Reprodução/InstagramO humorista Whindersson Nunes fez graça da surra que levou: "Nunca ficava de noite"

Os influencers não se machucam

Estrelas das redes sociais revigoram o mercado do boxe, carente das lutas de seus maiores campeões
14.09.23

Guy Debord escreveu, na década de 1960, que “o espetáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa”. O francês publicou A Sociedade do Espetáculo (Contraponto) na expectativa de conter o que classificou como sociedade espetacular, como deixou bem claro em prefácio publicado em 1992, no qual reafirmava tudo o que havia escrito no livro. Morreu dois anos depois, sem saber que sua derrota nessa batalha contra as imagens e os “consumidores de ilusões” seria ainda mais retumbante após a chegada da internet. Depois da criação das redes sociais, então, Guy Debord tem apanhado mais do que Whindersson Nunes para King Kenny.

Os influenciadores ocuparam o vácuo deixado pelos lutadores profissionais de boxe, celebra The Economist. Na ausência das grandes estrelas, como Tyson Fury, que subiu num ringue uma única vez nos últimos 18 meses, ou o peso-pesado americano Deontay Wilder, que não luta há mais de um ano, youtubers como os irmãos Logan e Jake Paul se encarregam de entreter o público sedento por alguma ação. As lutas de influencers reúnem multidões reais e virtuais, cultivadas pelas personalidades da internet por razões que até outro dia não tinham a ver com boxe, como pegadinhas e piadas.

A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo”, analisa Debord, para quem o espectador — ou, no caso, o usuário de redes sociais — “não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte”.

Os boxeadores profissionais têm muito em jogo. Para além dos milhões de dólares que podem ganhar ou perder, precisam administrar o próprio orgulho e têm carreiras pelas quais zelar. Seu valor maior é o esporte. Nesse ambiente, um influenciador não tem nada a perder, desde que consiga alguma atenção no caminho. Nesse caso, aliás, perder um dente ou quebrar alguma parte do corpo pode até tornar a história mais interessante e render mais cliques. O esporte é um detalhe no espetáculo dos influenciadores.

O humorista Whindersson Nunes fez graça da surra que levou em sua última luta. “O bom programa para o seu sábado às 22:30 da tarde: o Kenny me batendo há meia hora e nunca ficava de noite, apanhar de dia é putaria. Vou treinar para próxima!”, publicou nas redes sociais, além de ter acrescentado a seu show de stand-up comentários autodepreciativos sobre o desempenho contra o britânico King Kenny. Whindersson volta ao ringue no dia 14 de outubro, e o fato de o boxe não ser o ganha-pão de influenciadores como ele, ironicamente ajudou a revigorar a indústria.

Grandes empresários, como Eddie Hearn, da Matchroom Sport, passaram a promover as lutas dos influencers, dando um ar de profissionalismo aos amadores e se aproveitando de sua popularidade para disseminar o esporte. Até o ex-pugilista e ex-deputado federal Acelino “Popó” Freitas aproveitou a onda e tem massacrado influenciadores Brasil afora. No fim das contas, sai todo mundo ganhando, inclusive o consumidor de ilusões, que pode deixar as dancinhas do TikTok de lado ao longo de alguns rounds.

A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base terrestre”, analisa Guy Debord, que segue: “Assim, é a mais terrestre das vidas que se toma opaca e irrespirável. Ela já não reenvia para o céu, mas alberga em si a sua recusa absoluta, o seu falacioso paraíso. O espetáculo é a realização técnica do exílio dos poderes humanos num além; a cisão acabada no interior do homem”. Ou no perfil de Instagram de um influenciador nocauteado.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. para se igualar ao incomensurável Ali Babá logo Lula criará o 40º que será o SINISTÉRIO DA VERDADE pilotado pelo Levandovski ou pela garantista Rosa Weber.

  2. Tudo por um clique, é inacreditável como vivemos numa geração de marqueteiros, vendedores de conteúdos profundos como um pires.

  3. O vale tudo pelos cliques é feroz. Incríveis estratégias são utilizadas pra chamar a atenção nessa rede

  4. Muito bom. Acho que dá para inspirar uma obra surrealista. Todas as nossas frustrações que se refletem no outro, e o desejo que se torna comum a todos os seguidores desses influencers (bom, o próprio nome já diz)

Mais notícias
Assine agora
TOPO