Agência Brasil/Fabio Rodrigues-PozzebomCiro Nogueira: a difícil operação de aderir ao governo sem parecer que virou casaca

A raiz do adesismo no Brasil

No país, aderir ao governo não é uma escolha, mas um imperativo, dentro da manjadíssima e nada sofisticada lógica do “quem não puxa o saco, puxa a carroça”
20.07.23

“Oposição é luxo de rico”, dizia o velho deputado do antigo baixo clero, pronto a aderir ao governo. A frase denota o conhecimento prático de que a vida pode ser muito difícil se não for possível contar com os favores do poder, seja você político ou empresário. O adesismo, que ora ganha força no Congresso Nacional e nos meios econômicos, não é uma escolha nesse sentido.

Ter isso em mente é importante para entender o motivo pelo qual o segundo semestre da política brasileira começa tão diferente do que se viu até junho, quando o governo teve que chorar sangue para aprovar a sua organização interna, a mais básica das medidas. Há hoje em Brasília um fervilhar de partidos autodeclarados independentes que buscam posições em ministérios. E, ao contrário do que parece ao eleitor, a questão não é de fraqueza de opinião, mas de necessidade, sendo a adesão estimulada por mecanismos fortes e tradicionais.

No campo político, apesar da emenda parlamentar ser importante, preencher cargos vale mais. Como o cientista político David Samuels alertou, o parlamentar tem dificuldade de receber o crédito do eleitor pela emenda destinada, que normalmente é executada pelo governador, pelo prefeito ou pelo burocrata, que fica com a fama pela obra pronta. Já indicar uma posição na administração pública, como uma superintendência, uma diretoria ou um ministério, conversa mais com a essência da atividade do deputado ou do senador, que é demonstrar influência sobre algum aspecto da vida da sociedade, ser um intermediário constante para a solução de problemas dos seus eleitores.

A ida do presidente Arthur Lira (PP/AL) ao encontro do Planalto desarticulou toda a possibilidade de uma oposição parruda no Congresso. Como domina o colégio de líderes e controla uma grande quantidade de votos, continuar na oposição, hoje, significa ser derrotado sem sequer ter muita vitrine para expor sua contrariedade, dado o estilo trator adotado na Casa, além de ser preterido na prioridade de execução de emendas e de não ter influência em nenhum lugar por onde a vida do eleitor passa.

Essa situação emparedou líderes políticos que se anunciaram independentes ou de oposição, como é o caso do presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP). Candidato à sucessão da Câmara, ele foi a principal vítima do neoadesismo de Lira que esvaziou seu poder dentro da sua própria legenda. A ala do Republicanos que deseja entrar no governo, especialmente os deputados de estados onde Lula venceu com folga, alega com pragmatismo que se trata da sobrevivência política participar das estruturas e ter influência nas decisões que afetam as bases. Pereira, que chegou a alegar que Lula não teria maioria em todo o seu mandato, ficou com as mãos atadas e teve que criar narrativa para mudar de posição sem “desdizer tudo aquilo que havia dito antes” e não parecer a metamorfose ambulante de Raul Seixas. A saída clássica nesses casos é jogar a responsabilidade em Lula: “A nomeação de um deputado do partido é decisão da cota pessoal do presidente”. O mesmo dilema é vivido pelo presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI).

No caso da economia, alguns empresários bolsonaristas fazem a conversão em público, como se confessassem pecados. O caminho tem sido demonstrar arrependimento pelo voto no ex-presidente e apoiar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em vez de se render diretamente a Lula. Trata-se de um caminho intermediário que tem embutido a estratégia de reforçar o PT moderado em detrimento de um PT mais radical. Mas também é uma necessidade na medida em que o novo governo intervém crescentemente no mundo dos negócios

Por exemplo, o novo ministro do Turismo, Celso Sabino (União/PA), iniciou sua gestão dando a ideia de subsidiar hospedagem para turistas. O ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, conseguiu direcionar impostos para montadoras de automóveis aliviarem seus pátios. Lula já manifestou a ideia de voltar a subsidiar a linha branca de eletrodomésticos enquanto o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB/SP) quer bancar passagens aéreas que as companhias não venderem. Alguém deu a sugestão de que as unidades do Minha Casa, Minha Vida já venham mobiliadas e equipadas. Sendo empresário, como não estar presente nas câmaras setoriais que vão definir quem vai receber ou não alguma ajuda governamental?

Embora o adesismo seja um elemento constitutivo do sistema político brasileiro, assim como dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio formam uma molécula de água, sabe-se que governos intervencionistas, que ampliam o Estado e que preferem políticas setoriais em detrimento de melhorias macro do ambiente de negócios tendem a reforçar essa característica. Assim, aderir ao governo não é uma escolha, mas um imperativo, dentro da manjadíssima e nada sofisticada lógica do “quem não puxa o saco, puxa a carroça”.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

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  1. E os eleitores sendo ludibriados mais uma vez. Quem vota consciente num candidato espera dele a posição que assumiu durante a campanha. Ver essa festa de conversões é desanimador demais

  2. Nem puxar o saco nem a carroça. Bastaria um pouco de vergonha na cara e melhorar a educação do brasileiro. Mas isso mudaria o eixo do poder. Ignorância e burrice da população é para perpetuar o modelo vencedor. O resto é parolagem

  3. O sistema político brasileiro está repleto de amorais, imorais, corruptos, delinquentes, analfabetos funcionais e indigentes intelectuais que não se preocupam com o país.

  4. A raiz do adesismo é a ignorância do povo a eleger canalhas aos poderes que resultou na pior politicalha da nossa triste estória e assim divididos entre um ladrão descondenado e um maluco inelegível sob vingança o país ruma ao caos mera questão de data ... é o Brasil rumando ao lixo !!!

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