Chacinoterapia

Como todos os meus 17 seguidores e meio (não esqueçam do anão verticalmente prejudicado) estão cansados de saber, eu não passo meus dias sem fazer nada: muito pelo contrário, dedico-me a coçar o saco até fazer ferida, em tempo integral e em dedicação exclusiva. Infelizmente sou um profissional liberal; se fosse um coça-saco municipal, estadual ou federal concursado, teria direito a estabilidade, quinquênio, biênio e isonomia com a categoria dos puxa-sacos públicos, além de aposentadoria integral por tempo de serviço.

Esta minha rotina diária e estressante, dedicada ao ócio sem dignidade, só é interrompida quando rola uma chacina aqui na rua da Amargura, onde fica estacionada a minha residência imóvel, o Dodge Dart 73, enferrujado, onde vivo ao lado de Isaura, a minha patroa. Nestes momentos de extrema violência policial, os meganhas chegam barbarizando e já partem direto para o pobrecídio, que é a eliminação sumária do cidadão que ganha menos de um salário mínimo sem carteira “assassinada”. Só depois de dizimar os moradores desmonetizados os “polícia” iniciam os interrogatórios, a coleta da falta de provas e o consequente processo legal.

Devido ao meu estado radical de pobreza e miserê generalizado, os “canas”, penalizados com o meu status de pobre carente, não aliviaram a minha cara. Me encheram de pescotapas, rabos de arraia e outras dolorosas políticas de inclusão social, mas pelo menos não me incluíram na chacina, pois a van do rabecão (que é alugado pela milícia) já estava lotada. O máximo que fizeram foi dar uma dura na Isaura, minha patroa. Arrepiaram a minha senhora, fizeram de tudo com ela, inclusive sodomia, gomorria e “coisarada”, o que aliás, deixou a minha cara-metade bastante satisfeita. Fazia tempo que a faminta criatura não colocava um pedaço de carne na boca.

Essa última ação policial me deixou muito perturbado, em estado “pissicológico norótico”, e fui obrigado a recorrer ao SUS para tratar a minha mente. Ao chegar no ambulatório nosocomial, fui obrigado a esperar uma semana na fila para ser atendido. Nesse ínterim, o meu estado de ansiedade angustiosa só fez aumentar e, por isso, me indicaram um tratamento com a ozonioterapia, que acaba de ser aprovada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Janja.

Na mesma hora me deitaram de bruços na maca e, em seguida, me entubaram e passaram a administrar o ozônio pela via anorretal. Indignado com aquele tratamento desmoralizante, liguei para o meu personal psicoproctologista, o dr. Jacintho Leite Aquino Rêgo, que, prontamente, veio me acudir.

Graças à intervenção enérgica do meu personal esculápio, fui desestuprado, escapando por pouco do charlatanismo populista, mantendo intacta a blindagem inviolável do meu pavilhão reto-furicular.

O brasileiro é um povo sujeito à mistificação, à mentira e a picaretagem. Não se pode confundir o Rolex platinado, cravejado de diamantes, colocado à venda pelo coronel Mauro Cid por 60 mil dólares, com o anel de couro singelamente tatuado da Anitta, que cobra muito mais para fazer um show. Cada coisa no seu lugar e cada lugar na sua coisa.

Ciência é ciência, curandeirismo (com trocadilho, por favor) é enganação. Não se pode confundir a ciência científica da psicoproctologia com a pseudoterapia desse tal de Ozônio, que ficou famoso no século passado pelo seu “buraco”.

A psicoproctologia, criada pelo prof. dr. Jacintho Leite Aquino Rêgo, PhD, trata das moléstias que atingem o cérebro humano (onde residem as emoções, as angústias e outras psicopatologias que afligem o ser vivente) acessando o Inconsciente por outras vias que não a otorrino-auricular, como preconiza a psicanálise freudiana clássica.

Depois de incansáveis e dolorosas pesquisas, o dr. Jacintho Leite Aquino Rêgo concluiu que a abordagem psicopatológica do cérebro humano pode ser realizada por outros meios, ou seja, pela retaguarda, pegando o inconsciente de surpresa, pelas costas, agilizando a cura completa dos “nervo” do paciente. Esse delicado procedimento só pode ser realizado por profissionais credenciados, especializados em intervenções invasivas, mesmo porque o uso indiscriminado e irresponsável da psicoproctologia pode levar o paciente à dependência física e psíquica.

De comprovada eficácia, a psicoproctologia não está no rol de picaretagens aprovadas e pagas pelo sistema previdenciário. Ao contrário da cromoterapia, da homeopatia, da hipnoterapia, da colonterapia e da cachaçoterapia, a preferida do presidente Lula, o Janja.

Agamenon Mendes Pedreira é jornalista imparcial e isento de dinheiro.