Foto: Gustavo Rampini/Ministério da FazendaBernard Appy, o secretário da reforma tributária: se não houvesse tantas exceções, alíquota poderia ser mais baixa

Tubarões nadam de braçada na tal da “reforma”

Exceções propostas à reforma tributária são praxe no país dos privilégios, e o STF passa por cima da presunção de inocência na democracia-feijoada
11.08.23

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, da “reforma tributária”, chegou na quarta-feira, 9 de agosto, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Senadores apresentaram 17 emendas, ou seja, propostas de alteração no texto. Os militantes do óbvio petista já apostam na carta de sempre: “impostos serão reduzidos”. Mas não serão. Especialistas habituados à aritmética e à história sabem que nas “reformas” no nosso presidencialismo, em que a direita se autointitula “Centrão” e a esquerda, “progressista”, o buraco é mais embaixo no bolso do pobre e mais raso na barriga do rico.

Para começo de conversa, a conta mais otimista é a de que o tal do IVA será recordista mundial, prevendo-se alíquota de 27%. Batata, diria o velho Nelson Rodrigues. O simpático ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gasta todo o estoque de saliva para convencer que neste governo reforma é reforma mesmo. Na equipe dele há gente de mais juízo, como o secretário especial para a reforma mesma, Bernard Appy, antigo componente das bancadas econômicas do PT velho de guerra. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele pôs água fria na lógica. O aumento do imposto vai depender da ajuda que os parlamentares se permitirão dar a seus patronos e financiadores. De posse da razão, vaticinou: “Toda exceção aumenta a alíquota.. Se não tivesse nenhuma exceção e com essa redução de sonegação, a gente teria uma alíquota bem… poderia ser inferior a 25%”. Na praia da impunidade, tubarões nadam de braçada e se nutrem do fígado do pobre, cada vez mais faminto.

Não será, contudo, só o Executivo que tentará enganar o trouxa, vulgo cidadão. O Legislativo também. Haverá, por acaso, na História Universal da Infâmia (parodiando aqui o título do clássico de Jorge Luís Borges sobre bandidos assumidos), algo mais asqueroso do que o depoimento dado pelo ex-ministro da Justiça e ex-secretário da Segurança do Distrito Federal Anderson Torres, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do dito Congresso Nacional na terça-feira anterior à notícia sobre as 17 emendas da reforma? Mesmo tendo obtido do STF licença para calar, ele falou sem parar, e nenhuma de suas palavras cínicas foi verdadeira. A jóia não saudita do seu palavrório foi o argumento de que a tal minuta do golpe fracassado de 8 de janeiro, encontrada em seu armário numa diligência de busca e apreensão, era uma “aberração política”. Ninguém duvida disso, mas também nenhum dos parlamentares de qualquer partido lhe perguntou se ele costuma usar o armário da sala de estar como depósito de lixo. E, quando lhe foi perguntado por que expulsou os direitos humanos dos objetivos do mais antigo dos ministérios, respondeu que foi ele quem criou. E o inquiridor calou, mostrando que a CPMI é uma farsa que felizmente não impede a Polícia Federal de investigar.

Na quarta-feira do anúncio do sebo tributário, esta provou que trabalha, e bem, ao mostrar provas cabais (que os menos familiares ao nosso velho português chamam de “robustas”) da maior lorota dele. A documentada investigação da PF revelou algo muito mais relevante do que qualquer depoimento de testemunha poderia revelar à CPMI que não consegue investigar nem sabe interrogar. O tal inquérito mostrou que, numa reunião no gabinete do próprio mendaz, na noite de 19 de outubro de 2022, foi programada a sabotagem da votação do segundo turno em distritos eleitorais favoráveis a Lula, por decisão do desgoverno de Jair Bolsonaro. Não foi uma iniciativa isolada do diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques. Um mapa que mostra os locais onde havia concentração de votos no então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi usado na tal reunião, conforme a Polícia Federal, para definir bloqueios da Polícia Rodoviária Federal em rodovias, visando dificultar o deslocamento de eleitores até as seções eleitorais.

No dia em que tal revelação foi feita, equipes da mesma PF prenderam em Santa Catarina o referido dito cujo conspirador no comando de agentes rodoviários, por ordem do relator da investigação no processo de, para e com o próprio STF, Alexandre de Moraes. O mais tolo dos néscios não acreditou patavina no depoimento deplorável de Anderson Torres. E o STF mandou prender Silvinei Vasques, metendo os pés pelas mãos cheias de pedras. A prisão preventiva e provisória é tardia, pois ocorre nove meses (toda uma gestação) depois do crime investigado. Para justificá-lo, a nota de Moraes é desmentida pela Constituição, convocada injustamente para ser madrinha da violação do elementar direito de todo cidadão à presunção de inocência; ela foi toda escrita no tempo condicional dos verbos de ação (seria, teria, poderia etc). Não há condicionais no direito penal. O desembarghador paulista aposentado Walter Maierovitch, no UOL, deu uma aula para vestibulandos de Direito ao lembrar que só teria sentido prisão provisória ou preventiva se fossem provados crimes de obstrução de investigação ou coação de testemunhas, mas nenhum foi relatado. Elementar, meu caro Watson, diria Sherlock Holmes, não é, professor?

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, escritor e poeta

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  1. QUE HOUVE A CONSPIRAÇÃO NINGUÉM DUVIDA MAS QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL FOI PISOTEADA VÁRIAS VEZES NÃO RESTA DÚVIDA.

  2. Sua coluna, Nêumanne, sempre é maravilhosa. Obrigada por compartilhar seu pensamento com os leitores da Crusoé /Antagonista.

  3. Bolsonaro encheu meu rabo de cloroquina e o ladrão quer encher de ozônio ... a isto neste puteiro Brazylis chamam "progressismo".

    1. Maria por via das dúvidas tirei os cruzadins que restou na poupança que usei prá escapar do câncer e comprei xilocaína ... fia rabo de idiota vai arder com o desgoverno gastador que quer fazer um novo PAC = Podemos Assaltar em Conjunto ??? A Odebrecht e seu "departamento estruturado" já lambe os beiços.

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