Os influencers não se machucam
Guy Debord escreveu, na década de 1960, que “o espetáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa”. O francês publicou A Sociedade do Espetáculo (Contraponto) na expectativa de conter o que classificou como sociedade espetacular, como deixou bem claro em prefácio publicado em 1992, no qual reafirmava tudo o que havia escrito no livro. Morreu dois anos depois, sem saber que sua derrota nessa batalha contra as imagens e os “consumidores de ilusões” seria ainda mais retumbante após a chegada da internet. Depois da criação das redes sociais, então, Guy Debord tem apanhado mais do que Whindersson Nunes para King Kenny.
Os influenciadores ocuparam o vácuo deixado pelos lutadores profissionais de boxe, celebra The Economist. Na ausência das grandes estrelas, como Tyson Fury, que subiu num ringue uma única vez nos últimos 18 meses, ou o peso-pesado americano Deontay Wilder, que não luta há mais de um ano, youtubers como os irmãos Logan e Jake Paul se encarregam de entreter o público sedento por alguma ação. As lutas de influencers reúnem multidões reais e virtuais, cultivadas pelas personalidades da internet por razões que até outro dia não tinham a ver com boxe, como pegadinhas e piadas.
“A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo”, analisa Debord, para quem o espectador — ou, no caso, o usuário de redes sociais — “não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte”.
Os boxeadores profissionais têm muito em jogo. Para além dos milhões de dólares que podem ganhar ou perder, precisam administrar o próprio orgulho e têm carreiras pelas quais zelar. Seu valor maior é o esporte. Nesse ambiente, um influenciador não tem nada a perder, desde que consiga alguma atenção no caminho. Nesse caso, aliás, perder um dente ou quebrar alguma parte do corpo pode até tornar a história mais interessante e render mais cliques. O esporte é um detalhe no espetáculo dos influenciadores.
O humorista Whindersson Nunes fez graça da surra que levou em sua última luta. “O bom programa para o seu sábado às 22:30 da tarde: o Kenny me batendo há meia hora e nunca ficava de noite, apanhar de dia é putaria. Vou treinar para próxima!”, publicou nas redes sociais, além de ter acrescentado a seu show de stand-up comentários autodepreciativos sobre o desempenho contra o britânico King Kenny. Whindersson volta ao ringue no dia 14 de outubro, e o fato de o boxe não ser o ganha-pão de influenciadores como ele, ironicamente ajudou a revigorar a indústria.
Grandes empresários, como Eddie Hearn, da Matchroom Sport, passaram a promover as lutas dos influencers, dando um ar de profissionalismo aos amadores e se aproveitando de sua popularidade para disseminar o esporte. Até o ex-pugilista e ex-deputado federal Acelino “Popó” Freitas aproveitou a onda e tem massacrado influenciadores Brasil afora. No fim das contas, sai todo mundo ganhando, inclusive o consumidor de ilusões, que pode deixar as dancinhas do TikTok de lado ao longo de alguns rounds.
“A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base terrestre”, analisa Guy Debord, que segue: “Assim, é a mais terrestre das vidas que se toma opaca e irrespirável. Ela já não reenvia para o céu, mas alberga em si a sua recusa absoluta, o seu falacioso paraíso. O espetáculo é a realização técnica do exílio dos poderes humanos num além; a cisão acabada no interior do homem”. Ou no perfil de Instagram de um influenciador nocauteado.
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para se igualar ao incomensurável Ali Babá logo Lula criará o 40º que será o SINISTÉRIO DA VERDADE pilotado pelo Levandovski ou pela garantista Rosa Weber.
Tudo por um clique, é inacreditável como vivemos numa geração de marqueteiros, vendedores de conteúdos profundos como um pires.
Não tenho o menor interesse em ver isso.
O vale tudo pelos cliques é feroz. Incríveis estratégias são utilizadas pra chamar a atenção nessa rede
Muito bom. Acho que dá para inspirar uma obra surrealista. Todas as nossas frustrações que se refletem no outro, e o desejo que se torna comum a todos os seguidores desses influencers (bom, o próprio nome já diz)