DivulgaçãoPropaganda de viagem da 123milhas: emissão de pacotes promocionais foi suspensa

123milhas: pirâmide financeira ou modelo insustentável?

Operação da agência era parecida com a chamada “venda a descoberto”, praticada nas bolsas de valores
31.08.23

Desde a convocação dos sócios da agência de viagens 123milhas para prestar esclarecimentos sobre as operações da empresa na Comissão Parlamentar de Inquérito das Pirâmides Financeiras, paira uma dúvida entre os consumidores: quem comprou as pechinchas oferecidas pelo site foi mesmo alvo de um dos tipos mais notórios de golpe econômico? 

A dúvida foi levantada pelo presidente da CPI, Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ). De acordo com ele, semelhanças com os golpes de pirâmides justificariam a suspeita. “A atuação da 123milhas em muito se assemelha aos casos de pirâmides financeiras, em que são necessários cada vez mais recursos para realizar a sua manutenção, e a tendência é o colapso do esquema e a ruína dos participantes, que, muitas vezes de boa-fé, realizaram as suas compras e jamais recuperarão os seus recursos”, argumentou o deputado.

Apesar de algumas semelhanças, porém, o caso não se encaixa tão bem na descrição de um esquema de pirâmide, e tampouco pode ser considerado um crime por si só. A lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que define os crimes contra a economia popular, inclui entre as condutas proibidas “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes)“. Não foi bem isso que aconteceu no caso do 123milhas.

Os clientes do site de viagens não entravam num esquema que só se manteria de pé enquanto conseguisse atrair mais e mais pessoas desavisadas. Essa é a definição básica de um esquema de pirâmide. O problema do 123milhas estava no seu modelo de negócios. O que pode ser atestado até o momento foi a prática conhecida como cross sell (venda cruzada), que significa vender um produto ou serviço por um preço muito menor do que o praticado no mercado, na esperança de que o cliente adquira outro produto que compense a diferença”, diz Artêmio Picanço, fundador do Instituto Brasileiro de Prevenção a Golpes Financeiros, IBPGO, e advogado especializado em combate a crimes financeiros. Essa é uma prática muito controversa, mas confessada pela empresa.” 

O ocaso da 123milhas começou no dia 18 deste mês, quando a agência suspendeu a emissão de pacotes e de passagens aéreas da linha “Promo” (com datas flexíveis) com embarques previstos entre setembro e dezembro de 2023. A explicação seria “a persistência de circunstâncias de mercado adversas”. Como os preços para o final do ano não caíram, não haveria como vender um produto ao consumidor que já tinha feito a compra a um preço menor. Ao não entregar o que prometeu, a 123milhas está, segundo Picanço, ferindo o Código de Defesa do Consumidor. “Ao cancelar pacotes unilateralmente e impor ao consumidor como será realizado o ressarcimento, a empresa está incorrendo em prática abusiva”, diz o advogado.

Os tropeços atuais deixam evidente que o modelo de negócios adotado pela 123milhas era, no mínimo, ruim. Ao contrário da estratégia mais tradicional de vender pacotes com preços acertados previamente com hotéis e companhias aéreas ou utilizar a plataforma como uma vitrine para negócios de terceiros, a agência adotava uma posição de intermediação entre cliente e fornecedor antes da disponibilidade do produto.

O site de viagens chegou a ser um dos mais acessados do país durante a pandemia, quando o problema começou a ser gestado. Enquanto o setor sofria com a queda abrupta na demanda em função das medidas de contenção do Covid-19, a 123milhas oferecia pacotes sem data específica em uma espécie de aposta de que conseguiria honrar os contratos quando o mercado se normalizasse.

Essa é uma operação parecida com a chamada “venda a descoberto” praticada em bolsas de valores, que consiste em vender uma ação sem possuí-la com a perspectiva de comprá-la no futuro a um preço mais baixo — o lucro se forma na diferença entre os preços.

O coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Ahmed El Khatib, destaca que a prática fica evidente “quando as empresas vendem pacotes com muita antecedência da viagem, acima de um ano, o que faz com que o cliente não receba de imediato a confirmação e os bilhetes aéreos, por exemplo. Aéreas não vendem passagens com mais de 11 meses de antecedência”, diz.

Como todas as apostas no futuro, a da 123milhas era extremamente arriscada. Após o fim dos lockdowns, os preços de passagens e hospedagens dispararam. O movimento foi resultado da pressão por deslocamento de pessoas que haviam passado os últimos anos sob a imposição de restrições. Nessa nova situação, o modelo de negócios da 123milhas não demorou a desmoronar. Sem caixa para fazer frente aos preços atuais, a empresa passou a ter dificuldades para honrar os compromissos e suspendeu os pacotes.

Kathib alerta que, embora esse não seja exatamente o caso da 123milhas, preços muito abaixo do mercado, promessas de vantagens anormais e lucro fácil podem, sim, indicar um esquema de pirâmide financeira. Para evitar problemas, ele recomenda que o consumidor se cerque de cuidados antes de fechar negócio. “É necessário realizar uma investigação cuidadosa e analisar as evidências disponíveis, inclusive comparando a oferta com a dos concorrentes. Se a conjuntura econômica estiver ruim, estará ruim para todas as empresas. Se uma delas está na contramão, alguma coisa está errada”, diz Kathib.

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  1. Os gestores da 123 foram, no mínimo, imprevidentes. As propagandas eram ótimas e em grande quantidade. Infelizmente é o caso da barato que sai caro

  2. O mundo está cheio de otários. O que acharam estas pessoas comprando pacotes com preços que contrariavam a lógica do mercado. Só poderia dar merda.

  3. Não vejo como pirâmide Financeira, mas um grupo que arriscou-se sem medidas, e clientes que viram grandes vantagens gastando valores absurdamente menores também foram ingênuos. Não existe! Senão já seria algo mundialmente aplicado.

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