O bolsopetismo manda no Brasil

Depois de nomear seu advogado pessoal para o Supremo, Jair Bolsonaro indicou uma mulher para o STJ, a Série B dos tribunais, só para pararem de lhe encher o saco e ele poder colocar um homem na Série A, o STF, quando Rosa Weber se aposentar. Seu governo também quer muito explorar petróleo na foz do Amazonas. Além disso, nomeou para o conselho de uma metalúrgica dois ministros que nunca viram uma barra de ferro na vida, mas vão fazer jus a um jetom de uns R$ 36 mil por mês, além dos R$ 41,6 mil que já ganham nos seus cargos. E seu ministro da Justiça veio a público dizer que as possíveis imagens de um crime registradas pelas câmeras do ministério foram destruídas, sim, e daí?

Pois é: apenas imaginem se tudo isso que escrevi no primeiro parágrafo tivesse, de fato, acontecido no Bananão durante o execrável governo anterior. Pensem na gritaria, nos protestos dos ambientalistas, no progressismo inconformado — enfim, na indignação espumante da esquerda diante de notícias como essas. Ah, mas como foi Lula que fez isso (e em menos de oito meses de mandato, o que nos faz supor que vem muito mais por aí), vira tudo realpolitik, meus queridos. O presidente precisa de gente fiel no STF, independentemente do sexo; o discurso ambiental não pode impedir o desenvolvimento do país; as indicações para o conselho da metalúrgica foram “pela inclusão” de mulheres e negros, ainda que um dos ministros indicados seja homem e branco; e as críticas a Flávio Dino por não ter preservado as imagens do 8 de janeiro são “coisa de conspiracionista”.

Nem vou me estender na constatação de que, em um país com instituições não bananeiras, não se usaria como justificativa para a escolha de um ministro da Suprema Corte o fato de ele ser “fiel” ao governante da vez. Nem no fato de que Dino, não contente em enrolar a CPMI do 8/1 para não entregar as imagens das câmeras de seu ministério — só fez isso porque o STF mandou, e ainda assim entregou apenas uma parte —, ainda debochou dizendo que “não vai aparecer um disco voador” (seria ótimo que aparecesse algum para abduzi-lo, mas acho que nenhum óvni tem a capacidade de transporte de carga necessária à tarefa).

Não: só estou escrevendo este texto para esfregar na cara de todo mundo que, desde o ano passado, quando Deus e o mundo estavam fazendo o L pela democracinha, veio me dizer que “bolsopetismo não existe”. Não só existe como manda no Brasil, e acredito que nem a produção da indústria têxtil em todo o planeta é capaz de suprir a quantidade de pano que os petistas vêm passando para atitudes de Sua Lulidade que seriam motivo de escândalo se tivessem vindo de Bolsonaro. É uma gente que ficava muito chocadinha em ver Jair chamando de “irmão” o extremista húngaro Viktor Orbán, mas acha que tudo bem Lula fazer basicamente o mesmo com Daniel Ortega e Nicolás Maduro. Afinal, existe censura do bem, repressão do bem, presos políticos do bem, tortura do bem etc.

Talvez em nenhum lugar do país o bolsopetismo seja mais evidente do que na Bahia, estado que é governado pelo PT há 16 anos, cuja polícia é a mais letal — e uma das mais ineficazes — de todo o Brasil. Se vocês não viram, procurem saber a reação dos governadores petistas quando confrontados com esses números: Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil, desqualificou as estatísticas (“não reconheci e não reconheço [nenhum parâmetro] de ONGs que fazem publicação sobre questão de segurança”), e o atual chefe do Executivo baiano, Jerônimo Rodrigues, afirmou que “o que vocês estão fazendo com a Polícia Militar é irresponsabilidade”. Como escreveu Elio Gaspari: se os dois “ecoam frases que poderiam ter saído da prosopopeia bolsonariana, qual é a diferença entre eles?”.

É provável que os próximos passos do governo sejam entregar uns ministérios para PP e Republicanos, apesar da embromação de Lula, e a chefia da Caixa para uma aliada de Arthur Lira — exatamente aquilo que, em governos passados, chamavam de “ser tchutchuca do Centrão” e hoje virou realpolitik. E, por falar em Centrão, a turminha não tem mais um orçamento secreto para chamar de seu, mas continua garantindo a falta de transparência com as emendas Pix. Eu ia encerrar citando Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o grande autor de O Leopardo (“se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”), mas dizer que o país “deu um giro de 360 graus” combina bem mais com o Bananão.

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A GOIABICE DA SEMANA

Quando você pensava que seria difícil os petistas baterem o próprio recorde de ridículo, eles resolvem propor um ctrl-Z na história para desfazer o impeachment de Dilma Rousseff (foto) — se Lula foi descondenado, por que Dilma não pode ser desimpichada, ora essa? Bom mesmo seria dar um undo no governo inteiro da Dilmãe, principalmente naqueles dois anos de PIB desabando. Se bem que a gestão Bolsonaro também merecia um ctrl-Z. Quer saber? Vamos dar logo um comando “desfazer” na história do Brasil inteira, entregar a bagaça para os índios e pegar os espelhinhos de volta. Ou, como diria Apollinaire, esperar pelo Cristóvão Colombo a quem nós deveremos o Esquecimento de um continente.