas barbaridades que aconteceram a bem pouco tempo atrás. ELES vão continuar tomando do nosso bolso sem a menor cerimônia enquanto assistimos passivamente.

  3. Infelizmente, no auge dos meus 63 anos não acredito que nós como sociedade vamos chegar a uma condição melhor daqui a 50, 100 ou 200 anos. Afirmo isso porque para melhorar, seus integrantes tiveram de dá em sacrifício uma ou mais gerações através das revoluções, guerras internas ou externas, etc, e não por um grito - INDEPENDÊNCIA OU MORTE. Esse grito nos custou 1 milhão de libras esterlinas pagas pela Inglaterra (o EUA da época) a Portugal (a metrópole) pra não brigar pela Colônia. continua...

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