Foto: Alexandre Vidal/FlamengoPedro, o centroavante do Flamengo que foi agredido pelo preparador físico Pablo Fernández no último sábado (29)

Flamengo: sobra dinheiro e falta juízo

Time de maior torcida e mais rico do futebol brasileiro desrespeita o vice-artilheiro da temporada e despreza vidas do maior patrimônio do clube
04.08.23

O Clube de Regatas do Flamengo acabou de anunciar a posse de um caixa de quase R$ 240 milhões e um faturamento que já ultrapassa neste meio ano o primeiro bilhão. Nem sempre, contudo, essa novidade se transforma em títulos, embora ele seja o time que mais colecionou troféus de torneios recentemente. O principal destes já foi praticamente garantido por um rival antigo, o Botafogo de Futebol e Regatas, que lidera a série A do chamado Brasileirão com 12 pontos, quatro rodadas cheias de vantagem sobre os vices, Flamengo e Palmeiras, e já é campeão do turno. Outros rivais, ao contrário dele, ainda têm dificuldades para pagar dívidas milionárias. Parte desse diferencial se explica pelas arrecadações de seus jogos em todos os campeonatos que disputa. A paixão do torcedor anônimo resulta ainda em enorme lucratividade com a venda de garotos formados na chamada base, também favorecida pela preferência clubística.

Era de imaginar que a direção da entidade tratasse essa matéria-prima preciosa como magníficas fontes de renda que são. Mas o tratamento dispensado às “joias”, como são denominadas pelos inúmeros sites de badalação que circulam no YouTube sob títulos estrondosos, nunca condizentes com as notícias diárias veiculadas, está longe de ser nobre: ao contrário, é vil. Prova isso o incêndio que destruiu os alojamentos dos garotos e é mais condizente com sua denominação, “Ninho do Urubu”, desde que o abutre foi escolhido como símbolo da maior fonte de renda da instituição. Os dez mortos e três feridos no incidente não podem ser contabilizados como “fatalidade”, como faz a narrativa parcialíssima da Wikipédia nas telas de todo o país. Na verdade, o fogo resultou, como de hábito em episódios similares, de desleixo na manutenção do material combustível usado à guisa de paredes, que não são de tijolos, e da rede elétrica apodrecida. Quatro anos e meio depois, e isso o noticiário das redes não tem como esconder, ninguém foi punido, embora grandes craques tenham sido vendidos para o futebol europeu, casos de Lucas Paquetá e, mormente agora, Vini Jr., que escaparam desses “descuidos” fatais. Os pais dos garotos que não tiveram a sorte deles ainda nem sequer foram indenizados.

De lá até hoje, manifestações de desprezo à torcida dos “geraldinos” do tempo da geração Zico, continuaram passando incólumes. Ângela Machado, diretora de responsabilidade (sic) da associação desportiva e recreativa cujo presidente é, “ocasionamente”, seu marido, Rodolfo Landim, postou em suas redes pessoais após o anúncio da derrota de seu candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro: “Ganhamos onde se produz, perdemos onde se passa férias, bora trabalhar porque se o gado morrer o carrapato passa fome”. O marido, cuja atual pretensão é mudar o regimento da sociedade para se manter no cargo, achou que ela apenas teria exercido seu direito à livre expressão ao reduzir milhões de rubro-negros e eleitores de Lula no Nordeste a insetos. Restou-lhe, ainda bem, ter sido indiciada por xenofobia pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), o que poderá, ou não, lhe valer pena leve por ofensa grave. O Flamengo tem a maior torcida do Nordeste, que votou em Lula.

A impunidade interna na Gávea, contudo, continua a produzir frutos podres. Na partida contra o Atlético Mineiro no Brasileirão, que a diretoria e a comissão técnica não desejam com ardor, pois não resultará em tanto dinheiro, o preparador físico da equipe do técnico Jorge Sampaoli, o também argentino Pablo Fernández, deu três tapas e um soco no rosto do artilheiro do clube na temporada, Pedro Guilherme. O jogador tinha ficado no banco, apesar de envergar o manto dito “sagrado” de número 9, usado por Leônidas da Silva. O motivo do crime pessoal e trabalhista foi uma óbvia indisciplina do centroavante na reserva, que ficou no banco em vez de ir para o aquecimento faltando menos de dez minutos para o apito final. A três dias da agressão, Sampaoli, o chefe da comissão técnica, que havia repreendido o jogador, foi mantido no comando, mesmo tendo reclamado do gol perdido pelo reserva no jogo anterior pela Copa do Brasil contra o Grêmio em Porto Alegre, no qual o titular, Gabriel Barbosa, havia perdido um pênalti. Mas o principal goleador do time não foi perdoado.

No Clube de Regatas do Flamengo, cujo maior exemplo de comportamento, Zico, sempre agiu com disciplina, educação e cavalheirismo, a atual diretoria, que, ao contrário do Galinho de Quintino, como o Palmeiras, nunca ganhou um Mundial de Clubes, não admite que uma agressão encerre um episódio de indisciplina. O tribunal de Marcos Braz, Bruno Spindel e Rodolfo Landim — que foi funcionário de Eike Batista e levou Jair Bolsonaro, o ídolo político da mulher, ao aeroporto para levantar o troféu da Libertadores da América do ano passado, numa mistura absurda de política com falta de espírito esportivo — é implacável com a vítima. Suspendeu Pedro do jogo da Libertadores contra o Olímpia do Paraguai e o multou. Seguiu, assim, a tradição inaugurada com o incêndio do centro de treinamento que ajuda a sustentar as finanças, tão festejada para fiéis saudosos dos tempos do título planetário. O chefão do bando não percebeu, apesar de sua origem profissional no mercado financeiro, que os jovens da base são patrimônio do clube. Ao contrário do treinador e seus pugilistas, que passarão pelo alfanje afiado do justiçamento nas disputas perdidas, mais dia menos dia. Essa mistura de burrice com desumanidade não costuma poupar quem a pratique, por mais moedas que entesoure.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Esse comportamento é mais antigo. Em 2012, quando Ronaldinho Gaúcho rescindiu o contrato e buscou receber o dinheiro que lhe deviam na justiça, a diretora deu coletiva de imprensa dizendo que o clube seria implacável. Quanto aos meninos mortos no incêndio, o que acho mais triste são torcedores que conheço dizendo que não foi culpa do clube - a culpa seria do eletricista, do engenheiro, etc. Bons cúmplices é o que esses torcedores são!

  2. Sou muito crítico do Landim e do Marcos Braz, mas nessa crise eles agiram corretamente. Demitiram o preparador e puniram o Pedro. O Pedro, que se acha titular absoluto, tem que cair na real. Lá ele é mais um. Ou acha que é melhor que Gabigol, Bruno Henrique, Arrascaeta, Everton Ribeiro e Gerson? Eles vão para o banco também e não ficam de mimimi.

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